sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Uma resposta ao Estadão

Só pra não se perder.
Abaixo, a nota que enviei ao Estadão, há pouco mais de um mês, quando eles publicizaram aquela infeliz enquete que queria saber se programa de governo para as mulheres era vai-e-volta do shopping center ou bolsa-manicure. Um baixo nível digno de jornaleco de quinta categoria né. Mas era o Estadão.

Carta aos editores da página eletrônica Estadão.
Em 23/10/2008.

Uma lástima.

Não há outra palavra para definir a infeliz “enquete” promovida pela página eletrônica do Estadão. A referida iniciativa rotula as mulheres como fúteis, vazias, “burras”, com preocupação exclusiva com sua aparência – posição cultuada pela própria mídia, que expõe os corpos das mulheres como se fossem produtos a serem comprados e vendidos ou como se as mulheres só tivessem valor de acordo com a aceitação da sua aparência. A tal “enquete” é, portanto, mais uma demonstração de machismo da imprensa brasileira, na esteira de uma série de recentes ações similares.

Em primeiro lugar, eleição é coisa séria. As mulheres são 53,4% dos eleitores de São Paulo, e devem escolher seu candidato ou candidata a partir de um programa de governo e da trajetória política de cada um(a). Merecem o respeito do Estadão.

Demanda por políticas públicas é o que não falta entre as mulheres, que vivenciam a opressão e a discriminação todos os dias, refletida, inclusive, em ações (ou não ações) do Estado que deveria trabalhar para enfrentar a desigualdade. As mulheres ganham menos que os homens por mesmo trabalho, mesmo tendo mais tempo de escolaridade. Muitas mulheres ainda sofrem violência doméstica e sexual todos os dias na nossa cidade. As mulheres ainda cumprem dupla jornada, sendo responsabilizadas pelo trabalho doméstico e de cuidados, sem ganhar nada por isso, como se fosse sua pura e simples obrigação. E depois de tudo isso, ainda têm sido tratadas pela Prefeitura como se esta nada lhes devesse além de demagogia. E são tratadas pela imprensa como figuras fúteis, esteriotipadas e apolíticas, sem demanda por políticas públicas e sem interesse em cuidar de sua própria cidade e de sua própria vida.

Apresentando uma enquete como a referida, o Estadão presta um desserviço às mulheres de São Paulo, deslegitimando suas demandas e ironizando sua capacidade de interferir na realidade. Nada mais ofensivo.

As mulheres querem creches, querem políticas efetivas de combate à violência, de construção da autonomia, de inserção qualificada no mercado de trabalho. As mulheres querem saúde, inclusive quando não são mães. As mulheres querem acesso a educação de qualidade, a transporte público, a cultura e lazer. Enfim. As mulheres querem ser tratadas de igual pra igual. Sem preconceitos de nenhuma ordem.

Alessandra Terribili
Vice-presidenta municipal do PT
Integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT
Militante da Marcha Mundial das Mulheres

A triste política que se faz na Câmara Municipal de São Paulo - parte II

A primeira derrota de Kassab na Câmara desde que se reelegeu, e, aliás, desde mais de um ano atrás, se deu por ação do chamado “centrão”.

O “centrão” é composto por um grupo de parlamentares que se caracterizam por agir meio como base governista, meio sem princípios político-ideológicos, meio a fim mesmo é de desfrutar dos benefícios que o poder traz. É por isso que mantêm uma relação dúbia com o poder executivo, e raramente seguem uma linha coerente de intervenção na Câmara Municipal.

Pois é, nesta semana, em que as negociações para a composição do novo governo de Kassab estão a todo vapor, eles decidiram votar contra o prefeito. O projeto era do PT, do vereador Antônio Donato, um decreto legislativo que derruba uma portaria do executivo. O conteúdo: a prefeitura queria regularizar a situação de 116 flats na cidade de uma tacada só.

A prefeitura está, mais uma vez, do lado em que sempre esteve. Parece que boa parte desses flats, definidos como “imóveis de uso residencial com serviços”, operavam de fato como rede hoteleira. Acontece que o plano diretor da cidade determina em que regiões hotéis podem se instalar. E a fiscalização de hotéis é diferente da fiscalização de imóveis residenciais. Olha o abacaxi.

O “centrão” mesmo não está preocupado com isso. Na Folha de S. Paulo de hoje, expoentes seus afirmam que “quando são afrontados, têm que reagir”. Avaliam que o poder executivo afrontou o legislativo, pois uma situação como essa não se resolve na canetada. E que votar a favor do projeto do PT significava, para eles, garantir a independência do legislativo. Nem uma frase sobre o conteúdo dos projetos. Vai saber o que eles vão fazer depois, na hora H da definição. Desse projeto e da composição do governo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Direito à memória e à verdade

Muito se tem falado sobre tortura ultimamente, e a Lei da Anistia, de 1979, está de volta à agenda pública. Esta tem sido evocada por integrantes do Governo Federal que entendem que o crime de tortura é imprescritível, e portanto, torturadores não podem ser considerados anistiados pelo que promoveram e executaram nos duros anos de chumbo.

Um episódio emblemático é a luta judicial que a família Teles, casal e dois filhos (que eram pequenos à época em que os pais foram submetidos a tortura por serem opositores do regime), moveu contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974. O coronel foi declarado torturador publicamente.

Presenciei, certa vez, uma audiência da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, dentro da Caravana da Anistia, que declarou anistiado Flávio Koutzii, ex-deputado estadual e dirigente do PT do Rio Grande do Sul.

Tive a felicidade de estar em Caxias do Sul naquele 17 de julho. O auditório “improvisado” no ginásio da Universidade estava lotado por estudantes de Direito do Brasil inteiro e militantes gaúchos que se dirigiram até lá para acompanhar a audiência. Um dos casos a serem apreciados seria o do ex-deputado, muito conhecido no estado e respeitado pelo seu histórico de lutas em defesa do povo, da liberdade, do socialismo. Um grande militante.

A comissão relatou o caso de Koutzii, e, em seguida, homenageou, na pessoa dele (foi assim que entendi) todos aqueles grandes homens e grandes mulheres que dedicaram sua juventude e sua vida a enfrentar o autoritarismo dos que negam ao povo o direito à igualdade. Muitos tombaram. Muitos desistiram. E muitos aqui estão para contar essa história, e mais do que isso, para continuar escrevendo-a. Koutzii é um desses.

Koutzii se emocionou quando teve direito à palavra. Homenageou seus companheiros e companheiras, reafirmou os ideais que o moveram naquele período, e que fazem sentido até hoje, garantindo sua militância. Ao final de um belo discurso que declarou Koutzii anistiado, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, falou isso: “O Estado brasileiro lhe pede desculpas”.

Eu me emocionei umas 10 vezes ao assistir aquilo. Mas até hoje eu me arrepio ao lembrar dessa frase. “O Estado brasileiro lhe pede desculpas”. Por tê-lo torturado, por ter-lhe roubado preciosos anos de sua juventude, por ter-lhe caçado o direito à voz, ao exercício pleno de seus direitos – e à luta plena para que eles sejam ampliados até que exista igualdade, democracia e justiça de verdade. Flávio Koutzii é um grande homem. Sinto-me honrada fazer parte do mesmo partido que ele ajudou a fundar e onde milita até hoje, apesar dos percalços e da vontade de desistir que sempre vem. E sempre é superada. Porque, desculpem a pieguice, mas a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar. E ela ainda tem muito o que fazer por aqui.

DICA DE EVENTO:
Ato Público na Alesp: Direito à Memória e à Verdade
A tortura e desaparecimento de militantes políticos praticados por agentes do estado são crimes de lesa humanidade e, portanto, imprescritíveis e não passiveis de anistia. Julgar estes crimes praticados durante a ditadura militar 1964-1985 é um passo importante para que a justiça de transição seja feita em nosso país, no sentido de afirmar: Terrorismo de Estado, Nunca Mais!
PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS MILITARES.
PELA LOCALIZAÇÃO DOS CORPOS DOS DESAPARECIDOS POLÍTICOS.
PELA RESPONSABILIZAÇÃO DOS CRIMES DE LESA HUMANIDADE.
Data: 1º de dezembro de 2008
Horário: 14h
Local: Auditório Teotônio Vilela - Assembléia Legislativa de São Paulo (Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera)
Presença do Ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.
Realização: mandatos do deputado estadual Simão Pedro e do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O amor de Maiakovski

O AMOR
(Maiakovski)

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,
que, por certo,
hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.

Então, de todo amor não terminado
seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me, nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos, concupiscência, salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado,
mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver livre dos nichos das casas.
Para que doravante a família seja o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.

***
Não gostei de não ter postado nada ontem. Mas redimo-me comigo mesma porque estava na Praça do Patriarca, com outras dezenas de mulheres, gritando contra a violência sexista. A manifestação foi linda.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mulheres na praça amanhã

E só pra lembrar: amanhã (terça, 25/11) é às 15h na Praça do Patriarca. Dia de luta pela não violência contra a mulher.

Política, pra começar a semana

Retirado do blog do Emir Sader.


21/11/2008
A crise da extrema esquerda

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo “risco Lula” -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.

O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir.

O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do “mensalão”. Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade. Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a “assistencialismo”, mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do “asisistencialismo” do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por “alguns centavos”, mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

sábado, 22 de novembro de 2008

Mais um

E antes que o dia comece, já vem mais um... não sei de onde essa inspiração de escrever coisas bobas tem me saído ultimamente. Aliás, acho que sei.


O PESSOAL E O GRITO

O pessoal nunca tinha visto
Uma coisa assim
Assim leve, assim boba, assim forte, assim louca
Assim como se o vento pudesse levar
Mas também, como se o fardo não se deixasse carregar
Dá pra entender?

O pessoal achou que era uma voz
Mas não era não.
Era como se fosse um grito na multidão
Que ninguém sabia exato de onde saiu
E na hora que gritaram, ninguém viu.

O pessoal então se intrigou.
Por que gritar se quem ouvir
Não lhe vai encontrar?
Quem gritaria do alto
De uma enorme melancolia nostálgica
Estando lambuzado de glórias de viver?
E que tão curta vida ainda!

O pessoal parou de pensar.
Porque o grito-voz ressurgiu
E encantou a todos que estavam por lá.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A tempo!

Antes que acabe o dia, um poema bobo...
PS: O nome é em homenagem ao amigo Conrado, que fez essa interpretação-síntese.


A dúvida e a falsa certeza

Eu não gosto de expectativas.
Elas trazem frustração.
O problema é que elas sempre se apropriam de mim,
e fingem que não estão,
quando estão.

Eu fico tentando afogar.
Às vezes, nem percebo que estão lá.
Em desfile e em dança
na minha frente,
esboço um sorriso de esperança,
mas, rapidamente,
tento disfarçar.

Imagino como seria se fosse...
o que eu faria se isso um dia...
Reprimo.
Penso que seria doce,
ou mesmo que me amargaria,
e consolo-me do banho de água fria
sabendo que nada mudará.

Porque mudança dá medo,
desestabilidade.
É como eu olhar pra cidade
e ver o que ela realmente é: grande.
E se isso for,
não sem dor,
eu meço a minha pequenez.
Apenas uma coisa de cada vez.
Como se a vez das coisas as fizessem se enfileirar...

Elas não.
Mas eu, tão pequena,
que haveria de achar,
olhando a centena
de ruas e problemas
que ninguém vai saber onde vão dar.

Minha pequenez na imensidão da cidade... não me permite esperar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Você não samba, mas tem que aplaudir!"

Nestes últimos dias fiquei sabendo de duas histórias lamentáveis envolvendo duas grandes figuras da atual geração do samba carioca.

Zeca Pagodinho vai tocar no “Paulistano”, clube da elite elitíssima abastada e bem-resolvida e auto-suficiente paulistana. Dos Jardins. Não vem ao caso entender por que ele vai lá. Mas dizem que há uma semi-revolta por parte de alguns sócios do clube, que se comunicaram com a direção do mesmo registrando sua opinião de que é um absurdo e de que é descabido receberem o samba de Zeca Pagodinho.

Ele, por sua vez, diz que foi convidado, não se ofereceu, e, portanto, não vai falar sobre a polêmica.

Dudu Nobre foi vítima de racismo dos brabos num vôo de volta dos States. Dois comissários de bordo, pelo que entendi, desrespeitaram profundamente o sambista e sua companheira. Desrespeito desses que não dá pra deixar passar em branco, ou afogar numa cerveja gelada. Desrespeito desses que é com um de nós, e aí, é com todos nós mesmo.

Emblemático do que acontece quando alguém “de fora” adentra o olimpo dos “de dentro”. E tem gente que pensa que não existe ódio de classe. Ou que não existe preconceito, ou que existe pouco. Quem sofre a discriminação sabe o que é isso. E a discriminação dos negros e das negras é racismo, é crime, e tem tudo a ver com ódio de classe também.

E os negros e as negras têm tudo a ver com o nosso samba. Samba tem história, a história do povo. Remete aos que foram escravizados pelos europeus durante mais de 3 séculos. Remete à resistência. Parece alegre, mas muitas vezes é triste. “O samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”, como disse Vinícius de Moraes. É com essa raiz que o samba vai pros espaços que não são dele, mas que, hoje, são obrigados a aceitá-lo. É com toda essa bagagem cultural que o samba conta a história do povo brasileiro, faz a crônica do seu cotidiano, reivindica a cultura popular, chora seus amores malfadados, celebra os amigos e a vida, e também bons amores, como não!

Não é a história dos capatazes que ele conta. O samba é dos morros do Rio, é das quebradas de São Paulo, é dos subúrbios da Bahia. É de qualquer lugar do Brasil, de qualquer esquina e qualquer botequim, onde poetas e músicos fazem samba como quem celebra. É por isso que nem todo mundo precisa aceitar o samba. E o samba também não quer aceitar todo mundo. Ninguém faz samba só porque prefere...

Mas mesmo assim, com todos os contrapontos, contratempos, contrabaixos que possa haver, com todas as discriminações, preconceitos, desigualdades, opressões, o samba é o hino de muita gente bamba. Talvez incomode os sócios do “Paulistano”. Problema deles.


***
Ninguém ouviu um soluçar de dor num canto do Brasil. Talvez amanhã possam ouvir. Eu desejaria que em cada canto desse país ecoasse o canto de negros e negras que comemoram a sua luta por liberdade, por igualdade e pelo fim das amarras da opressão e da exploração. E que esse canto ecoe noite e dia, ensurdecedor...

Esse canto devia ser um canto de alegria, mas soa como um soluçar de dor. Séculos de dor e de luta. Um brinde - com um bom samba! - à luta dos negros e negras deste país. 20 de novembro é Consciência Negra.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Mulheres nas ruas

Já que aqui tanto se falou sobre machismo e violência, fica a sugestão de engrossarmos o ato das mulheres por uma vida livre de violência contra as mulheres. A foto abaixo é da manifestação de 8 de março de 2007, em São Paulo. Retirada da página da SOF (Sempreviva Organização Feminista): www.sof.org.br.



Dia 25 de novembro, às 15h
Na Praça do Patriarca, São Paulo/SP

Muitas são as histórias de mulheres que são agredidas, violentadas e mortas por homens, que, na maioria das vezes, são seus maridos, namorados ou ex-maridos e ex-namorados. A imprensa fala dessas histórias como se fossem “loucuras de amor” ou “surtos” motivados pelo fim de um romance. Mas não são. Isso é violência contra a mulher, é crime, e é mais comum do que imaginamos.

Essa violência que as mulheres sofrem é decorrência do machismo, da tentativa permanente dos homens de terem controle sobre elas – pensamentos, vontades, sexualidade e daí por diante – e de eles não aceitarem que elas tenham sua própria vida autonomamente, que digam “não” para eles. A principal forma de exercer esse controle é através da violência, psicológica ou física, o que leva, em diversos casos, à morte.

O caso Eloá e a influência da mídia
Foi isso que vimos recentemente, no assassinato da jovem Eloá Pimentel por seu ex-namorado. E enquanto isso, a polícia não é preparada para lidar com situações como essa; o governador Serra continua sem assinar o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; e a mídia segue espetacularizando a morte dessas mulheres, tratando tudo como se fosse um trágico final de novela. Aliás, cada vez mais, percebemos que os meios de comunicação reproduzem o machismo que motiva a violência cotidianamente, através de esteriótipos, de piadas preconceituosas e exposição de mulheres como se fossem produtos.

E em São Paulo, como estamos?
Na cidade de São Paulo, o Prefeito Gilberto Kassab está desmontando a Coordenadoria da Mulher, organismo de governo voltado às políticas para as mulheres. Não há política de atendimento às mulheres em situação de violência e nenhuma política de prevenção à violência. A Lei Maria da Penha é desrespeitada muitas vezes e, hoje em dia, nenhuma Delegacia da Mulher fica aberta após as 18h na nossa cidade – como se a violência acontecesse somente no horário comercial.

Vamos à luta!É por isso a Marcha Mundial das Mulheres e as mulheres da CUT irão para a rua dia 25 de novembro, Dia da Não Violência contra a Mulher: para denunciar os tantos casos que acontecem todos os dias, as mortes de mulheres, o descaso dos governos, a banalização, o tratamento dado pela mídia e a impunidade dos homens – que contam com essa impunidade quando cometem atos de violência, mesmo os mais brutais, como aconteceu com Eloá.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A triste política que se faz na Câmara Municipal de São Paulo

E no momento em que tanto se fala sobre fidelidade partidária - da qual sou absolutamente a favor, sem atenuações -, lá vêm vereadores(as) de São Paulo, mais uma vez, dar uma lição de antipolítica.

A coligação que apresentou a candidatura de Marta à Prefeitura era composta por PT, PCdoB, PDT, PSB e PRB. Desses, apenas o PDT não entrou na coligação proporcional (a que apresenta uma chapa de candidatos/as a vereador/a), que fez 16 cadeiras na Câmara. Imagina-se que quem vota numa chapa que sustenta uma candidatura de oposição à atual administração municipal tem uma visão crítica à mesma, com a expectativa de que seu/sua vereador/a represente essa opinião.

Pois bem... Eliseu Gabriel(PSB), Noemi Nonato(PSB) e Bispo Atílio(PRB), eleitos pela votação do PT - porque seus partidos, sozinhos, não teriam obtido votação suficiente para eleger nenhum deles - nem tomaram posse e já migraram para a base governista que vai sustentar Kassab na Câmara. Depois de participarem de uma chapa de oposição, eles refletiram e chegaram à conclusão de que melhor pra São Paulo é Kassab. Ou que melhor pra eles é ser governo.

Seria tão bom que viesse a reforma política! Se não pra acabar de vez com o oportunismo e o fisiologismo, pelo menos, pra impedir que haja coligações proporcionais. Já seria um adianto de vida.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Voltando ao assunto violência

Na Folha de hoje, mais uma vez, em “Cotidiano”, uma reportagem aborda o caso da menina de 15 anos que, na cidade catarinense de Joaçaba, foi estuprada por 3 jovens.

O advogado de um dos meninos diz que foi “lamentável”. Mas que foi um “momento de bobeira”, e isso não faz dos meninos “mentes doentias”. Diz ainda que eles não são uma exceção, mas sim, um retrato de algo que costuma mesmo acontecer entre adolescentes, o que precisa ser um “alerta”.

É como dizíamos antes... impressionante a capacidade de se relativizarem os crimes contra mulheres. Sempre há atenuantes aceitáveis, como “bebeu demais”, “estava surtando”, “deu bobeira”. Mas afinal, há que se compreender, é “muito jovem”, é “trabalhador”, é “um coração em sofrimento”.

Mas e as mulheres??? A primeira coisa que acontece é buscar nelas alguma coisa que “justifique” a agressão que elas mesmas sofreram! Como “ela provocou”, “ela quis”, “ela fez por merecer de alguma forma”. E isso está claramente contido na exposição de cada caso através da mídia. Foi o que vimos no caso de Eloá Pimentel.

Impressionante a facilidade com que vítimas se tornam cúmplices de seus próprios agressores sob o olhar machista que organiza as relações sociais. Minha firme e sincera expectativa é de que esses 3 rapazes sofram as penalidades cabíveis ao ato que praticaram. E que todos ao seu redor classifiquem como inaceitável a violência que cometeram. Porque ela é.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O velho Marx tinha razão

“Em um sistema de produção onde toda a continuidade do processo de reprodução depende do crédito, quando este acaba subitamente e somente transações com dinheiro passam a ser aceitas, é inevitável que ocorra uma crise, uma tremenda demanda por meios de pagamento. É por isso que, à primeira vista, a crise inteira parece ser somente uma crise de crédito e de moeda. E de fato trata-se apenas da conversibilidade de letras de câmbio em dinheiro. No entanto, a maioria destes papéis representam compras e vendas reais, cuja extensão – para muito além das necessidades da sociedade – é, afinal, a base de toda a crise. Ao mesmo tempo, há uma quantidade enorme destas letras de câmbio que representam mera especulação, que agora revela sua face e colapsa; especulação fracassada com o capital de outras pessoas, com o capital-mercadoria depreciado ou invendável, ou com ganhos que nunca mais poderão ser realizados. Todo esse sistema artificial de expansão forçada do processo de reprodução evidentemente não pode ser resolvido com um banco, por exemplo, o Banco da Inglaterra, entregando a todos esses especuladores o capital que lhes falta através de seus títulos, comprando mercadorias depreciadas a seus antigos valores nominais. Aliás, é nesse momento que tudo começa a parecer distorcido, já que nesse mundo de papel, o preço real e seus fatores reais desaparecem, deixando visível somente metais, moedas, cédulas, letras de câmbio e títulos.”

Karl Marx, O Capital, vol. 3, cap. XXX.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Menos política hoje

Outro dia, falava com um amigo sobre a vida. A minha e a dele. Reparamos a quantidade de vezes que subterfúgios aparecem para nos tirar o foco, ou nos jogar completamente para outro foco:

A – Já reparou quantas vezes usamos a palavra “subterfúgio” hoje?
R – Verdade...
A – Impressionante como esses malditos sempre estão lá. Normalmente, para atrapalhar alguma coisa.

É que o assunto eram situações das nossas vidas. De variadas naturezas: família, trabalho, política... até futebol. Essencialmente, relacionamentos - claro. Que permeiam todo o resto.

A – Já dá pra perceber que subterfúgios, na realidade, não são subterfúgios. São mesmo os verdadeiros culpados!

Subterfúgios são aqueles elementos que são coadjuvantes na história, mas, exatamente por isso, nos levam até eles para que não vejamos os reais protagonistas. A palavra vem do latim, subterfugere, e significa, de acordo com os dicionários, um “pretexto”, ou um “ardil para fugir às dificuldades”.

Você está lá, mergulhada em um mar de incertezas e de (im)possibilidades. Daí, na escuridão desse mar, tem um pontinho iluminado, que não vai te salvar do escuro, mas se você prestar toda a sua atenção nele, ele te encanta por algum tempo, como se fosse capaz de lhe tirar dali... mas, no fundo, não é. Mas não estamos no fundo ainda, então, não percebemos que não é! E deixamos nossa atenção se concentrar naquele pontinho de luz...

Só tem duas saídas. Chegar ao fundo, e ver que o pontinho de luz é só um pontinho de luz, e não tem nada a ver com o resto da escuridão. Ou apagar essa luzinha intrometida, e produzir a luzona que vai, de fato, iluminar a escuridão inteira.

Mas e se a gente conseguir transformar o pontinho de luz em uma chama voraz???

A – Não se tem notícia de que isso aconteceu um dia...
R – Então aproveitemos enquanto não sabemos disso.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Primeiro post

A notícia da Folha de S. Paulo de hoje, 11 de novembro, em "Cotidiano", motiva o primeiro post deste blog. Triste motivo de começar, aliás. O lead diz que o Tribunal de Justiça de São Paulo deixou de qualificar 2 crimes de violência sexual como hediondos, e, em um dos casos, inclusive, o criminoso teve sua pena abrandada.

Não vou discutir juridicamente o que significa a palavra hediondo. Vou afirmar que é preciso eliminar toda forma de machismo que se expressa mundo afora, toda prática de opressão das mulheres, de violação ou alienação de seu próprio corpo, de controle, de subjugação. É inadimissível que haja conivência - sim, conivência - com a violência contra as mulheres. Porque quem não combate a violência é aliado dela. Não dá pra não ter essa radicalidade ao falar desse assunto.

Não podemos nos habituar à ausência e nem podemos aceitar que os crimes contra as mulheres sejam considerados crimes "comuns", ou "menores". Porque, o mínimo, é que eles sejam compreendidos dentro de um sistema que, na sua integralidade, estrutura a desigualdade. E violência sexual é parte fundamental disso.