Mostrando postagens com marcador consciência negra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador consciência negra. Mostrar todas as postagens

sábado, 14 de abril de 2018

Quem matou Marielle Franco?

Eu não conheci a Marielle Franco pessoalmente. Mas conheci sua campanha, em 2016. Amigos/as em quem confio, do PSOL ou não, pediam votos pra ela entusiasmadamente. Ela só podia ser uma pessoa boa. No adorável e resistente Bip-Bip, a maior parte dos frequentadores, notei certo domingo, se dividiam entre ela e Reimont. Peguei o panfleto, achei legal pra caralho. Ela só podia ser uma pessoa boa.

Recebi com alegria a notícia de sua eleição por expressiva votação. Torci pra que o mandato fosse bom, porque o Rio merece, a periferia merece. Porque as mulheres negras das favelas merecem essa referência. Ela só podia ser uma pessoa boa.

Há um mês, aquele nome, Marielle Franco, que li em panfletos e diálogos de luta e de esperança, estava numa notícia horrível, digna deste nosso tenebroso tempo. A dor pesa 500 toneladas. Tão difícil colocar nesses quase-sempre-odiáveis parlamentos uma mulher negra da favela. Lutadora dos direitos humanos. Quando ela chega lá, dão-lhe quatro tiros na cabeça e pronto. Eles atiram na esperança da gente, na esperança do povo pobre. Ela foi morta porque estava fazendo bem seu trabalho. Marielle foi morta porque estava honrando cada um de seus mais de 46 mil eleitores.

Mataram uma vereadora no meio da rua na ex-capital do país. Ela era uma pessoa boa.


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Um golpe contra a Educação e o Magistério

Por Gabriel Magno, Iolanda Rocha, Ruth Brochado, Hamilton 
Caiana, Henrique Torres e Alessandra Terribili*

A esta altura do campeonato, boa parte da população brasileira já entendeu o que estava em jogo quando partidos de direita, sindicatos patronais e os setores mais conservadores da sociedade se articularam para aplicar o golpe de Estado que está em curso. Reforma da Previdência, congelamento do investimento público por 20 anos, Ensino Médio sob ameaça e muita repressão. É nesse contexto que ganham força as teses conservadoras e autoritárias da ONG “Escola Sem Partido”.

Antes de mais nada, é preciso destacar que os projetos de lei que levam esse nome não se referem à presença ou não de partido na escola. Como todo agrupamento que se autodeclara “apartidário”, esse também visa a manipular o senso comum de forma hipócrita e oportunista para fazer prevalecer a sua própria ideologia.

A real intenção do Projeto de Lei da Mordaça é eliminar das salas de aula o contraditório, a diversidade, o pensamento crítico. Para quem ainda tem dúvida, basta saber que por trás desses PLs está o Instituto Millenium, conhecido espaço de elaboração da direita brasileira, que reúne figuras alimentadas pelo ódio de classe e intolerância, como Rodrigo Constantino e Diogo Mainardi. Tal coletivo conta com a participação entusiasmada de PSDB e DEM. Fica óbvio, portanto, que a “Escola Sem Partido”, de sem partido, não tem nada.

As iniciativas desastradas e autoritárias

Foi Izalci Lucas (PSDB-DF) quem tomou as premissas da ONG comandada por Miguel Nagib para apresentá-las em formato de projeto de lei à Câmara Federal (PL 867/2015). Nenhuma surpresa, afinal, as propostas do PSDB para a Educação ficaram claras nos oito anos de Governo FHC e nos estados de São Paulo, Paraná e Goiás, suas principais vitrines, caracterizados pelo sucateamento da escola pública e pela truculência e desvalorização com que se tratam os professores e estudantes.

Ainda que a Lei da Mordaça não tenha sido aprovada, alguns parlamentares já se utilizam dela para promover a perseguição de professores (as) e a censura, recuperando esses fundamentais elementos da ditadura militar. O projeto proíbe professores (as) de convidar seus estudantes para manifestações, atos públicos e passeatas. Um ataque deliberado à liberdade de manifestação e de organização, que remete outra vez e com mais ênfase ao período ditatorial.

Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, Sandra Faraj (SD) e Rodrigo Delmasso (PTN) lideram um conjunto de deputados (as) que têm se esmerado em formular propostas absurdas para a Educação, sempre com forte viés autoritário e desprezo por professores (as) e orientadores (as). Na mesa do governador Rollemberg, por exemplo, está o PL 137/2015, aguardando sanção ou veto. O projeto busca levar os “valores de família” às salas de aula como temática transversal. Por trás de cada iniciativa desastrada como essa está a intenção de impor um conceito de família pertinente a uma crença específica; que reprime e marginaliza aqueles e aquelas que não se enquadram nos seus conceitos particulares. É uma violência contra a democracia, a laicidade do Estado e a liberdade de pensamento e de crença.

Sandra Faraj também tem enviado ofícios a escolas para cobrar explicações e “providências” contra professores e professoras que trabalham com seus/suas estudantes questões relativas aos direitos humanos, argumentando que as questões de gênero e de orientação sexual foram retiradas do PDE (Plano Distrital de Educação). Infelizmente, a deputada e sua assessoria parecem desconhecer a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996), que estabelece em seu artigo 3º “o respeito à liberdade e apreço à tolerância” como princípios básicos do ensino. Esquece também que a Lei Orgânica do DF estabelece em seu artigo 2º que “ninguém será discriminado ou prejudicado em razão de convicções políticas ou filosóficas e orientação sexual”, e que o artigo 3º determina que um dos objetivos prioritários do Distrito Federal é “garantir e promover os direitos humanos assegurados na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A mesma Lei Orgânica destaca em seu artigo 235 que “a rede oficial de ensino incluirá em seu currículo, em todos os níveis, dentre outros conteúdos programáticos, a educação sexual”, e no 237, que “é dever do Poder Público estabelecer políticas de prevenção e combate à violência e à discriminação, particularmente contra a mulher, o negro e as minorias”. Além de ignorar a Constituição Federal, que assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar e a gestão democrática do ensino público (artigo 206).

O PELO (Projeto de Emenda à Lei Orgânica) nº 38, assinado pelo deputado Rodrigo Delmasso, quer incorporar à Lei Orgânica do DF a “garantia do direito dos pais a que seus filhos recebam educação moral de acordo com suas próprias convicções”. Não é apenas autoritário, mas também profundamente obtuso: numa sala de aula que, via de regra, representa a pluralidade presente na nossa sociedade, como obedecer à orientação moral de um desconsiderando a do outro e abstraindo a sua própria?

Causa-nos profunda indignação que esses (as) parlamentares desconheçam os reais problemas das escolas públicas do DF hoje; ou que não estejam preocupados (as) em solucionar a situação dramática da saúde pública, do transporte coletivo ineficiente e caro, e das profundas desigualdades sociais no Distrito Federal. Resta-lhes, portanto, muito tempo para executar patrulha moral sobre o trabalho sério que professores e professoras desenvolvem nas nossas escolas, visando a construir tolerância, respeito e igualdade.

Questões de gênero, orientação sexual e combate ao racismo

Ao inventar a expressão “ideologia de gênero”, os porta-vozes da direita conservadora e intolerante buscam massacrar a diversidade. Assim, pretendem manter a comunidade LGBT invisibilizada e marginalizada; e contribuem para a reprodução das tantas violências cometidas contra mulheres e população negra cotidianamente. As consequências disso estão diariamente nos noticiários: pessoas homossexuais assassinadas em crimes de ódio; mulheres estupradas, violentadas, mortas em crimes de misoginia; negros e negras sofrendo todo tipo de violência, perseguição, exclusão e preconceito. Claro, pois segundo os idealizadores do Projeto de Lei da Mordaça, a escola não é lugar de combater a cultura do ódio, da discriminação e da opressão.

De acordo com Bráulio Porto de Matos, um dos principais defensores da Lei da Mordaça, em debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no último dia 31 de maio, o ensino de história e cultura da África nas escolas deveria ser extinto. Para ele, tal conteúdo expressa uma ideologia: “Então, deveríamos estudar a história da Itália, da Alemanha, do Japão”, disse. E foram exatamente esses três os países citados.

A incomensurável tolice de tal aferição reside no fato de que nossas escolas, ao falar das origens do povo brasileiro, sempre abordaram a história e cultura europeias quase que exclusivamente. Da mesma forma, os seguidores do PL da Mordaça pretendem eliminar, ou, no mínimo, reduzir substancialmente a importância da história política e socioeconômica da América Latina. Para os defensores e defensoras da Mordaça, nossos alunos devem ser limitados a conhecer a história e a cultura dos povos europeus e estadunidenses, filtrando o conhecimento ao qual eles podem ou não ter acesso. Nada mais ideológico que isso.

Não vai ter golpe contra a Educação

A ideologia da Escola Sem Partido é óbvia: a manutenção e o recrudescimento do padrão de opressões que nosso país conhece há mais de 500 anos, com seus atentados à soberania nacional e subordinação a interesses das tradicionais potências estrangeiras.

Esses aspectos marcam também o golpe em curso: ele é contra os(as) trabalhadores(as), como vimos anunciando há meses. O golpe é pela reversão dos avanços conquistados desde a Constituição de 88 e aprofundados nos últimos 12 anos, e pelo restabelecimento da lógica da mercantilização de direitos e da organização do Estado neoliberal com elementos fascistas, patriarcais e racistas.

Por isso é imprescindível impor uma derrota acachapante ao Projeto de Lei da Mordaça. Em defesa da democracia, dos direitos sociais, e da soberania do povo brasileiro. Afinal, os Projetos de Lei oriundos da ONG “Escola Sem Partido” têm mesmo a cara do segmento que os concebeu: além de colonialista, subserviente, escravocrata e intolerante; é ignorante.

* Gabriel Magno, Iolanda Rocha, Ruth Brochado e Hamilton Caiana são diretores do Sinpro-DF; Henrique Torres é dirigente da CUT-DF; Alessandra Terribili é jornalista e assessora política do Sinpro-DF.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Epa Baba

É tempo de homens e mulheres partidos
Nem leis, nem lírios
Tempo de seguirmos cabisbaixos
Ensimesmados
Ignorantes e ignorados
Com medo ou com ódio
E vice-versa

É difícil, mas eu não me rendo
Porque Oxalá me ajuda
Porque Oxalá me chama:
Nenhuma chama vai queimar
Nossa história
Nem a memória
Do que ainda vamos criar

Não adianta incendiar
Sou herdeira de um povo que não morre nunca.


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Salve o Almirante Negro!

Sempre que canto O Mestre-Sala dos Mares mencionando o ALMIRANTE NEGRO, alguém vem me "corrigir": é navegante, não almirante. Respondo que não, que é Almirante Negro, João Cândido, líder da Revolta da Chibata em 1910. Foi a ditadura militar que tentou descaracterizar nosso herói na letra da linda música de João Bosco e Aldir Blanc.

Nestes dias, encontrei a letra original inteira. Há muito mais versos censurados pela ditadura. Com grande felicidade, pude encontrar esta gravação da Elis no México, onde ela pôde saudar devidamente o Dragão do Mar (herói cearense do combate à escravidão) e João Cândido:


Se a ditadura militar matou tantos dos nossos e tentou apagar nossa história, nós estamos vivos, atentos e preservaremos com orgulho e amor nossa memória e todas as lutas inglórias. João Cândido não ficará marcado apenas nas pedras pisadas no cais.

De hoje em diante, só canto a letra original.

O Mestre Sala dos Mares*
(João Bosco / Aldir Blanc)

*Letra original sem censura

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O Dragão do Mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu

Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava não

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais

Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

The songs of freedom

Bob foi voz e mente de uma bandeira que eu pretendo carregar para sempre através do samba e da luta política. Bob significou e deu significados à música que se faz nas regiões mais oprimidas do mundo. A música também é internacionalista, a arte é um instrumento de libertação.

Hoje ele completaria 70 anos, e eu o homenageio com uma das músicas mais bonitas que conheço, esta abaixo, dele mesmo. Bob Marley, eternamente presente. Não, eles não vão matar nossos profetas.

"Emancipate yourself from mental slavery,
None but ourselves can free our minds.
Have no fear for atomic energy,
'Cause none of them can stop the time.
How long shall they kill our prophets,
While we stand aside and look?
Some say it's just a part of it,
We've got to fulfill the book"

Won't you help to sing these songs of freedom?




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Trinta e um anos sem CLARA NUNES

Eu não sabia que era hoje, Clara. Não lembrava, sei lá. Prefiro guardar a data do seu nascimento, em 12 de agosto de 1942.

Eu não sei quem eu sou sem você, mesmo nunca a tendo visto em vida. Mesmo sabendo que me apareceste como um fantasma do bem, me mostrando o samba, me dando um jeito feminino de cantar forte. E como disse o nosso amigo João, tirando a preta do cerrado, pondo rei Congo no Congado...

Lembro como ontem ouvir "O Mar Serenou", uma década atrás, e pensar... Tem espaço pra ser mulher nessa história de samba. Lembro que, minutos após te ouvir, fui à beira do mar testar se eu poderia ser sereia. E graças a você, eu soube que eu sou sim, sereia.

E cada vez que o vento vem, eu peço que me traga um pouco de você... Se não sua voz, então, que me traga o que você faria, porque nada foi fácil pra você, como não é pro povo brasileiro. Mas você é guerreira, como as mulheres brasileiras são. Você sempre foi.

E, Clara, você foi Clara. Clara ficou espalhada como se tivesse sido cinzas que teu vento levou pra onde quis. Há você em cada canto deste país, onde se canta samba, onde se celebra nossa história... Tua voz ecoa que nem grito que lançaste pra demarcar justamente isso: a nossa história, que cavaste suave pra fazer brotar onde tinha que ser. Eu fui. Eu sou.



Clara, querias tanto ter filhos... Isso nunca lhe aconteceu pela biologia. Mas Clara, minha Clara, linda do meu coração: tiveste muitos filhos e filhas por este Brasil. Estamos aqui, sem seu sobrenome, pra reproduzir teu legado. Porque, para nós, é uma honra continuar.

Não tem um dia em que eu não pense... Como seria tudo isto se você estivesse aqui? Mas tu não és tristeza, nem frustração... Tu és a força da nossa bravura, tu és a beleza da nossa cultura, tu és a voz que vive pulsante em cada mulher, em cada sambista, em cada musicista... Para a gente fazer nossa cultura ser eterna, ser reinante sobre tudo... Como és tu, filha da rainha dos ventos, que, nos meus sonhos, está sempre em cada sopro de ar que vem na minha direção.

Obrigada por ter me levado ao lugar de onde eu vou contribuir mais pro mundo ser melhor. E se o mundo me diz não, meu sim vem de ti. Porque você vive sempre com a gente. E a gente fica a lembrar, vendo o céu clarear, na esperança de vê-la...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Quando negar o preconceito vira o ato mais preconceituoso

Milito há modestos 12 anos. E desde o começo, continua me intrigando a necessidade que algumas pessoas têm – militantes, às vezes – de negar a existência de preconceito e discriminação. Intriga-me e incomoda um bocado.

Normalmente, são homens, brancos, heterossexuais, de classe média. Do alto de seu pertencimento ao padrão “acima de qualquer suspeita”, vêm esses arvorar-se o direito de, da arquibancada, analisar e julgar o que pode e o que não pode ser considerado um ato de preconceito, ou uma expressão da dominação que se estabelece sim entre homens e mulheres, entre negros(as) e brancos(as). Simplesmente abominável.

Abominável porque também isso é preconceito. “Ah, não exagera, vai”; ou “Você está nervosa, por isso está amplificando as coisas”; no mínimo – isso pra não chegar num “Não seja histérica, xiita, ou coisa que o valha” – é corroborar e legitimar a opressão. Porque quem não sofre o preconceito na pele não deve desqualificá-lo classificando-o como “exagero” ou “histeria”. Isso é julgar que a pessoa que sofreu o preconceito é “fraca” e se fosse “forte” encararia a situação com tranquilidade. Ou seja: além de ser uma pessoa de segunda categoria – porque é isso que o preconceito afirma –, ainda é desequilibrada(o).

Discriminação, preconceito, opressão, discriminação não devem ser tratados com tranquilidade ou naturalidade. Muito menos com imparcialidade! Desequilíbrio não é reconhecer e se queixar. Desequilíbrio é não se indignar com o mundo desequilibrado – uns valem mais que outros.

Ou então, quem nega tão veemente as expressões do machismo ou do racismo que há por aí, pode ser porque se enxerga na reprodução desses valores de desigualdade... sim, porque não pensem que os homens, os brancos não se beneficiam da opressão das mulheres e dos negros. Beneficiam-se sim, e, muitas vezes, é difícil abrir mão da posição de “alto da pirâmide”...

Por isso, espero que as mulheres, os negros e as negras, os(as) homossexuais, e todos os que são historicamente excluídos, marginalizados, não se envergonhem de apontar o preconceito e queixar-se sim. Não para as paredes: Pro autor. Pra Justiça. Pro mundo ouvir.

Por que este ataque histérico?

Duas situações motivaram-me esta breve reflexão. Pedro Bial – sempre ele –, ao dirigir-se ao único negro selecionado para o lastimável BBB indagou: “Racismo é acusação grave, você acha mesmo que sofreu preconceito?”. As palavras não foram exatamente essas. Mas após uma série de “indicações”, por parte do participante eliminado, de que era, ali dentro, tratado com desigualdade, o tom do apresentador foi de “está exagerando, está se autovitimizando”, e, no limite, um julgamento de que aquela seria uma forma de autopromoção. Um nojo.

Outra. No blog da deputada federal Manuela D’Ávila, quando ela fala do machismo embutido na “análise” de FHC acerca da candidatura de Dilma Rousseff, comentários de leitores marcam a posição de que “não, não é preconceito, veja bem, é política”.

A política mal-feita apropria-se sim do machismo para desqualificar uma candidata mulher. É sutil, às vezes, mas espera-se que quem tem antena ligada perceba com mais facilidade e menos máscara. Não precisa ser tão atento assim pra perceber que o tratamento dispensado a Dilma é diferente do dispensado a Serra. Não por política. Não só por manutenção ou não do projeto representado por Lula. Mas porque, às mulheres, é dispensada uma forma particular de desqualificação. E isso é SIM machismo. Ofendam-se ou não.

Já viram “O Diabo Veste Prada”? A garota diz: “Dizem que ela é um monstro; mas se fosse um homem, diriam que ele só está cumprindo seu papel”.

Daí vem o discurso... “estão se autovitimizando”... “estão, de maneira oportunista, aproveitando-se da situação”. Como se as pessoas gostassem de se “autovitimizar”! Como se fosse agradável, confortável, ser vítima! Como se o natural fosse exatamente aceitar o papel de vítima que séculos de exploração sustentam! Dirão: sim, afinal, as vítimas conquistam a misericórdia das pessoas...

Nós não queremos misericórdia. Queremos igualdade. Nem mais, nem menos.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O racismo cordial do PMDB

Uma das vinhetas veiculadas pelo PMDB-RS na noite desta segunda-feira, 7 de dezembro, afirmava que "o povo que não tem virtudes se torna escravo". A frase é retirada do hino do Rio Grande do Sul. A estrofe completa diz: "Mas não basta pra ser livre / Ser forte, aguerrido e bravo / Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo". Acontece que, isolada de seu contexto, a frase escolhida pelo partido de Fogaça e Rigotto permite uma interpretação indesejável. Cabe a reflexão.

De que virtudes estamos falando? E quem escraviza?

Nosso país escravizou os negros africanos por mais de três séculos, não porque lhes faltasse virtude. Faltava virtude aos europeus, à Igreja Católica (que legitimava a ação). Faltava virtude ao capitalismo que se desenhava, ao colonialismo que se impunha à América. Falta virtude a quem escraviza.

Quantos índios não foram feitos escravos entre os séculos XVI e XVII pela América Latina? E ainda hoje dizem que se buscaram os negros porque índio era "preguiçoso"... vai ver lhe faltava a virtude de ser disponível à escravização.

O melhor instrumento que há, contra essa cabível "interpretação" da frase em questão, é conhecer a história do nosso povo, a história da luta do nosso povo por liberdade e contra a exploração e a opressão. A história de 500 anos de resistência. É aí que reside a virtude. E convenhamos que o PMDB não tem tanto a ver com essa história.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Democracia? Racial? No Brasil? No futebol?

Um bom texto do meu amigo Bernardo Cotrim sobre um assunto que deveria ter muito mais espaço do que tem tido na nossa democrática mídia brasileira. O racismo que inunda os campos de futebol do Brasil e do mundo, e que segue sendo, infelizmente, muito atual. Me lembrou o glorioso Graffiti, ex-São Paulo, cuja polêmica teve um desfecho mais razoável. Boa leitura.


O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
(Bernardo Cotrim)

Na noite da última quarta-feira, jogaram Cruzeiro e Grêmio, pelas semifinais da Copa Libertadores da América. O que tinha tudo para ser mais uma noite de futebol na TV ganhou contornos dramáticos: ainda no primeiro tempo, uma confusão envolvendo o argentino Maxi Lopes, do Grêmio, e os brasileiros Elicarlos e Wagner, do Cruzeiro, teve seu desfecho após o jogo, numa delegacia de polícia.

Vendo as imagens, fica claro que Maxi Lopes falou alguma coisa que ofendeu profundamente os dois jogadores do Cruzeiro. Após o jogo, Elicarlos revelou a ofensa e registrou queixa na delegacia do Mineirão. Segundo o volante brasileiro, que é negro, o atacante gremista o chamou de macaco.

Não é a primeira vez que uma confusão nos gramados envolve manifestações de racismo. No passado recente, casos como o da torcida organizada fascista da Lazio, time de Mussolini, imitando sons de macacos cada vez que um dos brasileiros negros da rival Roma tocava na bola, ou do camaronês Eto’o, do Barcelona, que ameaçou abandonar o campo durante uma partida do campeonato espanhol devido aos insultos racistas da torcida adversária, ganharam grande repercussão pública e motivaram uma campanha internacional da Fifa contra o racismo no futebol.

A novidade, neste caso, foi o comportamento da imprensa esportiva brasileira. Em uníssono, todas as resenhas do dia seguinte reprovaram o comportamento do jogador cruzeirense, responsabilizando-o por criar um “clima de guerra” para o próximo confronto entre as duas equipes, justificando que o ambiente de um jogo de futebol “é assim mesmo”, e que muitas ofensas acontecem durante a partida, e que Elicarlos não deveria trazer para fora do gramado os problemas que lá acontecem.

Confesso que fiquei escandalizado. O que seria, para o jogador ofendido, uma solução dentro do gramado? Engolir a humilhação, baixar a cabeça e aceitar como “parte do jogo” que um adversário cometa um crime? Agredi-lo fisicamente, colocando em risco sua permanência dentro da partida e prejudicando a própria equipe? Responder ao racismo com xenofobia, igualando-se ao agressor?

É trágico como a mesma imprensa brasileira que propaga que o racismo no Brasil não existe é a mesma a fechar os olhos diante da ação covarde e criminosa sofrida pelo jogador brasileiro. O que têm a dizer os detratores das ações afirmativas neste caso? Também me impressiona a semelhança entre o argumento de que “os problemas do jogo devem ser resolvidos no próprio jogo” com o velho ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” – sempre invocado para negar solidariedade às mulheres vítimas de violência doméstica.

É preciso reafirmar a mais ampla solidariedade ao volante Elicarlos. Se cada jogador vítima de racismo tiver a coragem do brasileiro e enfrentar o problema de frente, maiores serão as chances de combatermos preconceitos vis, que não devem ter espaço nem nos gramados, nem em lugar algum.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

UNE realiza encontro nacional de estudantes negros(as) e cotistas

Enviado pelo diretor de combate ao racismo da UNE, Miguel Cruz Carvalho.

Um espaço privilegiado de debate e convergência sobre os impactos da adoção de Políticas de Ações Afirmativas para a população afrodescendente no ensino superior brasileiro. Assim pode ser definido o Encontro Nacional de Estudantes Negros, Negras e Cotistas da UNE, que reunirá jovens de diversas regiões do país durante os dias 05 e 07 de junho na Faculdade de Arquitetura da UFBA em Salvador.

O ENUNE 2009 terá mesas de debate, palestras, oficinas e atividades culturais para tratar de temas como Reserva de vagas, cotas, permanência, descolonização do conhecimento, entre outros. O Movimento Estudantil tem como responsabilidade pautar na agenda política brasileira esta que é talvez a mais antiga e grave nuance da questão social do Brasil – o racismo. As ações de combate ao racismo precisam ser acompanhadas de uma série de outras medidas universalizantes para reformarem a educação secundária e universitária.

Colocar o debate racial na pauta central das discussões sobre educação é uma das tarefas de todas e todos que acreditam na transformação através de Políticas Afirmativas para um novo Brasil!

Obtenha informações sobre programação, alojamento e inscrições através do blog www.unecombateaoracismo.blogspot.com ou entre em contato através do email enune2009@gmail.com.

Faça a sua inscrição Online no www.unecombateaoracismo.blogspot.com. Informações em: (71) 87481498 e (71) 92843074.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Você não samba, mas tem que aplaudir!"

Nestes últimos dias fiquei sabendo de duas histórias lamentáveis envolvendo duas grandes figuras da atual geração do samba carioca.

Zeca Pagodinho vai tocar no “Paulistano”, clube da elite elitíssima abastada e bem-resolvida e auto-suficiente paulistana. Dos Jardins. Não vem ao caso entender por que ele vai lá. Mas dizem que há uma semi-revolta por parte de alguns sócios do clube, que se comunicaram com a direção do mesmo registrando sua opinião de que é um absurdo e de que é descabido receberem o samba de Zeca Pagodinho.

Ele, por sua vez, diz que foi convidado, não se ofereceu, e, portanto, não vai falar sobre a polêmica.

Dudu Nobre foi vítima de racismo dos brabos num vôo de volta dos States. Dois comissários de bordo, pelo que entendi, desrespeitaram profundamente o sambista e sua companheira. Desrespeito desses que não dá pra deixar passar em branco, ou afogar numa cerveja gelada. Desrespeito desses que é com um de nós, e aí, é com todos nós mesmo.

Emblemático do que acontece quando alguém “de fora” adentra o olimpo dos “de dentro”. E tem gente que pensa que não existe ódio de classe. Ou que não existe preconceito, ou que existe pouco. Quem sofre a discriminação sabe o que é isso. E a discriminação dos negros e das negras é racismo, é crime, e tem tudo a ver com ódio de classe também.

E os negros e as negras têm tudo a ver com o nosso samba. Samba tem história, a história do povo. Remete aos que foram escravizados pelos europeus durante mais de 3 séculos. Remete à resistência. Parece alegre, mas muitas vezes é triste. “O samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”, como disse Vinícius de Moraes. É com essa raiz que o samba vai pros espaços que não são dele, mas que, hoje, são obrigados a aceitá-lo. É com toda essa bagagem cultural que o samba conta a história do povo brasileiro, faz a crônica do seu cotidiano, reivindica a cultura popular, chora seus amores malfadados, celebra os amigos e a vida, e também bons amores, como não!

Não é a história dos capatazes que ele conta. O samba é dos morros do Rio, é das quebradas de São Paulo, é dos subúrbios da Bahia. É de qualquer lugar do Brasil, de qualquer esquina e qualquer botequim, onde poetas e músicos fazem samba como quem celebra. É por isso que nem todo mundo precisa aceitar o samba. E o samba também não quer aceitar todo mundo. Ninguém faz samba só porque prefere...

Mas mesmo assim, com todos os contrapontos, contratempos, contrabaixos que possa haver, com todas as discriminações, preconceitos, desigualdades, opressões, o samba é o hino de muita gente bamba. Talvez incomode os sócios do “Paulistano”. Problema deles.


***
Ninguém ouviu um soluçar de dor num canto do Brasil. Talvez amanhã possam ouvir. Eu desejaria que em cada canto desse país ecoasse o canto de negros e negras que comemoram a sua luta por liberdade, por igualdade e pelo fim das amarras da opressão e da exploração. E que esse canto ecoe noite e dia, ensurdecedor...

Esse canto devia ser um canto de alegria, mas soa como um soluçar de dor. Séculos de dor e de luta. Um brinde - com um bom samba! - à luta dos negros e negras deste país. 20 de novembro é Consciência Negra.