sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Intolerável

Não existem palavras que definam o que foi o comportamento daquele monte de trogloditas estudantes da Uniban São Bernardo.

A história da menina vestida “com pouca roupa”, que praticamente foi atacada pelos colegas, agredida, perseguida, assediada, humilhada, é de chorar. Que tipo de gente promove um tumulto com o objetivo de violentar alguém? Que tipo de gente faz isso como quem vai à esquina comprar cigarros?

A confusão foi tamanha que a polícia foi acionada. A estudante só conseguiu sair da faculdade enrolada num jaleco e escoltada, e ainda assim, sob vaias e xingamentos. Não vi o famigerado vídeo no YouTube, não tenho estômago pra isso. Imaginar a cena já me faz passar suficientemente mal. Mas há quem tenha estômago de aço pra essas coisas, e esses fotografaram e fizeram vídeos pelo celular da cena bizarra que a Uniban presenciava.

Não há nada que justifique isso, nada. Nenhuma história anterior, nenhum contexto de conflito – que não parece haver. “Agiram mal, mas ela provocou”, li em alguns depoimentos de colegas. E certamente é o que muitos pensaram.

O que dizer de um torcedor do Palmeiras, vestido a caráter, que é agredido violentamente por torcedores do Corínthians? Que ele provocou??? A animalidade que algumas pessoas podem assumir, a possibilidade de o insano acontecer, não é motivo para atribuir à vítima o papel de cúmplice da violência que ela mesma sofreu. O normal não é isso. Nosso paradigma tem que ser o da normalidade, o das pessoas que convivem socialmente, e não o de animais incapazes de ter discernimento ou de ter a razão prevalecendo ao instinto.

Não me importa que roupa a moça vestia. Importa que ela foi duramente violentada, e isso não podemos tolerar.

Deveria importar para os julgadores de plantão que o que mais se vê neste mundo de comunicação globalizada e instantânea é milhares de listas de mulheres mais sexy, mais desejadas, mais bem-sucedidas por terem seu corpo “em forma”. As mulheres mais festejadas pela mídia são as que cumprem padrões estéticos, não éticos, profissionais, políticos ou morais. As que são expostas como referências para as meninas são as que são desejadas, as que vestem pouca roupa, as que deixam marmanjos babando pela sua sensualidade, exaustivamente explorada por tudo que é revista masculina, feminina, canal de TV privado ou não. Todas as meninas querem ser bem-sucedidas, aceitas. Pra isso, ensinaram-lhes que devem ser desejadas. Devem ter belos corpos e expô-los.

Não quero fazer um debate determinista sobre o que levou a garota a se vestir de forma x, y ou z. Muito menos pretendo justificar a ação de lado a lado a partir daí. Mas questionemos, portanto, qual a ética e qual a moral de um mundo que apresenta esse caminho para as mulheres, o de serem objetos a serem expostos e usufruídos, como um caminho possível para "o sucesso". Quantas não fazem isso? Quantos não acompanham as “mulheres-fruta”, as globais de capa de revista masculina, etc etc etc? Quem há de julgar a estudante da Uniban, ou atirar a tal da primeira pedra? Ou atirar o mesmo que atiraram em Geni?

O que cabe julgamento é ao comportamento daqueles estudantes que a perseguiram. Isso sim. Há referência ética pra isso. Pra eles, é preciso apresentar algum desfecho. Não podemos tolerar a impunidade de um bando de trogloditas que agride assim a uma mulher.

E alguém se pergunta o que vai ser da vida dessa menina agora? Se ela vai continuar estudando, se vai ter os mesmos colegas? Incrível como os fatalmente punidos não são os criminosos em alguns casos...

***
Tem me chamado muita atenção a quantidade de casos de estupro praticados por adolescentes e contra adolescentes que se noticiam nos últimos dias. A violência não está encontrando limites.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Raul Pont, aliado das lutas das mulheres de luta

Como disse o próprio Raul, “a violência veio daqueles que rasgaram a Constituição”.

O povo gaúcho assistiu com perplexidade a reunião derradeira da comissão especial que avaliava o pedido de impeachment contra Yeda Crusius, governadora do Rio Grande do Sul. Mesmo sabendo que a opinião dos gaúchos e gaúchas era pelo impeachment da governadora, por a considerarem culpada (como atestou a última pesquisa do Ibope), a conclusão orquestrada pela maioria governista na comissão e lido em reunião pela relatora e então presidenta estadual do PSDB, Zilá Breitenbach, foi pela absolvição da governadora.

Assim como ao longo de todo o processo de denúncias, tentativas de investigação (sempre sabotadas pelo governo e pela base governista na Assembleia Legislativa), naquela reunião, mais uma vez, os deputados aliados manobraram para impedir questionamentos da ordem do mérito e do método que ali estava colocado - ou melhor, imposto. E independentemente do que a oposição argumentava, o relatório seguia sendo lido pela deputada tucana, e a sessão era mantida com mãos de ferro pelo deputado Pedro Westphalen (PP), presidente da comissão. O alvoroço entre deputados do governo e da oposição, incrementado pela manifestação popular que tomava conta da A.L. e pelos correligionários da governadora tornou-se inevitável.

Um dos desdobramentos daquela triste tarde de 8 de outubro foi a acusação descabida que Zilá Breitenbach aplicou a Raul Pont. Indignadas, quase 300 mulheres de várias regiões do Rio Grande do Sul e de fora dele, militantes dos movimentos de mulheres e de diversos movimentos sociais, educadoras, sindicalistas, psicólogas, advogadas, médicas, jornalistas, estudantes, escreveram para o gabinete do deputado perguntando: ninguém vai fazer nada? Queriam manifestar seu apoio ao deputado Raul Pont por sua história reconhecidamente solidária à luta das mulheres.

Leia a nota apresentada por essas mulheres em apoio ao deputado Raul Pont, em defesa de sua trajetória de proximidade com o feminismo e de sua luta em defesa dos direitos humanos.

Raul Pont, um aliado das lutas das mulheres

Ao escrever, em sua Pagu, que "nem toda feiticeira é corcunda", Rita Lee lançou um apelo implícito: por favor, não nos generalizem pela simples condição feminina. Muito antes da cantora e compositora brasileira, a filósosa francesa Simone de Beauvoir concluía: "não se nasce mulher, torna-se mulher".

Com a ascensão do movimento feminista, uma nova palavra de ordem incorporou-se à luta pela igualdade: "não basta ser mulher". Era um posicionamento demarcador do propalado "feminismo da diferença" e que entendia o movimento feminista não como contrário aos homens, mas como um apelo para que homens e mulheres caminhassem lado a lado, construindo a igualdade de condições e oportunidades.

Esse chamado vem conquistando homens e mulheres através dos séculos, contabilizando incontáveis avanços das mulheres nas mais diferentes esferas de atuação. Nós, que fazemos parte dessa história, reconhecemos no deputado estadual Raul Pont um aliado da nossa luta.

Raul Pont, um militante dos direitos humanos e das liberdades políticas, ainda estudante universitário enfrentou a ditadura militar. Foi preso e torturado e conhece muito bem as marcas que a violência deixa e que o tempo não apaga.

Enquanto parlamentar e prefeito esteve sempre atento às reivindicações dos movimentos de mulheres, presente em nossos atos e defendendo a eqüidade de participação das mulheres nas mais diversas esferas. Os avanços das políticas públicas para as mulheres em Porto Alegre passaram por sua administração. A busca de mais recursos no orçamento do Estado, conta com sua voz na defesa permanente.

Ao contrário de Raul Pont, a deputada Zilá, do PSDB, votou contra emendas importantes que ampliavam recursos para as mulheres no orçamento público. Além disso, sua figura é ausente nas atividades e debates promovidos pelos movimentos de mulheres.

Assim, não podemos aceitar caladas à tentativa de vitimização da parlamentar. Que a deputada se sinta agredida pelo gesto de baixar o microfone quando a sessão estava interrompida é um sentimento seu – pessoal. Não é - e nem seria em hipótese alguma - uma agressão "a todas mulheres gaúchas" como, de maneira pretensiosa, declarou Zilá. Ela está muito longe de representar todas as mulheres gaúchas. Ela não representa sequer todas as parlamentares do Legislativo Gaúcho.

Na defesa da história militante de Raul Pont.

No reconhecimento à sua presença na luta das mulheres.

Na convicção de que a verdade é revolucionária.

Repudiamos todas as tentativas de transformar o deputado Raul Pont no desvio de foco da CPI.

Porque a calúnia pode ser uma violência maior. Ela não fere a carne, mas atinge a honra.

***
Eu, particularmente, tenho nojo desse povo que instrumentaliza a luta das mulheres para finalidades tão espúrias quanto esta da deputada Zilá. É gente que tem por hábito desqualificar o feminismo, desdenhar das demandas das mulheres, mas que adora usar como pauta em momentos de puro oportunismo!
O Raul mais do que merece a mobilização feminista em sua defesa. A gente o conhece bem.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Transição, trânsito e transitoriedade

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, aquieta e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem". (Guimarães Rosa)

O jornalista e escritor gaúcho Fabrício Carpinejar tem uma ótima crônica sobre a ansiedade. Dizia ele: “Sou ansioso, minha sensibilidade parece que está de plantão. (...) Sou ansioso porque espero a vida com urgência”*.

Imagine, então, o que é ser ansioso diante de uma famigerada “fase de transição”, aquela famosa e infinita ligação entre um ponto e outro. O “um ponto” você está deixando. O “outro” é aonde você quer chegar. Ou melhor, aonde você vai chegar, isso é certo. Por isso, inclusive, é que a ansiedade fica desperta e saltitante: já que você vai chegar, que seja logo.

Vejamos, é como se fosse o trânsito de uma grande cidade. Melhor: o trânsito de uma cidade grande que você ainda não conhece bem. Você sai de casa e vai pro trabalho. Vamos supor que é um trajeto longo, ou então, que é “horário de rush”. Você sabe bem aonde vai, a ansiedade não é produto de um destino desconhecido. Mas a demora para chegar é incômoda, porque, inclusive, é inestimável. E incontrolável. Dependendo do fluxo de automóveis ou da vontade dos deuses, você pode demorar 40 minutos ou 2 horas.

Começa a demorar mais do que o previsto. Pode ter sido um semáforo enguiçado, um acidente de trânsito, obras na pista, qualquer coisa. Pode até ser que você tenha pegado o caminho errado, na ânsia de se antecipar. Daí vem a angústia, o mau humor, o estresse, o medo do erro... até uma insegurança de não chegar.

Quem conhece o caminho não tem medo de errar, nem de perder a hora. Mas no nosso caso hipotético aqui, o caminho não é familiar. Você sempre pode se perder. Ou estimar mal o tempo que leva. Ou desconhecer as melhores rotas. Ou se surpreender com frequentes contratempos que não abatem os que já passaram por ali. Enfim: quem não conhece o caminho que leva ao ponto aonde se quer chegar sofre mais de ansiedade e de todos os males que dela decorrem.

Acontece que aqueles que não têm esse problema já tiveram, pelo menos, uma vez. Todo caminho é desconhecido pra quem nunca passou por lá, ué. Mas depois de passar, por mais longo, esburacado ou escuro que seja, você já conhece. Pode desviar dos buracos, levar uma lanterna. Pode sair de casa com o tempo calculado.

Veja que não estamos falando, aqui, de um destino desconhecido – e isso é importante. Porque quem não sabe aonde vai chegar, ou não quer saber, ou ainda está descobrindo, tem outro tipo de problema de que não falaremos aqui...

É assim na vida. O que você nunca enfrentou antes te amedronta. A ansiedade parece que devora o corpo e a alma. Quer que o tempo passe logo, quer dormir e acordar quando tudo estiver pronto. Quer que o caminho seja mais rápido do que você mesmo. Pra não sentir o caminho...

Não tem outro remédio, se não, paciência. Confiança. Claro que precaução também nunca é demais. E confiança não pode ser em excesso... não tem jeito, o caminho está lá e você tem que cumpri-lo. Não há teletransporte. Você pode tornar o caminho mais ou menos árduo na medida em que controla ou não sua ansiedade, seu mau humor, sua insegurança. Fácil não é. Mas é melhor facilitar.

Levar uma boa música pra ouvir, um bom livro para ler. Levar coisas boas na lembrança do “um ponto”, levar expectativas boas do que vai encontrar no “outro”. Assim, a ansiedade de quem espera a vida com urgência fica mais suportável...

* “Ansiedade” é uma crônica de Carpinejar que pode ser lida em Canalha!, dele, publicado pela Editora Bertrand Brasil.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A intolerância machista contra as mulheres

“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
(Clarice Lispector)


O artigo escrito por Carlos Alberto Di Franco para O Estado de São Paulo não chega a surpreender. Quem conhece a trajetória do ilibado professor, sabe da sua profunda identificação com setores mais reacionários e ortodoxos da Igreja Católica.

O Partido dos Trabalhadores é produto da luta democrática, do desejo de homens e mulheres de construir justiça e igualdade. A união de movimentos sociais da cidade e do campo, do novo sindicalismo que surgia, a intelectualidade e a Igreja progressista construiu o PT a partir de experiências da luta concreta do povo brasileiro em sua pluralidade. Dessa forma, é evidente o compromisso histórico do PT com sua democracia interna, bem como a presença valiosa de companheiras e companheiros referenciados na Igreja, notadamente, na Teologia da Libertação.

Os deputados Luís Bassuma e Henrique Afonso, respectivamente, espírita e evangélico, se desfiliaram do PT afirmando que foram “vítimas” de intolerância religiosa. Ora, vejamos. Há muitos espíritas e muitos evangélicos, das mais diversas matizes, entre nós. Há católicos, há presbiterianos, há judeus. Há candomblecistas, umbandistas, anglicanos. Há ateus. Nossa tradição democrática, a mesma que contribuiu com a incipiente democracia brasileira, nos ensina que nenhuma crença deve se impor sobre a outra. Nenhuma é exclusiva no grau de verdade que carrega. Nenhuma pode ser discriminada. Daí, a compreensão nítida de que o Estado é laico. O Estado não pode se orientar por uma ou outra religião, nem pela negação delas, sob pena de incorrer em erros que a humanidade já assistiu muitas vezes.

A ética da política

Dessa forma, quem praticou a chamada intolerância religiosa foram exatamente os dois parlamentares. Foram intolerantes com quem não compartilha de suas crenças – essas sim, de ordem individual. Foram intolerantes com o feminismo, segmento que esteve desde o princípio na construção do PT, e muito disputou até que suas concepções se tornassem um eixo político do partido, parte de seu programa e de suas políticas. Foram intolerantes com a democracia partidária, que define as resoluções e encaminhamentos do partido.

No bojo da discussão da reforma política, está a premissa de que os partidos políticos devem ser fortalecidos diante da atuação individual – porque isso inibe a corrupção e politiza a relação com o eleitorado. Também com base nessa concepção, os mandatos parlamentares são instrumentos do partido de defesa de suas bandeiras, seus princípios, suas opiniões e suas propostas.

É surrealismo imaginar que um mandato parlamentar do PT possa ser usado como instrumento de uma batalha contra uma posição importante do próprio PT. Luís Bassuma e Henrique Afonso não apenas votaram contra orientação partidária. Eles se colocaram como expoentes principais contra uma posição do PT, publicamente, e se utilizando do mandato que lhes foi garantido com votos depositados no partido. A punição a eles determinada pelo Diretório Nacional era o mínimo que se esperava de um partido que se leva a sério.

A base do reacionarismo

Em seu artigo, o professor Di Franco afirma que sua opinião quanto ao aborto tem base, para além da religiosa, filosófica e científica. Pura verborragia. Podemos desafiá-lo a apresentar conceitos da Filosofia ou mesmo conclusões da Ciência que apontem o que ele busca justificar. A Ciência e a Filosofia não estão à disposição de comprovar que se justificam as milhares de mortes de mulheres, todos os anos – em sua maioria, pobres e negras –, em prol de uma dita “defesa da vida”. Não é fato que a vida se inicia na concepção. É mentira que as mulheres são “hospedeiras” de seres humanos autônomos. É mentira que os embriões são organismos completos. Falácias jogadas aos quatro ventos para defender opiniões retrógradas que, entre suas conseqüências, alienam os corpos e as vidas das mulheres, tratando-as como “hospedeiras”, determinando que seu destino, queiram ou não, é a maternidade, e que elas nem sequer podem escolher em que momento querem e podem ser mães.

Esse tipo de raciocínio defendido pelo professor Di Franco é o mesmo que, levado ao extremo, legitimou barbáries na história da humanidade, nas quais sempre o mesmo setor da Igreja esteve envolvido. E como todo propagador desse tipo de idéia, ele usa de argumentos falaciosos com vistas a rotular seu “adversário”.

É, no mínimo, lamentável que um jornalista doutor em Comunicação promova uma infeliz comparação entre legalização do aborto e “eliminação de doentes”. É lamentável porque é manipulação de discurso, e não por meio da ocultação, mas sim, por induzir seu leitor ao erro propositadamente, com o objetivo de desqualificar o interlocutor a princípio.

As mulheres defendem a legalização do aborto há décadas, e já não sofrem o isolamento que o professor nos imputa. Países reconhecidamente conservadores como Portugal e México fizeram o debate e promoveram a regulamentação. Praticamente todos os países ditos “desenvolvidos” têm a prática de aborto regulamentada em seus territórios, o que fez diminuir as mortes de mulheres e a própria prática de aborto.

Liberdade e igualdade

As mulheres não recorrem ao aborto porque querem. Elas recorrem ao aborto porque a hipocrisia de um setor da Igreja insiste em fingir que elas não existem. Porque condena o uso de preservativos. Porque reforça o mesmo machismo que violenta mulheres e que as abandona, muitas vezes, ao enfrentar uma gravidez indesejada.
As mulheres recorrem ao aborto porque não têm saída. Legalizar o aborto é uma forma de incluir essas mulheres. De acabar com a hipocrisia que garante apenas às que podem pagar o acesso a uma clínica clandestina. De prevenir tantas mortes e tantas seqüelas. De apresentar um programa completo, com planejamento familiar e universalização de acesso a métodos anticoncepcionais. Legalizar o aborto é parar de fingir que o problema não existe.

Causa muito incômodo a alguns que as mulheres lutem por sua liberdade e por sua autonomia. Essa luta está no combate à violência sexista, na busca de igualdade no mercado de trabalho, pela socialização do trabalho doméstico, contra a mercantilização do corpo das mulheres. Em todos esses momentos, a luta das mulheres enfrenta a intolerância, mas nunca se retraiu por isso. E foi isso que fez a humanidade caminhar no sentido da igualdade, embora ainda haja um longo caminho a percorrer.

De nossa parte, feministas, nos conforta saber que o discurso que o professor Di Franco representa é de um setor, não de um amplo setor, como ele quer fazer parecer. Muitos companheiros e companheiras da Igreja estão conosco nessa luta.
Liberdade de expressão nós, feministas e petistas, conhecemos bem. Nós ajudamos a construir o conceito. Nunca estivemos do outro lado.

Alessandra Terribili, integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT e militante da Marcha Mundial das Mulheres

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Setembro foi de luta para as mulheres

Não é porque o mês de setembro acabou há alguns dias que se torna sem razão falar sobre as lutas e vitórias das mulheres que marcaram o mês.

O mês de setembro marcou uma importante vitória das mulheres petistas. Na reunião do Diretório Nacional (DN) dos dias 17 e 18, a comissão de ética do partido apresentou seu parecer sobre o processo movido pela Secretaria Nacional de Mulheres contra os deputados federais Henrique Afonso (AC) e Luís Bassuma (BA).

As mulheres petistas, com base nos estatutos do partido e nas resoluções do seu III Congresso – entre as quais a que define pela defesa da descriminalização do aborto e a sua regulamentação no serviço público de saúde –, argumentaram que os dois parlamentares não apenas não seguem a opinião partidária como organizam opinião contrária a ela. Essa postura fica evidente em declarações de ambos à imprensa, sua participação em ações públicas contra a legalização do aborto e em inúmeros projetos de lei apresentados por eles. Bassuma chega ao ponto de presidir a “Frente Nacional Em Defesa da Vida”, espaço em que se organizam aqueles que buscam restringir ainda mais a autonomia das mulheres e seu direito ao seu próprio corpo.

O resultado da reunião foi punição. Noventa dias de suspensão para Afonso, um ano para Bassuma. Trata-se de uma ocasião significativa, em que o partido, mais uma vez, tomou para si a luta das feministas brasileiras, em defesa da vida, da saúde, da autonomia daquelas que são criminalizadas por interromper uma gravidez indesejada. Mais do que se solidarizar com as mulheres, o PT reafirmou que essas que o constroem há quase 30 anos fazem parte da sua história, da sua compreensão do mundo e da sua elaboração programática. Não é uma luta das mulheres petistas. É uma luta de todo o PT.

Henrique Afonso e Luís Bassuma se desfiliaram do partido dias depois. Classificaram a resolução do DN como “intolerância religiosa”. Ora, essa foi exatamente a prática de ambos. Intolerância com aquelas que não têm a mesma crença que eles, e têm direito de dispor livremente sobre seu corpo, de decidir livremente se querem ser mães e quando, e de ter fé ou não nos princípios religiosos que quiserem. Intolerância com as milhares de mulheres que dão entrada nos hospitais públicos brasileiros depois de tentar praticar um aborto inseguro, sem as adequadas condições, por sua própria conta. Essas são condenadas: a serem presas, a sofrerem seqüelas e até a morrer, em alguns casos.

E tudo isso no mês de setembro. No mês em que, dia 28, as mulheres da América Latina e do Caribe celebram sua luta pela legalização do aborto. Além dos atos que coloriram ruas e praças de todo o país, o 28 de setembro de 2009 foi coroado com a refirmação, por parte do Partido dos Trabalhadores, do seu compromisso com a luta das mulheres. Que esse compromisso siga orientando nosso discurso, nossa ação e nosso programa para o Brasil.

Alessandra Terribili, integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Não trabalhamos com estúpidos

Escrito por Bruno Padron, Porpeta

O treinador Hélio dos Anjos, do Goiás, soltou mais uma de suas "pérolas" em entrevista coletiva. Afirmou que não trabalhava com homossexuais ao ser perguntado sobre um suposto ciúme do elenco com relação à contratação de Fernandão. Se a homofobia fosse considerada crime, o futebol, ao menos, não reproduziria tais barbaridades.

Quando um clube anuncia uma grande contratação, daquelas de impacto, existem inúmeras decorrências da mesma. Se por um lado dirigentes e torcedores soltam fogos de artifício comemorando o feito, por outro, questões como salários pagos bem acima da média do elenco e tratamento diferenciado podem provocar crises internas entre os jogadores.

O noticiário sobre o time do Goiás vem colocando esta questão à mostra. Depois da chegada de Fernandão, após a empolgação inicial, surgiram boatos de que o grupo estava insatisfeito com a presença dele.

Principalmente porque seu salário era bastante superior ao dos outros que, até aquele momento, colocaram o Goiás entre os quatro primeiros colocados do Campeonato Brasileiro, na zona de classificação para a Libertadores. Mas também por supostos privilégios ao meia-atacante.

Fernandão não é mais um garoto. Assim como Ronaldo, no Corinthians, não pode submeter-se à mesma carga de treinamentos feita por um jovem de 22 anos de idade.

Embora se saiba que algumas estrelas do futebol, ao retornarem para campos brasileiros, inserem cláusulas em seu contrato de trabalho que lhes permitem algumas regalias, como a dispensa de alguns dias de treinamento. Será o caso?

Mas todo boato no futebol não é fruto da imaginação da imprensa. Às vezes ela aumenta, mas não inventa. A fertilidade das notícias sempre tem um dirigente ou um jogador como fonte. Em geral, tudo feito em off.

Embora muitas das notícias sejam desprovidas de averiguação, servindo apenas ao furo de reportagem, interesses eleitorais internos dos clubes ou jogadores forjando descontentamento, já de olho em alguma proposta mais interessante de outro time.

Mas quando a notícia aparece, toma conta das entrevistas e algumas respostas são exigidas pela imprensa e pelos torcedores. Daí, a depender do entrevistado, podem variar as versões ou até mesmo o tom usado sobre uma determinada versão, que pode ser previamente combinada.

Hélio dos Anjos, às vésperas de um jogo contra o Flamengo, no Serra Dourada, arranjou uma forma bastante controversa para conclamar a torcida do Goiás a comparecer ao estádio. Disse que achava uma vergonha ter goianos torcedores de times de outros estados. Gerou uma polêmica desnecessária, desrespeitando o direito individual à escolha do seu time do coração. Dito isso, mais um jogo do Flamengo no Serra Dourada com maioria rubro-negra nas arquibancadas.

Agora, ao responder sobre o suposto "ciúme" do grupo com Fernandão, Hélio afirmou que ciúme era "viadagem" e ele não trabalhava com homossexuais.

Mal sabe, ou sabe muito bem e não quer dizer, que a homossexualidade no futebol é algo mais comum do que se imagina, embora não amplamente divulgada. Ou seja, ele pode estar trabalhando ou já ter trabalhado com vários. O que o tornaria ainda um mentiroso. Além disso, já não é o único caso recente de discriminação por orientação sexual no futebol.

Até os dias de hoje, o nome do meio-campo Richarlyson, do São Paulo, não é gritado pela principal torcida organizada do clube no início dos jogos. Isso porque houve boatos, levantados por um dirigente palmeirense e negados pelo jogador, diante das ameaças dos dirigentes são-paulinos, sobre a homossexualidade do jogador. Desde então, ninguém fala mais sobre o assunto.

Pouco importa se, de fato, o jogador é ou não homossexual. Importa que o tratamento dado à questão pelo mundo do futebol é discriminatório, passando inclusive pela negação da existência "desse tipo de coisa" no futebol.

Outros, como Raí, ex-jogador do São Paulo, afirmam que a homossexualidade é freqüente no meio. Estaria mentindo? Provável que não. O que evidencia tudo que está abaixo do tapete.

Uma legislação que puna a homofobia não acabará com ela, mas pode cumprir o papel de colocar em pauta este debate, seja na sociedade como um todo, seja em meios mais hostis, como o futebol.

Algo que faria Hélio dos Anjos, ao menos, pensar duas vezes antes de falar tais bobagens. Poderia ser processado, ou até preso. Mas, com certeza, não usaria o espaço privilegiado que o futebol possui na mídia para destilar preconceitos.

Sabemos que os sexuais não são os únicos. Existe racismo, xenofobia, e todos os outros que permeiam nossa sociedade. Mas o futebol precisa dar outro exemplo, afinal os personagens da bola são referências de comportamento para muitos jovens. Hoje, infelizes referências.

Ele pediu desculpas pela declaração preconceituosa, mas as ruas provam que o limite chegou ao fim. Muita gente morre no dia-a-dia por pensamentos e atitudes estúpidas como a dele, e desculpas já não são mais suficientes.

Bruno Beneduce Padron (o Porpetta!) é bancário - e meu amigo.
E-mail: brunopadron@yahoo.com.br