terça-feira, 22 de setembro de 2009

Parece um sonho

(Mário Quintana)

"Parece um sonho que ela tenha morrido!"
diziam todos... Sua viva imagem
tinha carne!... E ouvia-se, na aragem,
passar o frêmito do seu vestido...

E era como se ela houvesse partido
e logo fosse regressar da viagem...
- até que em nosso coração dorido
a Dor cravava o seu punhal selvagem!

Mas tua imagem, nosso amor, é agora
menos dos olhos, mais do coração.
Nossa saudade te sorri: não chora...

Mais perto estás de Deus, como um anjo querido.
E ao relembrar-te a gente diz, então:
"Parece um sonho que ela tenha vivido!"

***
Porque, pra quem precisa ser forte, não é demérito algum tirar forças dos sonhos...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Mais machismo e mais homofobia no futebol

18/09/2009 - 15h07
Diego Souza responde Fabrício e avisa que não jogará como 'mocinha'
Do UOL Esporte
Em São Paulo


tsc tsc... machismo e futebol de novo... se não me engano, bem na semana em que Marta estréia pelo Santos, com a 10.

O pobre do Diego Souza nunca chegará a ser uma "mocinha" como Marta.

Outro que falou bobagem foi o técnico do Goiás, Hélio dos Anjos. "Eu não trabalho com homossexuais. Dizer que tem ciumeira é coisa de viado" - falou ele para a imprensa. Ah, se já tivéssemos aprovado a lei que criminaliza a homofobia...

Todo mundo sabe, é até chavão, que essas estrelas do futebol são modelos pra uma porção de crianças, jovens, adultos e idosos pelo país afora. Não podem falar sem pensar. Aliás, deviam pensar mais.

E eu pergunto com que roupa...

Um senhor chamado Nelcir Tessaro, vereador do PTB em Porto Alegre, resolveu propor à Câmara de Vereadores da cidade que defina de que forma os parlamentares devem se vestir para comparecer às sessões. Mais do que uma idéia brilhante produto de dias e até meses de reflexão, mais do que uma incomum generalidade, o vereador tem dois alvos: suas colegas Sofia Cavedon (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL).

Ao que tudo indica, ele se incomoda que as mulheres não se vistam em trajes “formais”, em tailleur, de salto alto, vestido longo. Ele se incomoda profundamente com a pouca formalidade que percebe nas vestimentas das duas vereadoras. Ele se incomoda especialmente com camisetas que trazem dizeres políticos.

Ora, vejamos. Proibir dizeres políticos em camisetas de pessoas que são pagas exatamente pra fazer política é meio estranho. O que se espera de um parlamentar é que tenha posição e que a defenda. Que a exponha. Eu, particularmente, gosto de quem expõe sua opinião na simplicidade enfática de uma camiseta.

Porque qualquer pessoa pode usar uma camiseta para exibir o que pensa sobre algum assunto. Não é privilégio de quem detém um mandato, ou conta com microfones e holofotes para poder falar. Um parlamentar – ou no caso, UMA parlamentar – que usa esse meio para explicitar a opinião que está representando, pra mim, demonstra sua sintonia com a idéia em questão e com aqueles e aquelas que lhe delegaram o mandato.

Outra nuance da discussão é aquela clássica: o machismo que continua orientando algumas ações e discursos no parlamento. Lastimável que venha um cidadão querer definir como as mulheres devem se vestir, se comportar, falar, se expressar para serem respeitadas na política. Isso não tem outro nome, se não machismo.

Juntando as duas coisas, é como no título do artigo escrito pela vereadora Fernanda: a política não tem que ser só pra engravatados.

Acho que vou dar de presente à vereadora Sofia, de quem, felizmente, sou companheira de corrente, uma camiseta com os dizeres: “Machismo, aqui, não”. Pra ela usar na sessão da Câmara que, semana que vem, vai apreciar o projeto de Tessaro – sim, o projeto existe, este artigo não é uma pegadinha.

***
Ou nas palavras do grande Chico: “Quero perder de vez tua cabeça / Minha cabeça perder teu juízo”.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Frase

Viva Belchior, que bom que ele apareceu. rsrs...

"Longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia,
Amar e mudar as coisas me interessa mais."

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Machismo tradicional

Do jornal Zero Hora de 15 de setembro de 2009, seção “Informe Especial”, pelo interino Alexandre Elmi:

Prenda do Parque
Não é o caso de o Acampamento Farroupilha da Capital, cada vez maior e mais democrático, ganhar também uma rainha, como as festas do Interior?
Seria uma forma de valorizar ainda mais a charmosa e crescente participação feminina no evento.


Pra quem não sabe, o Acampamento Farroupilha se instala no Parque da Harmonia todos os anos, nas proximidades do 20 de setembro – data em que se comemora a Revolução Farroupilha. Lá, festeja-se a memória do fato histórico e as tradições gaúchas – uma característica importante do povo do Rio Grande do Sul é prezar pela sua própria história e pelas suas tradições.

Muy bien. Ano 2009. Vem um colunista dizer que a participação das mulheres deve ser coroada com a premiação de uma “prenda”, uma “rainha”, ao fim e ao cabo, uma miss. Vamos valorizar o evento, vamos reafirmar que o papel das mulheres é o de adorno, enfeite, que sua característica fundamental é serem belas e estarem, portanto, à disposição dos homens que as contemplam, que as desejam, que as tomam. Vamos inventar uma tradição nova. Vamos eleger uma rainha pra mostrar qual deve ser a participação das mulheres, vamos classificar assim a presença delas. Vamos fazer com que a "crescente participação feminina" restrinja-se a ser "charmosa".

Vira e mexe tem alguém pra justificar discriminação e desigualdade a partir de “tradições”. Mas nesse caso, é pior. Ele propõe uma nova iniciativa como futura tradição, que ressalta o machismo existente na cultura gaúcha, brasileira, mundial.

O machismo é uma tradição a ser combatida. Não é possível que as pessoas não enxerguem que pode – e deve – ser diferente.

PS: Antes que me venham com essa, não, “não é só uma brincadeira sem maldade”. Tudo expressa uma cultura. Toda cultura está a serviço de uma estrutura. Quem não sabe disso ou tá fingindo ou é um pobre alienado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Nota da Marcha Mundial das Mulheres contra o machismo na CPI da Corrupção

Violência contra uma Mulher: é assim que classificamos o que tem acontecido nas sessões da CPI da Corrupção, instalada na Assembléia Legislativa do RS. É assim que tratamos quando sofremos violência no espaço público ou no privado. Não vamos nos calar diante do machismo, de falas desclassificadas, desrespeitosas e com tons de deboche com que alguns deputados vêm tratando a deputada Stela Farias.

Ficamos chocadas, ainda, ao ler a matéria postada no blog do PSDB do Rio Grande do Sul, onde escrevem que é preciso "arreios à mão, para domar Stela" no título do texto. Finalizam dizendo que "a base aliada terá que ter determinação e firmeza para domá-la". Isso é preconceituoso, misógino e machista, e vem com o objetivo de desclassificá-la somente pelo fato de ser uma mulher a conduzir a CPI. Ou se fosse um homem diriam que ele precisaria de arreios?

A Assembléia Legislativa não pode compactuar com este tipo de atitude e declarações, que tentam diminuir o trabalho brilhante que a deputada vem desenvolvendo diante dessa CPI, assim como fez na CPI do Detran.

Nossa luta cotidiana pela emancipação e autonomia das mulheres caminha junto com a luta por relações igualitárias entre homens e mulheres. Exigimos que a Assembléia Legislativa não permita que este tipo de manifestação se repita dentro das sessões da CPI e em nenhum lugar dessa Casa.

***
A CPI em questão, para quem não se atentou, é a que investiga fraudes e esquemas de corrupção no governo do estado do Rio Grande do Sul, o que inclui a governadora Yeda Crusius (PSDB). Essa senhora, em vez de prestar esclarecimentos sobre os fatos em questão, segue criminalizando e colocando a polícia para agir com violência contra quem a denuncia.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Transbordar e ser grande

Mais poesia.

Fernando Pessoa sabia das coisas. Abaixo, um poema de Ricardo Reis, e um trecho de um (longo) poema de Álvaro de Campos. Pra mim, tratam de intensidade. Eu gosto da intensidade, é como uma verdade ampliada, exposta pra quem quiser ver. Autêntica. Bonita, porque plena. E como tal, não tem um lado só. A beleza da intensidade é o céu e o inferno dela mesma.

"Multipliquei-me, para me sentir
Para me sentir precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravazar-me,
Despi-me, entreguei-me
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente."

(trecho de "Passagem das Horas", de Álvaro de Campos)

"Para ser grande, sê inteiro:
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
Porque alta vive."

(poema de Ricardo Reis)

sábado, 5 de setembro de 2009

O caminho

Amor é ter um vasto caminho a percorrer
E os olhos nem verem aonde isso vai dar

Amor é como se fosse um campo de vegetação rasteira
Verde, meio amarelo e marrom
Plano
Com sol quente vermelho e brisa leve branca
E um lago em algum lugar
E um saber que o mar está perto

Não precisa explicar tudo
O amor é composto do desconhecido também
Não precisa conhecer poemas
Nem muitas palavras belas
Que o amor se define com os meios que tem
E quase sempre
Dispensa a si mesmo de muita autodefinição

Amor às vezes surpreende o amador
não parecia assim
não esperava assado
não combinara o que foi

O amor não combina
O amor é
O amor, quando combina,
É tão evidente
que explica toda análise combinatória
que a matemática já produziu
E prova, por a + b
Que tinha que ser assim
Que sempre esteve determinado
Que o que tinha que ser, se deu

Amor que é amor
Tem um quê de irracionalidade
de uma paixão inexplicável
que não tem origem clara nem ponto de chegada
Não se entende muito bem
Tem raiva, mesquinhez e pouca sobriedade
Mas ele vem levando pela mão

Amor não é amor se não for racional
- É este, não aquele, nem nenhum outro.
Ele mais eu, porque eu e ele
Dá certo, funciona, encaixa
Resultante positiva
Faz bem, produzo mais, sorrio para o mundo
Todo mundo gosta mais de mim porque eu amo

Porque nenhuma dor que o amor cause
É maior que a perspectiva boa das felicidades por viver
Que têm base material
num agora feliz
num eu sei que vou te amar
num bem danado que o danado faz
só por estar ali

Amor que é amor mesmo
Não tem medo do próprio fim
Porque sabe que ele chega,
mas sabe, sabe sim
que ele recomeça de onde parou
Simplesmente porque nós queremos
E decidimos que será assim

Amor é respeitar o tempo
E desrespeitar o fim
Amor é decidir conscientemente que é você
E sentir a intuição concordar

Amor é esperar
é se precipitar
é antecipar e se atrasar
E dar tudo certo mesmo assim

É a plenitude de si mesmo
É o outro integral
e isso não ser incômodo
ou motivo para pensar

Amor é o próprio caminho
É um turbilhão e é a calmaria
É gostar de viver assim
É olhar pra ele e pensar que sempre soube
(e que ele também percebeu)
Que chegaria até ali
Porque era ele, porque era eu

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Presente

Eu sou mesmo uma mulher de sorte. Ganhei de presente um poema. Recém-escrito.

Essas situações interessantes da vida, que nos arrancam sorrisos, que têm origem em meras coincidências, que o acaso desenha mas as construções da história preenchem.

Sem mais churumelas. Um amigo querido escreveu um poema. Sei lá por quê. Sei lá quem ou o quê o inspirou. Não sei a finalidade, nem sei se tem finalidade. Mas ele escreveu e é lindo. Como fiz aniversário há 2 dias, ele me percebeu online e me presenteou com o poema que acabara de escrever. Destacou que não fui a fonte de inspiração - e é fácil notar que não -, mas é algo dele, que se desdobrou dele mesmo hoje, agora, minutos atrás, por algum bom motivo. E é meu agora.

Que nem pintar um quadro e presentear alguém. Que nem apanhar em casa mesmo uma coisa que sempre foi sua, que tem identidade com você, que faz parte da sua vida de alguma forma, e presentear. Que nem fazer um jantar pra alguém. Saber que você é capaz de fazer uma coisa bonita e saber que você tem um bom amigo, ao mesmo tempo.

O poema do meu amigo agora é meu. Ganhei de aniversário. Não importa que não o motivei. Importa que ele foi produto de um bom motivo. E que seu autor, certamente feliz com sua produção, embalou-o com seu carinho por mim e me deu.

Pedi a ele que a epígrafe fosse: "A uma amiga querida que estava de aniversário dois dias antes de este poema se descolar de mim".

O Amor bateu em minha casa
(Daniel MM)

O Amor bateu em minha casa em um sábado à noite.
Eu ia para o baile, gostei do seu rosto, mas hoje não vale:
Ligue amanhã, sim? No domingo amarei em fim.
Não ligou, me acordou! E a bater palmas. Mandei as favas:
Eu quero dormir porra! Tchau Amor, corra!
Sem a ressaca do dia anterior e cheio de mau humor,
Veio a segunda e a falta do grande Amor.
Nenhum número para ligar, falar da falta de ar
E do vazio de estar só. Triste o laço que termina em nó.
Treze ligações na terça e eu não agüentei:
Me procura sexta, Amorzinho, antes que eu enlouqueça.
Vinte e quatro e-mails na quarta e o amor cheirou dor.
Quinta eu tudo queria fazer, que só me fizesse do Amor esquecer
E no almoço sentou-se à mesa ao lado. Enjoei , não almocei.
Mas na sexta...
...quando de manhã o Amor encontrei...
Senti alegria e medo,
Brilho e dúvida,
Certeza e escuridão,
De querer algo sem querer,
De ter o que não se quer,
De ser o meu querer,
Feito imagem no espelho
E sentimento no coração.
Entendi da busca do Amor
E querendo novamente ser encontrado
Virei o rosto e fugi desconcertado.
Trabalhei toda tarde e Dele esqueci. Fui pro bar e lá bebi.

Daniel Moreira 01/09/09