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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Uma outra eu

Algo em mim precisa morrer
Para que eu possa viver
Em paz
Dos escombros do velho castelo
Que nunca ergui
Sei que há de emergir

Uma outra eu
Nas linhas a mais
Que hei de escrever
Em dias libertos
De peito aberto
Sem pressa demais

Algo em mim precisa brotar
Para que eu possa optar
Sem dor
Por deixar-te no velho caminho
Em que me perdi
Sei que vou conseguir

Ser outra eu
Nos versos de amor
Que hei de escrever
Em dias inquietos
De peito desperto
Sem dó nem rancor

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O Samba e as Lutas do Povo

A vida do nosso povo é a alma do samba. Aquele que sai da batalha, entra no botequim, pede uma cerva gelada e agita na mesa uma batucada. O povo que canta em versos suas dores, seus amores, suas lutas, mesmo naquela época em que alguém poderia ser preso simplesmente por portar um violão ou um pandeiro. Era um Brasil de Delegados Chico Palha, sem alma nem coração, querendo banir o samba e a corimba de sua jurisdição. Mas o violão e pandeiro ganharam os corações e os salões irreversivelmente, sob olhares furiosos dos senhores, que os queriam mudos ou domesticados, que queriam o samba "com livro de ponto, expediente, protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor". E tantos foram calados, e tantos foram banidos, e tantos foram esquecidos.

Hoje, nesta Brasília amordaçada, cidade-arte, cidade-artista, reprimida, silenciada, onde ninguém ouviu o soluçar da dor no canto do Brasil, as coisas não mudaram tanto assim. A cidade emudecida, que já foi alegria. A cidade que já foi palco de Cássia, Zélia e Ednardo, a cidade que foi um sonho do Oscar, a cidade-borboleta. A cidade que hoje abriga aqueles que querem calar nossos sonhos com um golpe baixo na boca do coração.

Mas aqueles e aquelas que nos abriram os caminhos também nos ensinaram a seguir. É para eles que oramos, e com eles contamos ao nos defrontar com gente infeliz, que diz que a raça não melhora, que a vida piora por causa do samba. Valei-nos Nara Leão, Clara Nunes, João Nogueira, Noel Rosa, Chico Buarque, Cartola, Elis Regina, João Bosco, Aldir Blanc! Socorram-nos Zé Kéti, Gonzaguinha, Alcione, Paulo César Pinheiro, Nelson Sargento!

Nossa carne é feita da carne de todos aqueles que desde o início do século passado usaram notas musicais como armas em combate, que encantaram multidões a preferir um verso de samba do que escutar som de tiro. Eles e elas, que jamais se intimidaram, jamais aceitaram a imposição do silêncio, a proibição de pensar. Nós nos levantamos e eles vêm junto, fazer do nosso canto um canto mais forte. No nosso sangue tem a luta do nosso povo, nossas lágrimas contêm nossa ânsia de futuro, nossos passos apontam nosso gosto pela vida. Nossos instrumentos produzem o som do nosso amor e da nossa luta. Enquanto houver quem tente abafar o voz do oprimido com a dor e o gemido, nós cantaremos. Ninguém vai nos acorrentar, enquanto pudermos cantar, enquanto pudermos sorrir. A gente samba para resistir. A gente canta para não permitir. A gente batuca para conseguir. Afinal, uma dor assim, pungente, não há de ser inutilmente.

Não adianta nos matar: somos herdeiros e herdeiras de um povo que não morre nunca.


Foto de Karla Gamba.

domingo, 7 de agosto de 2016

Chega

Chega de tentar me enganar
Eu já não caio mais
Nas armadilhas que eu mesma fiz
Não vou fingir
Que eu não sabia que isso tudo
Só podia ser assim
Foi o abismo de onde me atirei
A sorrir

Chega de tentar te encontrar
Nas cartas doces que eu mesma escrevi
Nas ruas loucas onde eu me consumi
Pr'onde fugi para me esconder
De mim

Chega de ampliar o universo
E reduzir o meu espaço
De ser uma mulher do avesso
Em qualquer passo, eu recomeço
Eu reconheço
Que desconexa é que desconecto
De você

Chega de falar, de procurar
Eu já não tenho mais papel
Perdi o céu
Perdi o navio
Eu já não sei qual era mesmo o rio
Onde boiou meu corpo
À mercê

Eu já não tenho mais saúde
Para sustentar
Este sentimento por você

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Não seja cúmplice

É por isso que é necessário um organismo de governo para elaborar, propor, articular e desenvolver políticas para as mulheres.

É por isso que os sindicatos e organizações dos movimentos sociais precisam ter secretarias de mulheres.

É por isso que é inaceitável que não haja mulheres no Ministério.

É por isso que é necessário haver mulheres em número razoável no parlamento.

É por isso que é necessário que haja mecanismos artificiais de distribuir recursos e tempo de TV entre homens e mulheres que disputam vagas no parlamento.

É por isso que existe o mecanismo de cotas e de paridade, que assegura uma proporção mínima de mulheres nas direções de entidades representativas.

É por isso que é preciso falar de gênero nas escolas.

É por isso que você JAMAIS deve desqualificar uma mulher chamando-a de vagabunda, vadia, puta e afins.

É por isso que não tem graça nenhuma fazer piada com estupro ou com qualquer outro tipo de violência contra a mulher.

É por isso que você não pode tratar as mulheres que te cercam como suas serviçais.

É por isso que você NÃO PODE legitimar a violência nem no campo material nem no campo simbólico.

É por isso que você precisa entender que NÃO é NÃO.

É por isso que não adianta compartilhar post ou meme de indignação no facebook, se você não age coerententemente.

É por isso que o governo golpista de Michel Temer é cúmplice de cada caso de estupro e de violência contra as mulheres que ocorre em todo o Brasil.

Não é porque poderia ter sido sua irmã ou sua mãe. É porque foi com ela. É porque é com todas nós diariamente.

É porque não há igualdade.

E é porque precisa haver.



segunda-feira, 11 de abril de 2016

Epa Baba

É tempo de homens e mulheres partidos
Nem leis, nem lírios
Tempo de seguirmos cabisbaixos
Ensimesmados
Ignorantes e ignorados
Com medo ou com ódio
E vice-versa

É difícil, mas eu não me rendo
Porque Oxalá me ajuda
Porque Oxalá me chama:
Nenhuma chama vai queimar
Nossa história
Nem a memória
Do que ainda vamos criar

Não adianta incendiar
Sou herdeira de um povo que não morre nunca.


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A divina comédia humana

Minhas amigas partiram há dez dias. O Antônio chegou há 35. O Francisco chegou hoje. Daqui a 27 semanas, chegará um gurizinho ou uma guriazinha da barriga da Manu, que há tanto tempo está vocacionada para recebê-lo(a). A falta não é peenchida nunca. Mas o coração segue abrindo novos espaços para florescer.

O coração gosta de florescer, e se abre em primavera para a vida sempre que pode. Procura o pólen, inventa dias de sol, e se precisar da chuva, o coração sabe chover. A gente inventa os motivos. A gente sabe fazer.

E se não houver música para ouvir, a gente canta. E se cantar for difícil, a gente escolhe uma música mais fácil. Quando chove, a gente chove junto. Eu chamo Belchior para chover em mim. Quando não há plantação plantada, a gente planta agora, dane-se  atraso. Eu rego com vinho e lágrimas, eu peço as desculpas que for preciso, e o coração pulsa tanto que só pode ser sinal de um tempo bom.

Sentir a pulsação do coração é tão bom que a gente nem pensa para onde esse maluco está indo. Ele se joga porque ele renasce, ele não consegue morrer, e cada vez que você assina a certidão de óbito, ele se faz de morto para reviver na primeira esquina em que você passar desavisada. E pulsa, então, na direção que quiser, sem que você tenha conseguido controlar ou antever. Agora, não reclama da falta de convencionalidade.

E se você pensar que não pertence mais a aqui, aqui ressuscita em outra carne, e se levanta em caras e tempos de outras pessoas e motivações. Levanta a bandeira, que essa é sua sina, ela nunca vai te largar. Não adianta desdizer nem maldizer a mãe que te inventou. Levanta a bandeira, e quando você a levanta, precisa da força da pulsação do coração que, satisfeito, te ajuda. Meu coração não é meu, ele corre para onde quer. Eu que sou dele.

Você pensa que morreu. Mas este ano, eu não morro.

A gente se apaixona no descuido. E o descuido é perigoso, mas a gente está aqui pra sobreviver a ele.

A falta nunca será preenchida. O vazio faz é aumentar. Mas aumenta, também, o espaço para caberem novos amores e personagens. A vida renasce, a vida floresce. E eu só consigo sentir gratidão. Por ter tido as minhas amigas na minha vida, por elas terem me transformado. Por ganhar novos amigos agora. Porque meu coração pulsa, porque eu sinto frio na barriga, porque eu sinto tanta inquietação que eu não consigo seguir o dia se eu não escrever.

E tudo que eu pensei que não havia, renasce. Enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não, eu canto. Eu sempre vou cantar.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O balé das borboletas

Despertei e fui para o quintal, onde alguns raios de sol pareciam tentar resistir às nuvens escuras que avançavam sobre o céu azul. Queria ir à cachoeira pedir a Oxum pelas minhas amigas, mas logo notei, olhando de longe, que a chuva não tardaria a vir, e provavelmente já até estivesse molhando meu altarzinho. Ainda com o coração inconsolado, desisti de assumir o trajeto e me pus a olhar ao longe o vento e o movimento das nuvens.

Foi quando, desde esse longe, vinham duas borboletas brancas naquele balé clássico das borboletas. Foram vindo e vindo, e então estavam já bem perto. Continuaram brincando como se fossem duas crianças no carnaval, bicando-se, afastando-se e voltando a unir-se. Rodopiaram ao meu redor duas vezes, como se tentassem me envolver no balé. Acho que foi o primeiro sorriso sem dor que derramei em trinta horas. Pensei que fossem minhas amigas dizendo pra eu ficar bem.






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Para Rosângela Rigo e Lurdinha Rodrigues, com todo meu amor e minhas saudades para sempre...


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O mundo está doente

"Este mundo está doente", me disse, como que desesperançoso, há uns dois meses, um guardador de carros.

Para ele, a doença do mundo está atestada pelo tanto de gente investindo contra a vida de outras gentes. Ele se referia, principalmente, à notícia daquela tarde, de um homem que entrou num hotel em Brasília, fez um trabalhador refém, e exigia, como resgate, algumas maluquices que ninguém entendeu.

E como não concordar com o guardador de carros? Vira e mexe, há uma molecada que entra armada em seus colégios, no país que há muito se comporta como a polícia do mundo, e dispara contra colegas, professores, funcionários. Será que aprendem isso ao assimilar informações bárbaras como aquela em que a polícia estadunidense matou uma mulher que trazia uma filha pequena em seu carro porque, supostamente, ela - desarmada - queria invadir o Congresso Nacional?

Há muita gente disparando contra outras gentes a esmo. E tem gente que alega motivo. Israel quer se defender dos "terroristas" palestinos, e para isso, mata impunemente milhares e milhares de inocentes, enquanto varre a Palestina do Mapa Mundi. Tem policial a torto e a direito matando gente nas favelas e até surfista famoso. Volta e meia, aquelas histórias de que uma briga babaca resultou em assassinato. Outras vezes, a notícia de que um Estado qualquer entendeu que ainda vivia no tempo do absolutismo e mandou matar uma pessoa - amparado ou não pela sua própria lei.

Por que as pessoas pensam que têm poder sobre a vida uma das outras???

O mundo está doente. É muita opressão, é muita pobreza, muita falsa generosidade, muita desigualdade.

Relatos de suicídios me comovem. Sempre me pergunto o que faz essas pessoas pensarem que não há solução para elas. O mundo está doente, e a desesperança, a angústia, o desespero contagiam.

E no dia-a-dia de todos nós, não faltam exemplos de intolerância, de falta de respeito, de desdém.

Não acredito que mais sorrisos e palavras como "obrigada", "por favor" e "desculpe" vão resolver a doença do mundo. Mas não tenho dúvidas de que a desumanização do outro é um fator importante para que alguns sejam convencidos por outros de que há vidas que valem mais e vidas que valem menos. Há vidas que podem ser perdidas. Há vezes em que alguns podem brincar de ser deus.

Hoje, não haverá Petrobras, Ucrânia ou Obama que me farão sentir mais dor que a notícia de um suicídio, sentido pelos olhos sensíveis de um amigo que tem a qualidade de enxergar as pessoas. O mundo está mesmo doente.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Eu que não fui feito para esquecer

Uma das frases mais belas que meus olhos conheceram é produto da tristeza à qual Mário de Andrade se lançou em decorrência de sua ruptura com Oswald de Andrade. Ele afirma em carta a sua amiga Tarsila do Amaral:

"E então eu, que não fui feito para esquecer, não será possível jamais que eu me esqueça, nem de ninguém nem de nada".

A não vocação para esquecer parece fazer arder ainda mais a derradeira desavença, que ele assim caracteriza: "Eu sei que somos todos vítimas de um ventarrão que passou. Passou. Porém a árvore caiu no chão e no lugar duma árvore grande, outra árvore tamanha não nasce mais. É impossível".

O caráter irrevogável de certas dores é assustador. Mas é capaz de produzir belezas de igual proporção, que ficam pulsando eternamente no adormecer das palavras.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Brazuca pra frente!

"Alegria é viver assim de mansinho, sem se importar DEMAIS com nada". 
(Guimarães Rosa)

Sobre o futebol de dentro do campo, não há muito a acrescentar. Está claro que o Brasil perdeu para uma seleção superior, e entrou loucamente despreparado para enfrentá-la. É interessante notar que todas as goleadas que aconteceram nesta Copa se deram entre grandes e/ou médias seleções. As menos tradicionais entravam em campo preparadas para enfrentar gigantes, e assim fizeram suar cada uma delas. Como Gana contra a Alemanha, como o Irã contra a Argentina, como a Costa Rica contra a Holanda.


Superado esse tópico - perdemos porque o outro time é melhor -, vamos para outro. "Pôxa, precisava ser de SETE"?!! Foi constrangedor ver os jogadores brasileiros tão desorientados, perdidos, derrubados em campo. Daí, algumas pessoas que acharam "uma graça" que a Copa inteira nossos jogadores chorassem ao som do hino nacional, que compreenderam condescendentemente que o capitão do time não tenha conseguido ASSISTIR à disputa de pênaltis que conduziu o Brasil às quartas-de-final, que entraram no clima proposto pela HORROROSA (como sempre) cobertura da mídia sobre a Copa, de tratar um craque contundido como um mártir tombado em batalha... Essas pessoas não podem AGORA reclamar da instabilidade emocional da seleção brasileira. É muita cara de pau que haja apresentador de TV e narrador de jogo reclamando agora da construção que ELES MESMOS encabeçaram.

Eu aprendi com Telê Santana a ser mais uma brasileira apaixonada por futebol. Vivi minha infância e adolescência ouvindo sobre a alegria expressa nos pés dos craques do Brasil. A irreverência de Garrincha ao tocar a bola com suas pernas tortas, o gingado do Zizinho, a ousadia de Pelé, que gostava de desafiar o impossível. Mas não precisa parar nos anos 60 não. Nossa seleção de 1982 é lembrada até hoje por amantes do futebol em todo o planeta, independentemente de não ter conquistado aquela Copa. Zico é idolatrado mundo afora (que o diga Wesley Sneijder), Sócrates é referência eterna, e Telê segue ensinando futebol por aí (é ou não é, Pep Guardiola)?

Claro que há um processo complexo de apropriação indébita da seleção brasileira por uma turma da qual a CBF é só um instrumento. Tem bastante coisa envolvida. Mas isso daria outra crônica. Aqui, só quero dizer que, para mim, o mais triste é justamente isso: afanaram-nos a alegria! E não foi hoje não, isso já leva alguns anos. Nesta Copa, ficava clara essa lacuna no fardo carregado pelos jogadores em campo, esse fardo de ser "a Pátria de chuteiras". Não são, não podem ser e acho complicado que se tenha essa expectativa. As lágrimas durante a execução do hino. A camisa do Neymar em campo na final. Ah, gente, pára, vai. Nada contra a sensibilidade - ao contrário! -, mas tudo a favor de que a alegria e a leveza voltem a ser marcas nossas. Parecem-me uma expressão melhor da nossa sensibilidade que a resignação e a autopiedade. Parece que até a velha Alemanha do jogo truncado aprendeu isso. Nunca imaginei que a alegria que eles demonstraram em solo brasileiro nos faria tanta falta.

Parece-me que enquanto houver essa adesão coletiva ao midiático discurso de que o futebol é a nação, de que a nossa dignidade está em jogo, nada vai mudar. Enquanto houver "família Scolari", enquanto houver o acesso privilegiado da dona Globo à nossa seleção (o que a torna mediadora quase que exclusiva da relação torcida-time), enquanto houver essa absurda confusão entre jogo e vida, travestida de metáfora, enquanto houver tudo isso, haverá instabilidade emocional até do mais duro volante em campo.


Se eu pudesse dizer alguma coisa, eu diria ao David Luiz. Querido, fique tranquilo, você não destruiu os sonhos de ninguém. Fique tranquilo, você não merece arcar com essa responsabilidade. Eu me orgulho por ser sua conterrânea porque você realiza seu trabalho tão bem que se tornou um dos melhores do mundo, independentemente de vencer a Copa. Eu me orgulho por ser sua conterrânea porque você sabe que seus gestos fora de campo influenciam pessoas, e procura ser um bom exemplo. Você é.

"Não deu, galera". Simples assim. Temos a melhor - e mais cara - dupla de zaga do mundo. Mas não temos um meio-de-campo sequer razoável e uma terrível "crise de quadros" no ataque. Temos um treinador que sempre teve esse mesmo estilo de jogo, e não adianta levantar bandeira de "ousadia e alegria" porque não há treinadores brasileiros que trabalhem com essa insígnia atualmente. Porque taticamente tomamos um nó, porque não tínhamos uma boa jogada para além do "passa pro Neymar". É só futebol, gente. Não é a vingança dos povos, não é a redenção dos oprimidos, não é a justiça histórica. É um campeonato muito legal, que acontece de quatro em quatro anos.

Se tivesse havido mais leveza, mais alegria, menos lágrimas e menos fardo, ainda teríamos perdido para a Alemanha. Mas não de sete.

PS 1: Valeu, Klose, a cara do Ronaldo foi impagável!!!!

PS 2: Eu não torço pelo Brasil, eu milito por ele. No futebol, minha torcida é para que vença a beleza, pra ter espetáculos, pra resgatar aquela coisa de que o Telê me ensinou a gostar. Se a ideia de que isso é possível sagrar-se vitoriosa dentro de campo, eu me sentirei realizada. Pode chamar de saudosismo, que eu nem ligo! 

terça-feira, 11 de março de 2014

O alvo

Sempre teve pavor de baratas, e nem vergonha disso tinha. Se era pra matar, que fosse à distância, afogadas em veneno. Um mar de veneno sobre aquelas criaturas nojentas, por mais que o amigo já lhe houvesse avisado:

- Se as baratas sobrevivem a uma guerra nuclear, que diabos eles põem no Baygon?!

Naquela manhã, adentrou o banheiro sonolenta, mas não o bastante para ignorar a presença de más companhias. Uma barata colocava-se caprichosamente na parede interna ao box, sobre o chuveiro. E agora, que eu faço? Vou de novo chegar atrasada ao trabalho por causa desse ser repugnante que não me deixa tomar banho!

E saiu pela casa choramingando - manhãs são mesmo dedicadas ao mau humor -, até que encontrou o amigo:

- Uma barata não me deixa entrar no banho.

Foram os dois conferir.

- Tem certeza que é barata? Parece pequena.

- Sim, temos que matá-las desde jovens pra que não ousem procriar!

E lá foi o rapaz armar-se para enfrentar o monstro. Ela se afastou. Em poucos minutos, ele voltou, e a expressão era de desolamento.

- Pegamos o cara errado.

- Oi?

- Era só um besourinho.

Ela nem ligou. Certificou-se de que o cadáver fora removido e entrou no banho, para se atrasar o menos que pudesse para o trabalho. Ele não teve paz. À noite, sonhou que era um policial inglês perseguindo terroristas no metrô.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Procura-se


Procura-se uma notícia boa
Uma forma de continuar
De não permanecer

Procura-se um sorriso escapado
Um olhar de carinho
Um dia de sol sem trabalho

Procura-se a leveza
A delicadeza
Procuram-se flores que botem cores no caminho

Procura-se um caminho

Procura-se um afago descompromissado
Uma espreguiçada

Procura-se a correspondência perdida no canto
Procura-se o canto
Procura-se o sentido

Procura-se a cidade
A imagem
A coragem
A viagem
A mensagem

Procura-se a leitura
Procura-se a visão
A vista

Procura-se uma forma de não aceitar
De se indignar
De se levantar

Procuram-se as consequências

Procura-se o caos

Procura-se analgésico
Anestésico
Sonífero

Procura-se o túnel
A caverna
A montanha mais alta
De onde se possa jogar um quilo e meio de dor
E depois deixar o corpo descer rolando até o mar

Procura-se o mar

Procura-se um planeta

E se nada disso puder ser encontrado, então viverei a busca eterna debaixo de uma sombrinha vermelha, estampada por bolas de futebol e claves de sol.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Um bom dia


Mau humor. Incômodo, dor de alma. Sensação de impotência, ninguém entende, ninguém vai junto. Puta mundo injusto. As pessoas são grosseiras, ninguém se respeita, todo mundo só quer o seu. Está frio lá fora, a Holanda tá eliminada da Eurocopa, o Maluf tá na aliança. A Cidade Baixa está agonizando, a Grécia elegeu a direita, os militares mandam no Egito. Você não sabe bem o que quer, e isso dá um nó nas veias e um assalto no coração. Você sabe bem o que não quer, e isso te embrulha o estômago. E as pessoas, meu Deus... As pessoas.

Vontade de dar uma desaparecida. Do planeta. Assim: "ó, mundo, vou lá e já volto, tá?".

Ai, preciso de um abraço. Pode ser virtual? Pode sim.

Ih, nem tinha reparado que dessas nuvens escuras chovem florezinhas coloridas.


***
Postado no Face há alguns dias... Achei que merecia vir pro blog.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Domingo de não-futebol

Não sou uma dessas pessoas que se sensibiliza com a morte de pessoas que nem conheço, e nem acho que morrer deve ser tão ruim assim. Detesto essa coisa da imprensa de ficar que nem urubu acompanhando a agonia de quem, como diz o Chicó de Ariano Suassuna, vai se encontrar com o único mal irremediável. É simples assim: se o tempo nos leva tudo, para o bem e para o mal, por que não haveria de levar o corpo? De novo chamando Suassuna, tudo que é vivo morre. Eu não acho que seria legal se todo mundo fosse eterno.

Mas, poxa, o Sócrates bem que podia ficar mais um pouco hein? Pra escrever mais, pra emprestar seu brilho pra esse opaco e mesquinho futebol brasileiro. Pra sempre nos lembrar da seleção de 1982 e o que deveria ter sido e não foi. Pra criticar as estupidezes fartas que se veem na cartolagem. Pra ser um lampejo de sobriedade - sim! - no meio dessa normalidade mórbida e acéfala. Pra gente poder imaginar que vai ser diferente. Pra gente perseguir isso.

Não vou me alongar. Só queria também me despedir do Doutor. Baita figura. Queria que ficasse mais tempo por aqui. Lembrei ontem, em conversa com amigos, de uma frase que li ainda criança, e nunca esqueci. "O mundo, depois de ti, há de ser algo melhor, porque tu viveste nele". Obrigada, Doutor. Por nos oferecer a melhor referência de que as coisas não precisam ser como são.


Pro Doutor

Ei doutor
Se a gente não se encontrar
A turma manda avisar
Que ninguém aqui desistiu da peleia

Quem sabe
Num passe de calcanhar
A gente consiga lançar
A fagulha que incendeia


E fazer tremer a arquibancada
Um lindo lance, uma bela jogada
Democracia não tem carta marcada
O jogo é vivo e o sangue está na veia


Ei doutor
Os refletores do estádio embaralham a vista
E talvez a gente não te veja mais
Nem possa te ler nos jornais
Mas sempre segue o show do artista

O que está feito não se perde
As palavras, gestos e gols
Tudo o que você começou
A gente sabe que prossegue


Vamos comemorar
Até o que nunca foi
O título de 82
O dia em que vamos derrotar
Aqueles que não nos deixam sonhar.

E na sua despedida
Nós vamos brindar:
Ainda bem que estiveste com a gente
E vamos levar, daqui pra frente
Nos nossos sonhos, seus sonhos também.

Se a gente não vai se ver
Nem escrever novas histórias
A gente guarda o que tem
Num bom lugar da memória
O que é imenso
Pra ser só um minuto
Pra ser só silêncio

Ei doutor
Eis o apito, a partida acabou
Mas a gente continua a conversa no bar
Xingar ou saudar
Pra comentar
Pra resistir
E ao fundo, ouvir:
A música ao vivo são harpas chorando.


O mundo, hoje, ficou um bocadinho pior.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Como perder a fé na humanidade em uma manhã

Uma crônica sobre "um dia de fúria", que a constante percepção do egoísmo e falta de solidariedade é capaz de despertar... Boa leitura!

Por Juliano Medeiros

Crônicas não são o meu forte, quem me conhece sabe. Principalmente assim, escrita em primeira pessoa, como se o que eu dissesse ou escrevesse fosse coberto de relevância para terceiros. Quando eu achar que é, crio um blog.

Memos assim, hoje estou disposto a compartilhar minha indignação e perplexidade - e a crônica é uma aliada dos indignados.

A questão é: como perder, mesmo que temporariamente, a fé na humanidade. E quando falo em “fé”, me refiro à esperança de que, diante das maravilhas criadas pelo homem ao longo de sua existência e que trouxeram mais qualidade de vida, beleza e felicidade ao mundo, possamos viver uma existência plena de justiça e solidariedade, respeitando a diversidade.

Acordei às 5h da manhã. O vizinho do andar superior, corria, gritava, pulava e esbravejava contra, suponho, sua companheira. Não é a primeira vez que ele faz dessas. Outro dia, ele jogou as roupas da mulher pela janela (eles moram no quarto andar). Na ocasião, chamei a polícia, que rondou o prédio e foi embora.

Imaginem como acordei: irritado com o maluco do andar de cima, com sono e, por conta disso tudo, atrasado para o trabalho.

Mas eu passei alguns dias na linda Belém do Pará, e considerando o fato de que preciso viajar a Porto Alegre dentro de poucos dias, tomei a iniciativa de resolver aspectos da “vida prática” antes de sair de casa: levei minhas roupas sujas até a lavanderia, que fica na garagem do prédio, que é mais prático que ir a uma lavandeira no centro de Brasília. Mas a dita cuja não tinha um bom histórico: além de encolher minhas roupas mais de uma vez, sequestrou uma cueca, que está perdida desde tempos imemoriáveis. Pra confirmar o clima do dia que já não começara bem, me cobraram, por meia dúzia de roupas, a bagatela de R$60,00. Com certeza, isso é quase o mesmo que a prestação de uma máquina de lavar nas Casas Bahia. Mas não posso comprar uma máquina de lavar porque o apartamento onde moro é tão minúsculo que, para entrar a máquina de lavar, a geladeira ou o sofá teria que sair. Resultado: ficarei o resto dos meus dias em Brasília refém da máfia das lavanderias, que cobram uma fortuna pra lavar minhas roupas, encolhe-as e ainda deixa alguma peça pra trás.

Mas quando eu pensava que meu dia já tinha tudo pra começar errado, veio mais. Indo para o trabalho, parei num semáforo (sinaleira, para os gaúchos). Quando o sinal ficou verde, vi uma caminhonete – se não me engano, uma Ford Eco Sport, que não é nenhum carro popular –, e de dentro dela, sendo arremessada pela janela do passageiro, uma caixa enorme, cheia de comida. Não que a dimensão importe, mas chama a atenção quando alguém joga uma caixa de comida pela janela como se fosse um papel de chiclete. Foi a gota d’água. Acelerei o carro, buzinei, gritei e xinguei. A perua que estava dirigindo parecia não entender nada. Compreendi finalmente como se sentiu Michael Douglas em "Um Dia de Fúria".

Se eu tivesse um taco de beisebol certamente teria feito uma besteira. Talvez contra o louco do andar de cima, talvez contra a lavanderia, mas com certeza, contra aquele atentado à saúde pública, à higiene, à coletividade e à boa convivência. Como alguém pode pensar que a rua é uma grande lixeira? Como pode jogar uma caixa enorme pela janela do carro sem mediar as conseqüências? Imaginem se um motociclista estivesse na pista ao lado e fosse atingido!

Sou comunista. Todo comunista é movido por grande sentimento de amor pela humanidade, sobretudo os mais pobres, os excluídos, os miseráveis. Esforço-me todos os dias para evitar o distanciamento natural a quem não sente na pele as dores do povo e, assim, renovar meu compromisso com "os de baixo". Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças de qualquer espécie nem de me emocionar com a luta dos que sofrem. Nutro a esperança de que o povo pode ser senhor do seu destino, sem pátria nem patrão.

Mas devo admitir que, às vezes, bate um desânimo. Como tratar, no mundo que queremos construir, as pessoas que jogam lixo pela janela do carro? Ou os vizinhos que não respeitam o sono alheio e que resolvem seus problemas conjugais através de berros e ameaças? Sinceramente, não sei. Só sei que, pelo menos, as lavanderias poderão ser expropriadas...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma queda

Pra uma florzinha que anda murchinha,
mas jajá fica vigorosa outra vez.

Cássia era uma menina forte, bonita, cuja companhia parecia agradável a quase todo mundo. Um dia, junto com seus amigos, ela saiu andando por aí. Andavam em direção à utopia que estava no horizonte, e a cada passo que davam, ela se afastava um pouco. Caminharam e seguiram caminhando, até que, uma hora, Cássia caiu.

Todo mundo ficou preocupado. "Meu Deus, o que houve com ela?", ninguém sabia. Mas pessoas fortes também caem, porque a queda não tem como única causa a fraqueza. Muitas coisas podem fazer a gente cair. Cássia caiu.

Teve medo por ter caído e não queria levantar por enquanto. Todos respeitaram, esperaram. Não interromperam a caminhada, só adiaram um pouco, porque havia uma amiga que não podia andar.

A queda causou feridas que mudaram sua aparência, e ela não gostou de si mesma. Chorou.

Mas também, depois, quando ela levantou, as feridas secaram e ela ficou bonita como sempre foi. Andou devagar nos primeiros passos, para se certificar. Logo voltou a andar no ritmo normal. Seus amigos e amigas a acompanhavam. Daqui a pouco, estavam correndo. E a utopia ainda se afastava, fazendo-os andar mais...

E mesmo quando cansados de correr, sabiam que entre eles havia uma joia tão valiosa que foi capaz de levantar depois de cair, mesmo com todo o medo que tinha, e mesmo não se reconhecendo no espelho. E a partir daquele dia, pra todo mundo que participava da andança, Cássia parecia uma heroína que ensinava seus companheiros de jornada que a gente sempre cai, e tem quedas que doem mais que outras, e comprometem mais que outras. Mas quando a gente levanta depois, nada mais é capaz de jogar a gente no chão. E a caminhada segue.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Nossa homenagem a Daniel Bensaid

Nota da Democracia Socialista, tendência interna do PT

Daniel Bensaïd morreu na manhã do dia 12 de janeiro. Perdemos um companheiro militante revolucionário com muitas contribuições originais para o marxismo.

Daniel nasceu em Toulouse há 64 anos. Foi dirigente destacado do maio de 68 na França. O primeiro livro de sua autoria – junto com Henri Weber – que publicamos no Brasil foi justamente Maio de 68 – Um ensaio geral. Traduzimos do francês, datilografamos em matriz e rodamos no mimeógrafo do DAIU (centro acadêmico da Filosofia da UFRGS) em 1977.

Com sua militância iniciada nos anos sessenta, Daniel deu uma contribuição decisiva para construir um elo entre o difícil acúmulo da militância revolucionária anti-estalinista e as novas gerações que lutam pelo socialismo.

Daniel Bensaïd foi fundador da Liga Comunista Revolucionária na França e depois do NPA (Novo Partido Anticapitalista). Foi um dirigente fundamental da IVª Internacional, um de seus mais argutos pensadores. Nos anos 90, já adoentado, passou a uma produção teórica impressionante, expressa em ensaios e livros, muitos traduzidos e publicados no Brasil, dentre eles Marx, o Intempestivo (Rio: Civilização Brasileira, 1999).

Na passagem do século passado, com o advento do movimento antiglobalização, engajou-se com energia renovada nas mobilizações e nos Fóruns Sociais Mundiais.

Daniel foi um colaborador assíduo nos debates para a formação da nossa corrente, sobretudo nos anos 80. Reconhecemos sua contribuição para a nossa construção. Nossa relação foi de amizade, respeito e carinho, mesmo no difícil momento de 2005, quando publicamente divergimos sobre as perspectivas do PT e quando nosso diálogo, antes tão profícuo, foi interrompido.

Partilhamos com a militância revolucionária de Daniel os mesmos valores da democracia socialista, a identidade sempre reiterada com a luta dos oprimidos e explorados de todo o mundo, o internacionalismo de raiz e a convicção de que hoje, mais do que nunca, é o tempo histórico da superação do capitalismo.

No seu livro Une lente impatience, sobre sua trajetória militante, Daniel dedica um capítulo à sua experiência brasileira. Com grande sensibilidade, com a sua admiração pela música de Chico e Milton, começa (e termina) citando a poesia de Carlos Drummond de Andrade, que bem pode resumir todo seu esforço militante: “Oh vida futura! Nós te criaremos!”

Prestamos nossa homenagem a Daniel Bensaïd, uma homenagem à rebeldia, uma homenagem à revolução!

São Paulo, 12 de janeiro de 2010.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Parece um sonho

(Mário Quintana)

"Parece um sonho que ela tenha morrido!"
diziam todos... Sua viva imagem
tinha carne!... E ouvia-se, na aragem,
passar o frêmito do seu vestido...

E era como se ela houvesse partido
e logo fosse regressar da viagem...
- até que em nosso coração dorido
a Dor cravava o seu punhal selvagem!

Mas tua imagem, nosso amor, é agora
menos dos olhos, mais do coração.
Nossa saudade te sorri: não chora...

Mais perto estás de Deus, como um anjo querido.
E ao relembrar-te a gente diz, então:
"Parece um sonho que ela tenha vivido!"

***
Porque, pra quem precisa ser forte, não é demérito algum tirar forças dos sonhos...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sábio chinês

Vou fazer uma coisa bem cafuçu. Vou postar aqui uma frase de um "sábio chinês". rsrs... é uma frasezinha que eu sempre leio quando vou à sede nacional do PT em São Paulo, e sempre a acho simpática. Tá pregada numa parede, junto da cafeteira do 3º andar. É assim (mais ou menos):

Dentro de mim, há dois cães. Um manso e dócil, um bravo e mau. Alguém pergunta: qual deles ganha a briga? Responde o sábio: aquele que eu alimentar.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Uns dias

“O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso” – Mário Quintana.

Tem aqueles dias que podiam não existir. Aqueles dias que você deseja passar dormindo, pra não ver, e quando acordar, passou de uma vez. Aqueles dias em que seu time perde (o pior não é seu time perder, é o time dos outros ganhar), que você passa horas procurando a chave de casa e a descobre no seu bolso, que você se atrasa por isso e perde valiosos minutos das zilhões de coisas que têm acumuladas pra fazer, aqueles dias em que você não consegue telefonar pra quem precisa, não consegue entrar no site que precisa, aqueles dias chuvosos, feios, tristes, em que você queima o dedo cozinhando, aqueles dias em que você está naquele humor que nem você se suporta.

Dá um ódio sem precedentes do bom humor dos outros, especialmente aqueles que sempre estão exageradamente de bom humor, fazendo gracinha, soltando piadas sem graça. Dá mais raiva ainda dos demais mal humorados, porque se você mal pode conviver com seu próprio mau humor, imagina com o alheio! Como dizem meus amigos do Ceará, eu não sou nem obrigada!

Dá vontade de saber quem diabos inventou a merda do telefone celular e seus toques terríveis – sim, porque, hoje em dia, nenhum toque pode ser um simples “trim, trim”, precisam ser elaborados sons eletrônicos combinados com sei lá o quê, piadinhas de todos os tipos e músicas que não necessariamente quem convive com o dono do celular aprecia.

As costas doem mais do que o normal e a gente se sente mais lesado do que nunca pelo tanto que nos exploram, que são folgados, que são inconvenientes, que são chatos mesmo.

Daí, é melhor ficarmos sozinhos, pra não ter que incomodar ninguém com nosso próprio mau humor, mas mais do que isso, para que ninguém acentue nosso mau humor. Sem perguntas, sem explicações, sem queixas, sem nada. Ser a Bela Adormecida e dormir 100 anos.

Só tem um jeito de melhorar o humor na marra.

Se tem alguém de humor pior que o seu. Com muitos motivos de ter o humor ruim. Falando seco no telefone, monossílabos e monossílabos, e evitando os tônicos, que isso já seria um sinal de definição. Cabeça na lua, raiva de tudo, pressa de tudo. Palavras ríspidas, incomodando-se com a companhia de si mesmo. Incomodando todo ser vivo que houver ao redor, e alguns seres não vivos também. Mastigando sem engolir todos os motivos que a vida oferece para que o humor se mantenha ruim. Seguindo até o enjôo, vomitando seu tédio sobre a cidade.

E se essa pessoa é especial. Se quando pensa nela, muda seu dia. E se você sente cada coisa que essa pessoa sente. Essa pessoa é aquela que lhe desperta um sentimento meio incondicional, e você não admite que seres vivos, não vivos, os reinos animal, vegetal e mineral façam alguma coisa de mal pra ela. O reino da tecnologia, então, nem se fale, craque em tirar qualquer um(a) do sério.

E aí você recolhe seu mau humor, seu time, o time dos outros, os outros, a chave, os minutos, os motivos. Você não anula. Você recolhe porque isso tudo é menor do que você pensava. E quer cuidar para que o mau humor daquela pessoa não faça mal a ela mesma, para que as razões do seu mau humor tenham seus efeitos minimizados. Para fazer um carinhozinho, ou só pra ficar quieto(a) mesmo. Para a pessoa saber que você está do lado.

A Bela Adormecida acorda de seu sono de 100 anos. E vê que o mundo continua lá, no mesmo lugar, não adiantou prolongar a noite. E isso nem chega a ser assustador.

Então, eu vou ter que discordar do gaúcho Quintana, desta vez... o maior dos alívios da gente é que as pessoas podem ter a ver com nossos problemas. Se elas quiserem. E se a gente permitir.

***
100º post!