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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Em 2010, um outro mundo continua sendo possível

Abrindo 2010 com artigo de Juberlei Bacelo, presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, sobre o Fórum Social Mundial, que, em ano de atividades descentralizadas, volta ao Rio Grande do Sul na comemoração de seus 10 anos. Boa leitura e feliz ano novo!



IMPOSSÍVEL É FICAR COMO ESTÁ

* Juberlei Bacelo, presidente do SindBancários

Em 2010, por iniciativa de cidades da região metropolitana, o Rio Grande do Sul volta a receber um evento do Fórum Social Mundial que lança uma série de atividades descentralizadas e preparatórias para o FSM em Dacar, na África, em 2011.

Quando tudo começou, afirmar que “um outro mundo é possível” não era pouca coisa. Ao longo dos anos 90, o neoliberalismo desmontou o Estado, levou a militarização a patamares avançadíssimos, acentuou a desigualdade entre ricos e pobres e criminalizou os movimentos sociais. Dessa conjuntura, alguns diziam que era “o fim da História”. Que não havia alternativa e que o mundo seria assim mesmo, organizado pelo “livre” mercado.

Vejamos. Passados 10 anos, o mundo atravessa uma grave crise ambiental – e pôde comprovar, em Copenhagen, que apenas ter esperança no futuro é insuficiente para enfrentar a fúria capitalista que destroi o meio-ambiente para fazer lucro. É preciso mais. Salvar o planeta não é possível sob o capitalismo. Sua natureza predatória é incompatível com valores como solidariedade, justiça, igualdade e defesa do meio-ambiente.

Além disso, mal saímos da maior crise econômica internacional da história da humanidade. Ela teve origem exatamente no centro do capitalismo, na oferta de crédito que visa a ampliar o consumo mas permite que milhões ainda morram de fome. Ninguém controla o sistema financeiro. Quando se faz necessário, deposita-se dinheiro público nele, para que aguente firme… pelo menos até a próxima crise, e sobra sempre para os trabalhadores pagarem a conta.

Essas foram duas crises que marcaram 2009. E hoje, podemos afirmar: está claro que não resolveremos os grandes dilemas da humanidade no nosso tempo sob o sistema capitalista. Quem criou os problemas não é capaz de reagir a eles. Um outro mundo é, sim, possível.

Hoje, graças, também, ao FSM, existe mais espaço para que essa resposta ecoe. Movimentos sociais e a esquerda do mundo inteiro se reúnem para buscar alternativas. O SindBancários faz questão de ser parte de um processo que se propõe a tarefas tão grandiosas.

Para a programação do Fórum, oferecemos duas atividades que socializam o que acumulamos nestes últimos anos. Num seminário, discutiremos a regulação do sistema financeiro, um tema bastante atual e que precisa ser enfrentado pela esquerda, para que não sejamos reféns do mercado como querem os banqueiros. E o nosso CineBancários sediará o Ciclo de Cinema do Fórum, e apresentará uma programação especial na semana. Temos tido a felicidade de experimentar o quanto a arte e a cultura podem ser instrumentos da disputa de hegemonia que queremos travar.

E orgulha-nos, especialmente, ver a nossa Casa dos Bancários ser “Território Social Mundial”. Além das nossas duas atividades, a Casa receberá outros eventos e será referência para o público do Fórum Social Mundial.

Será muito bom iniciar 2010 com o seminário internacional de 10 anos do FSM. Será revigorante para impulsionarmos um ano de lutas e de conquistas. Nós, os movimentos sociais, precisamos aprender com a experiência que construímos e buscar novas formas de atuar, de interagir, de lutar. Precisamos respeitar e contemplar a diversidade que há entre nós. Precisamos renovar nossa disposição e nossa esperança, porque justiça, igualdade, não virá como concessão de ninguém, será produto da luta. Dez anos depois, sabemos, mais do que nunca, que um outro mundo não apenas é possível, como é necessário.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Declaração da Assembléia de Mulheres - FSM 2009

Belém, 1 de fevereiro de 2009

No ano em que o FSM encontra-se com a população da Pan-Amazônia, nós mulheres de diferentes partes do mundo, reunidas em Belém, afirmamos a contribuição das mulheres indígenas e das mulheres de todos os povos da floresta como sujeito político que vem enriquecer o feminismo a partir da diversidade cultural de nossas sociedades e conosco fortalecer a luta feminista contra o sistema patriarcal capitalista globalizado.

O mundo hoje assiste a crises que expõem a inviabilidade deste sistema. As crises financeiras, alimentar, climática e energética não são fenômenos isolados, mas representam uma mesma crise do modelo, movido pela superexploração do trabalho e da natureza e pela especulação e financeirizaçã o da economia.

Frente a estas crises não nos interessam as respostas paliativas e baseadas ainda na lógica do mercado. Isto somente pode levar a uma sobrevida do mesmo sistema. Precisamos avançar na construção de alternativas. Para a crise climática e energética, negamos a solução por meio dos agrocombustíveis e do mercado de créditos de carbono. Nós, mulheres feministas, propomos a mudança no modelo de produção e consumo. Para a crise alimentar, afirmamos que os transgênicos não representam uma solução. Nossa proposta é a soberania alimentar e a produção agroecológica. Frente à crise financeira e econômica, somos contra os milhões retirados dos fundos públicos para salvar bancos e empresas. Nós mulheres feministas reivindicamos proteção ao trabalho e direito à renda digna.

Não podemos aceitar que as tentativas de manutenção desse sistema sejam feitas à custa de nós mulheres. As demissões em massa, o corte de gastos públicos nas áreas sociais e a reafirmação desse modelo produtivo afeta diretamente nossas vidas à medida que aumenta o trabalho de reprodução e de sustentabilidade da vida.

Para impor seu domínio no mundo, o sistema recorre à militarização e ao armamentismo; inventa confrontações genocidas que fazem das mulheres botim de guerra e sujeitam seus corpos à violência sexual como arma de guerra contra as mulheres no conflito armado. Expulsa populações e as obriga a viver como refugiadas políticas; deixa na impunidade a violência contra as mulheres, o feminicídio e outros crimes contra a humanidade, que se sucedem cotidianamente nos contextos de conflitos armados.

Nós feministas propomos transformações profundas e radicais das relações entre os seres humanos e com a natureza, o fim da lesbofobia, do patriarcado heteronormativo e racista. Exigimos o fim do controle sobre nossos corpos e sexualidade. Reivindicamos o direito a decidir com liberdade sobre nossas vidas e territórios que habitamos. Queremos que a reprodução da sociedade não se faça a partir da superexploraçã o das mulheres.

No encontro das nossas forças, nós nos solidarizamos com as mulheres das regiões de conflitos armados e de guerra. Juntamos nossas vozes às das companheiras do Haiti e rechaçamos a violência praticada pelas forças militares de ocupação. Nossa solidariedade às colombianas, congolesas e tantas outras que resistem cotidianamente à violência de grupos militares e das milícias envolvidas nos conflitos em seus países. Nossa solidariedade com as iraquianas que enfrentam a violência da ocupação militar norte-americana. Nesse momento em especial nós nos solidarizamos com as mulheres palestinas que estão na Faixa de Gaza, sob ataque militar de Israel. E nos somamos a todas que lutam pelo fim da guerra no Oriente Médio.

Na paz e na guerra nos solidarizamos às mulheres vitimas de violência patriarcal e racista contra mulheres negras e jovens.

De igual maneira, manifestamos nosso apoio e solidariedade a cada uma das companheiras que estão em lutas de resistência contra as barragens, as madereiras, mineradoras e os megaprojetos na Amazônia e outras partes do mundo, e que estão sendo perseguidas por sua oposição legítima à exploração. Nós somamos às lutas pelo direito à água. Nós nos solidarizamos a todas as mulheres criminalizadas pela prática do aborto ou por defenderem este direito. Nós reforçamos nosso compromisso e convergimos nossas ações para resistir à ofensiva fundamentalista e conservadora, e garantir que todas as mulheres que precisem tenham direito ao aborto legal e seguro.

Nos somamos às lutas por acessibilidade para as mulheres com deficiência e pelo direito de ir e vir e permanecer das mulheres migrantes.

Por nós e por todas estas, seguiremos comprometidas com a construção do movimento feminista como uma força política contra-hegemô nica e um instrumento das mulheres para alcançar a transformação de suas vidas e de nossas sociedades, apoiando e fortalecendo a auto-organizaçã o das mulheres , o diálogo e articulação das lutas dos movimentos sociais.

Estaremos todas, em todo o mundo, no próximo 8 de março e na Semana de Ação Global 2010, confrontando o sistema patriarcal e capitalista que nos oprime e explora. Nas ruas e em nossas casas, nas florestas e nos campos, no prosseguir de nossas lutas e no cotidiano de nossas vidas, manteremos nossa rebeldia e mobilização.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O recado do povo latino-americano em Belém

(a foto acima é da Agência Carta Maior)

A Folha de S. Paulo segue em sua cruzada pela desqualificação do Fórum Social Mundial... tsc tsc. Que burrice. Tem 100 mil pessoas lá. O mundo está olhando pra lá. Não adianta dizer que não é importante.

Na edição de hoje, uma foto de capa mostra os presidentes Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) cantando ao lado de Aleida Guevara. A legenda classifica como "karaokê". A capa também chama para um artigo dispensável do dispensável Fernando Gabeira, que costuma não entender nada do que está acontecendo, e quando entende, costuma ficar do lado errado.

O jornal também deu destaque desproporcional à ausência de Lula ao encontro promovido pelo MST, e quase nada falou sobre o encontro dos presidentes na presença de mais de 10 mil pessoas. O leitor ou leitora da Folha não pôde ter acesso ao conteúdo do que foi dito nessa atividade, porque o jornal preferiu classificá-la como "um show seguido de discursos".

Mas ainda bem que meu amigo Eduardo Tadeu lá estava, e escreveu um pouco sobre o que se sentia diante de um evento dessa dimensão.


O recado do povo aos governantes

A reunião dos presidentes de Brasil, Venezuela, Paraguai, Bolívia e Equador, em atividade do Fórum Social Mundial, por si só, já seria um grande evento. Mas, por incrível que pareça, a foto, histórica, de Lula, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Fernando Lugo, em evento com mais de 10 mil pessoas de todo o mundo, não mereceu a capa de nenhum jornal de grande circulação no país.

No entanto, a energia dessas milhares de pessoas, com certeza, contagiou os cinco presidentes latino-americanos. Com vontade de mudar o mundo, os presentes à atividade colocaram-se à disposição da luta, acreditando que, como disse o presidente Evo Morales, esse mundo diferente já está sendo construído no FSM.

Tenho defendido que, para mudar o mundo, precisamos de uma boa teoria, com o diagnóstico da situação estrutural e conjuntural deste momento de crise do neoliberalismo, de derrocada das orientações dos órgãos do capital financeiro que, como disse o presidente Lula, davam notas aos países pobres e faliram.

Mas precisamos também de uma nova cultura, uma nova ideologia, baseada em valores como a solidariedade, o respeito à natureza, a justiça, entre outros. Essa nova cultura, como qualquer cultura, qualquer ideologia, não se aprende nos livros, não se aprende em aulas teóricas, mas na luta. Aprende-se na convivência. Aplica-se na vida e não nos textos.

O sentimento de pertencimento a um conjunto mais amplo de pessoas – aqueles e aquelas que querem um outro mundo melhor para todos e todas e que acreditam que esse mundo é possível e, como enfatizado pelos presidentes latino-americanos, necessário – é uma força que cria, ou mantém, a chama libertária, sem a qual não há transformação social. O Fórum Social Mundial é, portanto, portador da energia necessária à transformação social. Da construção de uma nova cultura.

Os presidentes, que foram ao FSM falar, também ouviram. Não apenas daqueles e daquelas a quem foi dada a oportunidade de se manifestar no microfone. Mas a força daquelas milhares de pessoas transmitiam aos presidentes uma clara mensagem: estamos aqui com força e disposição para mudar o mundo, acreditamos que um outro mundo é possível, lutamos por ele porque é necessário.

Presidentes, sigam no rumo da construção de outro mundo, alternativo ao capitalismo. Nós estamos aqui para lutar por esse mundo.

Eduardo Tadeu Pereira

(Pra quem não conhece o Edu, ele é professor de História, mestre em Educação, e atualmente está Prefeito de Várzea Paulista/SP, em seu segundo mandato. É autor de Formar à Esquerda, publicado pela Edições Pulsar)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As mulheres e o poder (qual poder?)

Uma das atividades de hoje no Fórum Social Mundial é sobre as mulheres nos espaços de poder, promovida pela Secretaria Nacional de Mulheres do PT.

O tema provoca os movimentos de mulheres há muito tempo, claro. Em tempos de discussão de reforma política, a necessidade desse debate se reafirma e se atualiza. Mas, sob a perspectiva do feminismo, algumas novas questões precisam ser lançadas: de qual poder estamos falando? Exercer o poder para chegar aonde? Queremos sim mais mulheres nesses espaços. Mas queremos também mais mulheres que olhem para as outras mulheres. E queremos também transformar o poder. Não queremos entender que a única forma de se relacionar com o poder é essa, torta e viciada, que vemos por aí.

O Congresso Nacional tem apenas cerca de 8 a 9% de mulheres. As cotas para mulheres em chapas proporcionais são freqüentemente burladas pelos partidos e coligações, que acham que “a vida é assim”. O problema é que nenhum deles tem olhado para essa questão como estruturante da sociedade. Nenhum deles pensa sobre o que significa a exclusão das mulheres do espaço da política, quais as origens disso, quais as conseqüências, quais os impactos sobre a própria política e sobre a vida das mulheres.

Não esperamos, também, que todos se debrucem sobre essa questão. É uma preocupação que tem as cores da esquerda. Mas esta deve chamar para si a tarefa, e ter responsabilidade com a luta das mulheres e o combate a todo tipo de opressão. O problema, de novo, é que, mesmo na esquerda, as relações de poder são permeadas pelo machismo, e é evidente que o descompromisso com o tema, muitas vezes, tem a ver com o medo de se perder poder. Porque, como a Física já demonstrou que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, pra uma mulher ganhar poder, um homem vai ter que perder. Difícil, não?

Por outro lado, importante lado, não basta ser mulher. Não basta ser Yeda no Rio Grande do Sul ou Rosinha Matheus no Rio de Janeiro, pra ficar em apenas dois exemplos. Não basta, também, olhar pra sua trajetória individual como se fosse descolada de um processo patriarcal que desde sempre exclui as mulheres dos espaços de poder, marginalizando-as no campo do privado. Precisamos de mais mulheres comprometidas com o enfrentamento da desigualdade, todos os dias, em todos os espaços. É para isso que queremos o poder. Para mudar o mundo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A alegria do Fórum Social Mundial em sua nona edição

(foto da Agência Carta Maior)


A “cobertura” da Folha de hoje sobre o Fórum Social Mundial, que começou ontem em Belém, é uma piada.

A matéria divide ¾ de página com a publicidade de um cruzeiro, e o centro dela é a marcha de abertura do Fórum, que tradicionalmente abre as atividades do evento. Uma parte é um texto corrido, sobre a marcha (com foto), e outra parte são drops.

A meta é, visivelmente, desqualificar o Fórum Social Mundial. Para isso, o texto se utiliza de ironias sobre a relação dos(as) participantes do evento com o McDonald’s, sobre ser entoado o hino da Internacional Socialista, sobre a sede da Globo (TV Liberal, no caso da afiliada lá) estar no trajeto da marcha.

Nenhuma palavra sobre as atividades do Fórum, os países representados, os movimentos sociais reunidos, os objetivos da reunião, a atualidade do debate desde 2001.

Entre os drops, um satiriza o fato de a Federação Nacional dos Farmacêuticos ter como “lema” (sic) a idéia de “Palestina livre”. Muito engraçado, não? Totalmente fora da realidade, da conjuntura, da cabeça das pessoas. Por que diabos farmacêuticos(as) deveriam se preocupar com a Palestina??? Só porque está acontecendo uma guerra sanguinária lá? E eles estão no Fórum Social MUNDIAL, não no Fórum Farmacêutico Local? Ora, deveriam, isso sim, se preocupar com medicamentos e substâncias químicas dessas que fazem efeito quando jogadas no corpo das pessoas. Pra quê mais?

Depois, a reportagem destacou que adolescentes estrangeiras (reparem no gênero) compravam frutas típicas no Mercado Ver-o-Peso por até o dobro do valor normal. Também registrou que viu com os próprios olhos uma “visitante” ter sua carteira furtada. Poxa! E em vez de escrever uma matéria dispensável dessas, podia ter ajudado a menina a recuperar a carteira hein! Ok ok... temos que perdoar a reportagem. Devem ter ficado paralisados tamanha surpresa diante de um furto de carteira, algo que sempre lhes pareceu tão distante da realidade.

Mas, pra mim, o pior foi a forma como o jornal tratou a alegria dos participantes do Fórum. Afirma que a marcha de abertura foi uma manifestação “com jeito carnavalesco”. Citou as baterias que tocavam samba, grupos fantasiados de palhaços e o fato de que as pessoas “pulavam”. Era uma tentativa de dizer que a coisa não é séria. Lembrei do Eduardo Galeano:

“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagens. Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”.

Esse pessoal nos quer, a nós, a esquerda, carrancudos. Nos quer choramingando, rotuláveis, esteriotipáveis. Nos quer com úlceras e gastrites nervosas, nos quer enlouquecendo, nos quer sem amores, sem sorrisos, sem motivos pra festejar. Mas nós os temos. Uma luta que é por justiça, por liberdade, não tem como ser rancorosa. É alegre. E porque a revolução é alegre, eles têm medo de nós. Porque nosso sorriso pode contagiar.

Que bom que Belém estava sorridente ontem. Viva o Fórum Social Mundial!