quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Você não samba, mas tem que aplaudir!"

Nestes últimos dias fiquei sabendo de duas histórias lamentáveis envolvendo duas grandes figuras da atual geração do samba carioca.

Zeca Pagodinho vai tocar no “Paulistano”, clube da elite elitíssima abastada e bem-resolvida e auto-suficiente paulistana. Dos Jardins. Não vem ao caso entender por que ele vai lá. Mas dizem que há uma semi-revolta por parte de alguns sócios do clube, que se comunicaram com a direção do mesmo registrando sua opinião de que é um absurdo e de que é descabido receberem o samba de Zeca Pagodinho.

Ele, por sua vez, diz que foi convidado, não se ofereceu, e, portanto, não vai falar sobre a polêmica.

Dudu Nobre foi vítima de racismo dos brabos num vôo de volta dos States. Dois comissários de bordo, pelo que entendi, desrespeitaram profundamente o sambista e sua companheira. Desrespeito desses que não dá pra deixar passar em branco, ou afogar numa cerveja gelada. Desrespeito desses que é com um de nós, e aí, é com todos nós mesmo.

Emblemático do que acontece quando alguém “de fora” adentra o olimpo dos “de dentro”. E tem gente que pensa que não existe ódio de classe. Ou que não existe preconceito, ou que existe pouco. Quem sofre a discriminação sabe o que é isso. E a discriminação dos negros e das negras é racismo, é crime, e tem tudo a ver com ódio de classe também.

E os negros e as negras têm tudo a ver com o nosso samba. Samba tem história, a história do povo. Remete aos que foram escravizados pelos europeus durante mais de 3 séculos. Remete à resistência. Parece alegre, mas muitas vezes é triste. “O samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”, como disse Vinícius de Moraes. É com essa raiz que o samba vai pros espaços que não são dele, mas que, hoje, são obrigados a aceitá-lo. É com toda essa bagagem cultural que o samba conta a história do povo brasileiro, faz a crônica do seu cotidiano, reivindica a cultura popular, chora seus amores malfadados, celebra os amigos e a vida, e também bons amores, como não!

Não é a história dos capatazes que ele conta. O samba é dos morros do Rio, é das quebradas de São Paulo, é dos subúrbios da Bahia. É de qualquer lugar do Brasil, de qualquer esquina e qualquer botequim, onde poetas e músicos fazem samba como quem celebra. É por isso que nem todo mundo precisa aceitar o samba. E o samba também não quer aceitar todo mundo. Ninguém faz samba só porque prefere...

Mas mesmo assim, com todos os contrapontos, contratempos, contrabaixos que possa haver, com todas as discriminações, preconceitos, desigualdades, opressões, o samba é o hino de muita gente bamba. Talvez incomode os sócios do “Paulistano”. Problema deles.


***
Ninguém ouviu um soluçar de dor num canto do Brasil. Talvez amanhã possam ouvir. Eu desejaria que em cada canto desse país ecoasse o canto de negros e negras que comemoram a sua luta por liberdade, por igualdade e pelo fim das amarras da opressão e da exploração. E que esse canto ecoe noite e dia, ensurdecedor...

Esse canto devia ser um canto de alegria, mas soa como um soluçar de dor. Séculos de dor e de luta. Um brinde - com um bom samba! - à luta dos negros e negras deste país. 20 de novembro é Consciência Negra.

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