quarta-feira, 28 de junho de 2017

Futuros Militantes

Não se afobe não, que nada é pra já.

A História pode até parecer estranha, mas, uma hora, ela revelará com nitidez todos os meandros, manobras, manipulações e tudo que foi promovido em silêncio, num fundo de armário, com objetivos camuflados em camisetinhas amarelas, pato pateta, interesses escusos fantasiados de patriotismo. Não serão necessários milênios, milênios no ar. Algumas décadas serão suficientes.

E quem sabe, então, o Brasil será algum país submerso.

Os escafandristas virão explorar nossas casas. Encontrarão os computadores, celulares, reavivarão nossas contas nas redes sociais, nossas almas desnudas, raivosas ou assustadas. Encontrarão as expressões do ódio de classe, o desfile dos preconceitos sórdidos, e não encontrarão autocrítica em lado nenhum. Mas calma. Não haverá um deus para julgar ou punir. Quem faz isso é a História.

Sábios decifrarão com facilidade o eco daquelas palavras incisivas que alguns derramaram como se não houvesse amanhã. Fragmentos de panfletos, revistas semanais, mentiras, retratos. Vestígios de estranha civilização.

Não se afobe não, que nada é pra já. Um dia, tudo estará descortinado. As gerações futuras entenderão perfeitamente que foi golpe. Os protetores das vidraças não passarão. Futuros militantes, quiçá, marcharão - sabendo bem - pra coroar todo o esforço que um dia deixamos para eles.

E essa parte é agora.



SEXTA-FEIRA É GREVE GERAL.

[Que o marido da Ana Hickman nos perdoe o transtorno. A História, felizmente, registrará que estivemos em lados opostos.]

sábado, 17 de junho de 2017

Deja vu

Tive um deja vu estranho no último domingo, no aeroporto JK.

Ao regressar de Porto Alegre, os alto-falantes do local onde parei para um café tocavam a música “Regina, Let’s Go”, da banda paulista CPM 22 (nem sei se ainda existe ou a quantas anda, mas lembro que o Japinha era nosso colega na Ciências Sociais da USP).

Transportei-me imediatamente para 2001. As tarefas militantes me traziam a Brasília com alguma frequência, e não era raro parar para um lanche em qualquer lugar da rodoferroviária (depois das quatorze horas de ônibus que separam São Paulo e Brasília) e deparar com “Regina, Let’s Go” bombando na rádio.

Nas festas, quando a música rolava, eu gostava de gritar bem alto “eu não vou mais me importaaaaar”. Quando você supera os vinte anos, percebe que cada vez você se importará menos, o que, como tudo na vida, tem um lado bom e um lado ruim. Você se fere menos na medida em que menos se importa. Mas o mundo muda menos também.

Quando era do movimento estudantil, vir a Brasília significava combater as políticas neoliberais de FHC e sua turma, DEM à frente. Greve nas universidades federais, rejeição ao “provão” (lembram?), resistência a todas as tentativas de privatização. Reforma da Previdência e Trabalhista estavam sempre em pauta, mas eles não conseguiram executar – pelo menos, não plenamente.

Agora era eu, numa tarde de domingo, regressando de Porto Alegre, minha cidade adotiva, para a cidade onde vivo, Brasília. O vocalista do CPM 22 continuava a declarar “eu não vou mais me importaaaaar”. Chegou a dar um frio na barriga. Não existe mais aquela MTV que me apresentou essa música. Eu continuo me metendo nas confusões que jorram gás lacrimogêneo e spray de pimenta, que atormentavam a mente da minha mãe naquela época. Voltamos a estar sob fortes ataques a direitos trabalhistas e até a qualquer avanço cívico. A ânsia de destruição parece pior agora, depois de catorze anos de governos progressistas. A dor no peito de sentir-se ora acuada, ora perdida, e sempre indignada, também aperta mais forte.

E, tendo vivido dezesseis anos mais, o verso que incomoda não é “eu não vou mais me importaaaar”. Mas sim aquele que fecha a música: “daqui a pouco é tarde demais”.

A gente precisa se achar logo.