quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Aborto nas eleições 2010: autonomia, saúde, crime e castigo

Abaixo, o resumo do artigo que submeti ao IV Seminário Nacional de Ciência Política da UFRGS, que acontece entre 8 e 10 de novembro.

Resumo:

A campanha eleitoral de 2010 no Brasil teve características peculiares. Pela primeira vez, uma mulher apresentou-se à disputa com condições reais de chegar à Presidência da República. Duas dos três principais candidatos eram mulheres. No que se refere ao conteúdo dos debates públicos, as eleições foram marcadas por temas de cunho moral e religioso, destacadamente, a questão do aborto.

Sem ser assumida na plataforma programática de nenhuma das três principais candidaturas, a virtual proposta de descriminalização do aborto foi alçada à condição de tema prioritário. Entretanto, o debate em torno dele não foi de natureza político-programática, mas sim, enviesado pela busca de apoio de lideranças religiosas, o que impôs uma tônica moralista normativa à abordagem do tema pelos candidatos. Ao mesmo tempo, os números da prática de aborto no país dão conta de que cerca de 15% das mulheres brasileiras que têm entre 18 e 39 anos afirmam já ter realizado pelo menos um aborto – dado encontrado pela Pesquisa Nacional de Aborto, publicada em 2010 pela Universidade de Brasília, em parceria com o Instituto Anis de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

O presente trabalho pretende analisar a forma como a questão emergiu no cenário eleitoral, como se desenrolou, e assim, investigar a tática a que tal abordagem serviu, bem como suas implicações à disputa de posições sobre legalização do aborto no Brasil. Para isso, foram analisados todos os textos do jornal Folha de S. Paulo que mencionaram a palavra “aborto” entre 18 de agosto e 29 de outubro de 2010, período que corresponde à propaganda político-eleitoral na TV. O objetivo era identificar as linhas de discurso das duas candidaturas que foram ao segundo turno – Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) – para o tema, por meio de sua exposição na imprensa.

A inédita presença feminina na disputa presidencial e o destaque dado às questões morais, religiosas e da família são fatos associados. Essa associação encontra fundamentação nas teses feministas de divisão sexual do trabalho e da caracterização do espaço público como masculino e do espaço privado como feminino.


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A íntegra do trabalho pode ser acessada aqui.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

I Conferência Livre de Jovens Mulheres

Hoje, aqui em Porto Alegre, começa a I Conferência Livre de Jovens Mulheres. Eu estou na mesa do primeiro painel, sábado de manhã, sobre "Mulher e Mídia". Abaixo, mais informações. Pra acessar o blog do evento, clique aqui.

Abaixo, a programação da conferência:


07 de Outubro de 2011

18h – Credenciamento
19h – Abertura - Composição da mesa com autoridades
19h40 – Grande Painel: “Memórias de um Passado Recente”. Panelistas: Maria Mulher; Movimento de Mulheres Camponesas; Mari Perusso - Confederação das Mulheres do Brasil e Mari Machado – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
21h – Coquetel de Encerramento

08 de Outubro de 2011

8h30 – 1º Painel: Comunicação em Pauta: Mulher e Mídia. Palestrantes: Alessandra Terribili; Bia Barbosa; e Juliana Nunes.
10h30 – GT: Politica para Jovens Mulheres: Saúde Integral e Combate à Violência. Entidades Debatedoras: Nadine Anflor - Conselheira CDES e Delegada de Mulheres; Maíra Taborda - Secretaria de Politica para Mulheres/RS; LIGA Brasileira de Lésbicas; Clarivani - MNLM.
12h – Intervalo para almoço
13h30 – Apresentação Cultural: Dança Afro
13h45 – 2º Painel: Mulheres Jovens no Poder. Painelistas: Mariana Carlos – Vereadora de Cachoeira do Sul; Ariane Leitão – Mebro da Equipe da Casa Civil/RS; Gleidy Braga Ribeiro - Secretaria Nacional de Juventude;
15h30 – GT: Educação, Lazer e Cultura. Debatedoras: Tiely Queen – ONG Maças Podres; Alexandra Castilhos – UEE Livre; Maria Mulher.
17h30 – Encerramento.

E depois, todas (e todos) estão convidadíssimos para o Tributo a Clara Nunes, no Tapas Bar.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A publicidade e o machismo nosso de todo dia

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia."
(Marina Colasanti)

A publicidade nunca se notabilizou por ter qualquer capacidade de contribuir para transformar relações de desigualdade e intolerância, corrigir distorções, superar contradições. Muito antes pelo contrário. Na maioria esmagadora das vezes, ela se vale justamente de estereótipos preconceituosos, do medo, de constrangimentos, para vender seus produtos com "eficiência".

Para as mulheres, a mensagem dirigida, muitas vezes, é: "para não ser feia, encalhada, indesejada, você deve usar este cosméstico". Ou ainda: "para dar conta de trabalhar, cuidar dos filhos, do marido, da casa, e ainda ser gostosa, você deve usar este produto de limpeza". Isso não é a exceção. Difícil é fugir desse padrão.

E mesmo estando habituadas a sermos tratadas dessa forma, ainda nos espanta quando esse reacionarismo todo atinge níveis elevados, como aconteceu com a tal peça da Hope na TV, com Gisele Bundchen estrelando. Uma das mulheres mais poderosas e midiáticas do país coloca-se em posição de plena submissão e ensina que não se devem dar "más notícias" vestida.

Ora, vejamos: as más notícias a que ela se refere são episódios como acidente de carro e limite de cartão de crédito estourado. Nada de novo. Nada mais batido, senso comum e estereotipado que acusar as mulheres de serem más motoristas e boas gastadoras. Nada mais senso comum, também, que afirmar que uma mulher só é respeitada por seu "sex appeal".

O problema é que a gente não precisa, não pode e não deve se acostumar a ser vista e exibida dessa forma. Sempre que possível, é preciso sim denunciar o machismo contido nesse tipo de abordagem, porque se a gente não fala nada, quem vai falar? E se ninguém falar, nunca essa baixaria toda vai parar. Vai se fortalecer e continuar alimentando o conjunto da desigualdade que encontramos na nossa sociedade, que se expressa, com mais visibilidade, em tantos casos de violência doméstica, sexual, discriminação no mercado de trabalho e etc. Tem uma bitola nos olhos quem não vê que tudo isso está tremendamente relacionado.

Hoje, boa parte dos que mais se autodeclaram temerários à censura estiveram do lado de lá quando ela foi aplicada em regime de exceção no Brasil. Quando havia censura à arte, à informação, à livre circulação de ideias, à liberdade de expressar opiniões.

É uma nítida demonstração de retórica da ameaça, na proposição de Albert Hirschman, sugerir que a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal não possa cobrar um posicionamento do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), porque isso seria "censura". Nada pode ser mais infantil que corroborar com essa afirmação. A SPM está cumprindo seu papel, e deve fazê-lo. Por que a gente precisa aceitar?

Esse pessoal que adora temer a "censura" faz parte do seleto grupo de proprietários da mídia e seus financiadores, que censura impiedosamente qualquer tentativa de debate (eu disse: de debate) sobre a democratização da comunicação e sobre o combate dos excessos cometidos diariamente pelos veículos de mídia. Essa retórica toda é só pra, mais uma vez, tentar nos disciplinar. Mas uma ordem que me subjugue, não quero não, obrigada.

Portanto, um viva à liberdade de criticar o que nos oprime, à liberdade de expressar nosso desconforto, e de disputar para que seja diferente. Porque de mau uso e de subversão da liberdade de expressão, o mundo já está saturado.

* Alessandra Terribili, jornalista, mestranda em Ciência Política pela UFRGS.