segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Violência de "gênero" é o escambau

Para combater a violência contra as mulheres, é preciso tratá-la como elemento da vida real, e mostrar que o agressor é um homem e a agredida é uma mulher.


Nestes dias, o Brasil acompanha o julgamento do assassino de Eloá Pimentel, uma menina de 15 anos morta pelo ex-namorado. O motivo: ela rompeu com ele. Inconformado, e valendo-se do machismo que não aceita que as mulheres tenham as rédeas da própria vida, o rapaz sequestrou a moça e a manteve em cárcere privado por dias. Ao final, ela foi assassinada em rede nacional.

A atuação desastrosa da polícia paulista no caso é memorável. Basta lembrar que mandou de volta ao cativeiro uma vítima que havia sido libertada pelo sequestrador, a menina Naiara, que, ao final, teve como saldo a perda da melhor amiga e um tiro no rosto. Eloá pagou com a vida. Foi atingida por dois tiros que o sequestrador disparou quando a polícia invadiu o local.

Outra característica daquela situação foi a cobertura em tempo real. Enquanto Eloá e Naiara estavam sob a mira do revólver de Lindenberg, também estavam sob os holofotes da mídia. É certo que a cobertura jornalística deve haver. Para informação da população, para divulgação dos casos e para oferecer um olhar atento que intimide o criminoso. Mas o que se viu ali foi uma cobertura que, de tão sensacionalista, quase chegou a confundir vida real e ficção.

É importante que duas coisas fiquem claras. Uma, a violência contra a mulher não é ficção, não é tragédia de teatro e não acontece só com mulheres bem distantes da vida real. Casos como o de Eloá acontecem o tempo todo. Quem não se lembra da morte da cabelereira Maria Islaine, registrada pelas câmeras de segurança que ela mesma instalou para defender-se do ex-marido? Ou não percebe as incontáveis histórias de mulheres mantidas em cárcere privado por ex-maridos ou ex-namorados? Por que isso acontece? Os homens têm uma tendência "natural" à violência e as mulheres têm predisposição para ser vítima?

Desde sempre essas histórias acontecem (recuperei essa ideia em texto sobre o caso Elisa Samudio). O machismo é uma coisa integral que se manifesta em esferas diversas: na desigualdade salarial, em expressões culturais que subordinam as mulheres, nos atos de violência sexista, em ditas "tradições" que aprisionam as mulheres à vida doméstica de modo a cumprir dupla jornada e realizar gratuitamente uma massa de trabalho infinita. Isso tudo é uma coisa só, cada esfera retroalimenta a outra e assim vai. Combater o machismo é ter um olhar integral e integrado sobre tudo isso.

É por isso que não toleramos as famosas "brincadeirinhas" machistas, sem nos importar em sermos classificadas como "sem senso de humor". É por isso que repudiamos a mercantilização dos corpos das mulheres. É por isso que não aceitamos que homens que lutam dentro de partidos de esquerda e de movimentos sociais reproduzam, no âmbito privado, relações de dominação sobre as mulheres.

E, fundamentalmente, é por isso que não dá pra falar em "violência de gênero" e expressões derivadas. A violência é contra a mulher. Invisibilizar o alvo da violência é não contribuir para o seu enfrentamento. É preciso que se diga quem é a vítima e quem é o agressor. Gênero é categoria de análise, gênero não é sujeito de nada. Quem está exposta à violência são as mulheres, assim como quem se organiza para enfrentá-la são as mulheres.

O caminho para não permitir que haja mais moças de 15 anos que têm a vida interrompida nas mãos de um ex-namorado, mais mulheres e senhoras vítimas de violência doméstica, de cárcere privado, de assassinato, é entender que essa violência é cometida por homens sobre mulheres. É importante ter políticas para a prevenção e o enfrentamento. É importante que as pessoas entendam que é inaceitável, intolerável. É importante desnaturalizar as bases culturais dessa opressão. É importante desconstruir a base material da desigualdade. E pra tudo isso acontecer, uma coisa bem simples precede: é preciso deixar explícito que a violência é produto do machismo - aquele de todo dia, que não é nenhum espetáculo de TV. Chamar de "violência de gênero" significa andar dez passos para trás nessa caminhada.