segunda-feira, 22 de maio de 2017

Algo está faltando


Semana passada, eu extraí uma pinta. Uma pinta, uma marca do rosto, que ficava na lateral da minha face, praticamente no meio do caminho entre o olho e a orelha.

Ela não existia quando eu era criança. Foi depois da adolescência que a bicha começou a se apresentar, e aumentar de tamanho até ensaiar tornar-se uma verruga. Uma verruguinha, vai, pequenina, tão inofensiva quanto indefesa. Feia porque em alto-relevo. Da outra pinta, no mesmo lado da face, mas abaixo, na altura do queixo, dessa eu gosto. Ela é marrom e não é pretuberante - e sempre esteve ali. A outra confundia-se com a pele pela cor, mas formava um pequeno monte em meio à planície. Não gostava dela desde que ela começou a se fazer notar.

Ameaço eliminá-la há meses já. Semana passada, encontrei tempo, disposição e coragem ao mesmo tempo e lá fomos nós. Não demorou, não doeu, foram dois pontinhos só.

Hoje cedo eu tirei o ponto que restara (um já havia sido removido). Olhei meu novo rosto, já sem a marca. O local onde ela existia está avermelhado, recuperando-se, cicatrizando, até não haver mais sinal nenhum de que ali houve, um dia, uma pinta com cara de verruga.

Veio uma sensação esquisita de não reconhecer meu rosto. Onde está aquela coisa? Eu não gostava dela, mas ela sempre esteve ali. Ok, não sempre. Não sempre. Mas um dia ela chegou, sei lá quando, e desde então - faz tempo - ela estava ali, assombrando todas as minhas fotos de perfil. Tão inofensiva quanto indefesa.

Sei lá por quê senti essa espécie de vazio interior. Por que diabos eu quis extrair uma marca dessas, que a natureza pôs ali? Logo eu, que tenho centenas de restrições a intervenções cirúrgicas com finalidade estética. Não sei, essa pergunta não tem resposta. É estranho arrancar algo do seu próprio corpo sem ter necessidade. Olhar-se no espelho e não alcançar aquela marca.

Vai ver que é coisa do tempo também. O tempo põe marcas no nosso corpo: linhas de expressão, cicatrizes, manchas. Mas ele tira também: ele tira porque ele te traz a iniciativa de tirar.

Acho que em algum momento eu vou deixar de sentir falta da tal pintinha, e vou até esquecer, porque em seu lugar, a pele nova chegará e inundará o vazio que tinha ficado. O que eu não vou esquecer é essa sensação louca de arrancar algo de si mesma e depois perguntar-se onde está aquilo. Com todas as metáforas e analogias que isso pode gerar. Ser humano é um troço muito louco mesmo.

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