Eu tenho a impressão que, neste momento sombrio que vivemos, conservar a alegria chega a ser um gesto revolucionário.
Guimarães Rosa afirmou, encarnado em Dito dando conselho a Miguilim, "que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo". É difícil, mas é importante. E não se trata de autoajuda ou coaching for life e nada disso. É que gente triste, entediada, desesperançosa, essa gente não muda a realidade.
Sábado, quando o grupo Praga de Baiano abriu sua apresentação provocando: "não se assuste pessoa se eu lhe disser que a vida é boa", aquilo mexeu com um monte de coisas dentro de mim. Se a alguns cantar isso pode aparentar maluquice ou alienação, eu tenho a plena certeza de que só assim superamos estas trevas. Só iluminando de sorrisos.
Vejo tanta gente adoecendo o meu redor, de doenças da alma, vejo tanto medo e tanta violência nos atos e nas palavras, que se a gente não tiver a alegria para se acolher, se acalentar, eles vencerão. Tanta gente que se deixa contaminar por esse terror todo e se instrumentaliza de insegurança, de desconfiança, de ensimesmamento para poder sobreviver... Eu penso que tem que ser exatamente o contrário.
Não à toa os artistas se tornaram inimigos a serem combatidos. A alegria é poderosa. A arte é poderosa. A memória é poderosa. A generosidade é poderosa Tentarão destruir tudo isso, mas nós as defenderemos.
"Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas".
(Mario Benedetti)
Música, feminismo, diálogos, política, futebol, crônica e poesia convivendo no mesmo espaço. E sem conflito.
Mostrando postagens com marcador democracia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador democracia. Mostrar todas as postagens
segunda-feira, 10 de junho de 2019
segunda-feira, 3 de junho de 2019
Juntas
Uma vez, ao dizer a um interlocutor respeitável, que não gosto de uma cantora famosa, ouvi assim:
- Vocês mulheres são muito cruéis umas com as outras.
É sim verdade. E é sim mentira. Porque a vida é o quê? É dialética mesmo.
Hoje em dia, não me poupo mais de meus gostos e desgostos. Gosto das minhas opiniões formadas, porque as formo à revelia de quem me queria eterna aceitante do que me trazem. Então não, então opino. Gosto e não gosto. Meu gosto. Boto à prova, na serenidade de quem sabe o que quer e tenta saber ouvir. Na insegurança de quem quer sempre ser compreendida, não julgada.
Dizem que as mulheres são bastante competitivas entre si, especialmente nos espaços que mais habitei nesta vida, como Música e Política. E por que será? Desde cedo, sempre percebemos que não há espaço pra todas. São poucas as mulheres que vencem, e essas sempre são usadas para que o status quo afirme que as mulheres sempre podem vencer. É mentira que sempre podem. Os filtros que colocam pra nós são da ordem do MUITO MAIS (mas MUITO MAIS mesmo) que pros homens. Muitos filtros. E eles vêm, principalmente, da vida material. Você sabe por quê Clementina e Jovelina só se tornaram conhecidas depois de terem mais idade?
Pois então. Não xingue nem critique nem muito menos condene as mulheres que têm essa dificuldade, que se veem em disputa, que temem perder o que não têm - seu espaço. De outro lado, nós também vamos entender que não há nada o que fazer se não for juntas. Chega de ser a exceção. Queremos ser a regra.
Sabe o que é mais legal? Tentar fazer realmente um mundo onde caibam TODAS, como cabem os homens. Personalidades, forças, vivências, artes, tudo é diverso, as mulheres são tantas! Eu quero um mundo onde caibam todas. E se não... Por que será que os homens teriam tanto receio das cotas??! Perder espaço? Pois é! Bem-vindoooos!
- Vocês mulheres são muito cruéis umas com as outras.
É sim verdade. E é sim mentira. Porque a vida é o quê? É dialética mesmo.
Hoje em dia, não me poupo mais de meus gostos e desgostos. Gosto das minhas opiniões formadas, porque as formo à revelia de quem me queria eterna aceitante do que me trazem. Então não, então opino. Gosto e não gosto. Meu gosto. Boto à prova, na serenidade de quem sabe o que quer e tenta saber ouvir. Na insegurança de quem quer sempre ser compreendida, não julgada.
Dizem que as mulheres são bastante competitivas entre si, especialmente nos espaços que mais habitei nesta vida, como Música e Política. E por que será? Desde cedo, sempre percebemos que não há espaço pra todas. São poucas as mulheres que vencem, e essas sempre são usadas para que o status quo afirme que as mulheres sempre podem vencer. É mentira que sempre podem. Os filtros que colocam pra nós são da ordem do MUITO MAIS (mas MUITO MAIS mesmo) que pros homens. Muitos filtros. E eles vêm, principalmente, da vida material. Você sabe por quê Clementina e Jovelina só se tornaram conhecidas depois de terem mais idade?
Pois então. Não xingue nem critique nem muito menos condene as mulheres que têm essa dificuldade, que se veem em disputa, que temem perder o que não têm - seu espaço. De outro lado, nós também vamos entender que não há nada o que fazer se não for juntas. Chega de ser a exceção. Queremos ser a regra.
Sabe o que é mais legal? Tentar fazer realmente um mundo onde caibam TODAS, como cabem os homens. Personalidades, forças, vivências, artes, tudo é diverso, as mulheres são tantas! Eu quero um mundo onde caibam todas. E se não... Por que será que os homens teriam tanto receio das cotas??! Perder espaço? Pois é! Bem-vindoooos!
quinta-feira, 30 de maio de 2019
O Sonho, a Vida, a Roda Viva
Assisti pela TV Brasil o show MPB-4 - O Sonho, a Vida, a Roda Viva - 50 Anos Ao Vivo. Sem medo de recorrer ao senso comum da expressão "eu faço parte disso", eu afirmo emocionadamente que é bem o contrário: o MPB-4 faz parte de muito do que sou e, especialmente, do que me tornei ao trazer a Música para o centro da minha vida.
Eu os escuto encantada desde pequena, quando O Pato me enchia de compaixão porque só se dava mal, mas mesmo depois de ir para a panela, continuava quaquarejando e resmungando coisas que eu não entendia, até a música terminar. Comoveram-me todas as parcerias com o Quarteto em Cy, que amo também, e acho que tudo que interpretaram juntos se tornaram versões definitivas - olha que foram algumas das mais belas obras da nossa Música Popular. Entre os primeiros CDs que comprei, estava lá um da coleção Millenium, Quarteto em Cy e MPB-4. Certamente um dos que eu mais ouvi na vida.
Acompanhando esse lindo show ao qual aqui me refiro, dei-me conta de que a influência deles sobre mim é ainda maior do que eu pensava. Aquele repertório comemorativo - aliás: eles sabem melhor do que ninguém escolher repertório -, traz músicas que falam comigo diretamente ao coração, saem pelo corpo carregando meu sangue e, sei lá como, chegam à garganta, e aí eu canto.
A participação especial de Kleiton e Kledir foi o que sacramentou tal percepção. Por que diabos eu cortei essa do set-list, pensei comigo, referindo-me a Vira Virou, que eu queria ter cantado no lançamento do meu Outras Manhãs, mas foi uma das que precisei riscar para que o show coubesse em uma hora e meia. No pot-pourri do bis, lá estão eles a expor a questão amarga de Sidney Miller, Pois É, Pra Quê?, canção afiada à qual destinei a mesma borracha.
Até o que eu não fiz está presente em mim através deles.
Então, sem ter como agradecer o MPB-4 por todas as aulas que já tive com eles nesta vida; eu precisei vir aqui dizer isso pra vocês que me leem: quem tiver a oportunidade de assistir MPB-4 - O Sonho, a Vida, a Roda Viva - 50 Anos Ao Vivo, agarre-a com um abraço afetuoso.
Eu os escuto encantada desde pequena, quando O Pato me enchia de compaixão porque só se dava mal, mas mesmo depois de ir para a panela, continuava quaquarejando e resmungando coisas que eu não entendia, até a música terminar. Comoveram-me todas as parcerias com o Quarteto em Cy, que amo também, e acho que tudo que interpretaram juntos se tornaram versões definitivas - olha que foram algumas das mais belas obras da nossa Música Popular. Entre os primeiros CDs que comprei, estava lá um da coleção Millenium, Quarteto em Cy e MPB-4. Certamente um dos que eu mais ouvi na vida.
Acompanhando esse lindo show ao qual aqui me refiro, dei-me conta de que a influência deles sobre mim é ainda maior do que eu pensava. Aquele repertório comemorativo - aliás: eles sabem melhor do que ninguém escolher repertório -, traz músicas que falam comigo diretamente ao coração, saem pelo corpo carregando meu sangue e, sei lá como, chegam à garganta, e aí eu canto.
A participação especial de Kleiton e Kledir foi o que sacramentou tal percepção. Por que diabos eu cortei essa do set-list, pensei comigo, referindo-me a Vira Virou, que eu queria ter cantado no lançamento do meu Outras Manhãs, mas foi uma das que precisei riscar para que o show coubesse em uma hora e meia. No pot-pourri do bis, lá estão eles a expor a questão amarga de Sidney Miller, Pois É, Pra Quê?, canção afiada à qual destinei a mesma borracha.
Até o que eu não fiz está presente em mim através deles.
Então, sem ter como agradecer o MPB-4 por todas as aulas que já tive com eles nesta vida; eu precisei vir aqui dizer isso pra vocês que me leem: quem tiver a oportunidade de assistir MPB-4 - O Sonho, a Vida, a Roda Viva - 50 Anos Ao Vivo, agarre-a com um abraço afetuoso.
sábado, 14 de abril de 2018
Quem matou Marielle Franco?
Eu não conheci a Marielle Franco pessoalmente. Mas conheci sua campanha, em 2016. Amigos/as em quem confio, do PSOL ou não, pediam votos pra ela entusiasmadamente. Ela só podia ser uma pessoa boa. No adorável e resistente Bip-Bip, a maior parte dos frequentadores, notei certo domingo, se dividiam entre ela e Reimont. Peguei o panfleto, achei legal pra caralho. Ela só podia ser uma pessoa boa.
Recebi com alegria a notícia de sua eleição por expressiva votação. Torci pra que o mandato fosse bom, porque o Rio merece, a periferia merece. Porque as mulheres negras das favelas merecem essa referência. Ela só podia ser uma pessoa boa.
Há um mês, aquele nome, Marielle Franco, que li em panfletos e diálogos de luta e de esperança, estava numa notícia horrível, digna deste nosso tenebroso tempo. A dor pesa 500 toneladas. Tão difícil colocar nesses quase-sempre-odiáveis parlamentos uma mulher negra da favela. Lutadora dos direitos humanos. Quando ela chega lá, dão-lhe quatro tiros na cabeça e pronto. Eles atiram na esperança da gente, na esperança do povo pobre. Ela foi morta porque estava fazendo bem seu trabalho. Marielle foi morta porque estava honrando cada um de seus mais de 46 mil eleitores.
Mataram uma vereadora no meio da rua na ex-capital do país. Ela era uma pessoa boa.
Recebi com alegria a notícia de sua eleição por expressiva votação. Torci pra que o mandato fosse bom, porque o Rio merece, a periferia merece. Porque as mulheres negras das favelas merecem essa referência. Ela só podia ser uma pessoa boa.
Há um mês, aquele nome, Marielle Franco, que li em panfletos e diálogos de luta e de esperança, estava numa notícia horrível, digna deste nosso tenebroso tempo. A dor pesa 500 toneladas. Tão difícil colocar nesses quase-sempre-odiáveis parlamentos uma mulher negra da favela. Lutadora dos direitos humanos. Quando ela chega lá, dão-lhe quatro tiros na cabeça e pronto. Eles atiram na esperança da gente, na esperança do povo pobre. Ela foi morta porque estava fazendo bem seu trabalho. Marielle foi morta porque estava honrando cada um de seus mais de 46 mil eleitores.
Mataram uma vereadora no meio da rua na ex-capital do país. Ela era uma pessoa boa.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
A nova política
Nada mais velho do que se autodeclarar o novo.
Desde que me conheço por ser político, sempre há quem se vista sob o manto da novidade. É um discurso tão sedutor quanto falso.
As agendas políticas que vêm ganhando espaço na esquerda não são novas, e esse espaço é produto da luta, da formulação e da autoorganização de tempos. A reação a essas bandeiras não é nova, tampouco inesperada. A tática da apresentação de empresários, apresentadores de TV ou pseudocelebridades em geral como alternativa aos "políticos" não é nova, porque a negação da política não é nova. Construir um partido com lindo e moderno layout que gira em torno de uma candidatura à Presidência da República não tem absolutamente nada de novo.
Vejo as velhas práticas de sempre em tudo que se autodenomina "o novo". Personalismo, fisiologismo, vale-tudo na disputa interna, centralização de decisões.
Não tenho nenhum fetiche quanto ao "novo". Pra falar a verdade, gosto de um monte de coisas que são velhas, no sentido de terem sido concebidas há muito tempo.
Mas é que, pra mim, certas ideias formuladas há bastante tempo não perderam a validade, não envelheceram, e não porque "os sonhos não envelhecem". Mas sim porque não foram testadas em sua plenitude. Não tiveram chance de serem desenvolvidas.
Estive em muitos espaços políticos em que a intervenção mais inovadora veio do militante mais velho, que, por meio de ideias que nos acolhem desde antes de nascermos, aponta para um lugar ao qual nunca conseguimos chegar, percorrendo um trajeto que, até hoje, nunca ousamos percorrer. Ao mesmo tempo, cansei de ver gente jovem acostumar-se a vícios políticos e degenerações de variadas espécies muito mais e muito antes que aqueles(as) que lá estão há mais tempo.
A chave da "renovação" é válida, mas ela tem limites. É bom que tenhamos novos porta-vozes para o mesmo projeto. Mas quero saber qual o projeto. Quero saber: renovar em que bases?
A dualidade velho/novo, na política, é vazia. Velho e novo não encerram qualidade a priori. Às vezes, é o que chamam de velho que abre caminho para o novo momento.
Desde que me conheço por ser político, sempre há quem se vista sob o manto da novidade. É um discurso tão sedutor quanto falso.
As agendas políticas que vêm ganhando espaço na esquerda não são novas, e esse espaço é produto da luta, da formulação e da autoorganização de tempos. A reação a essas bandeiras não é nova, tampouco inesperada. A tática da apresentação de empresários, apresentadores de TV ou pseudocelebridades em geral como alternativa aos "políticos" não é nova, porque a negação da política não é nova. Construir um partido com lindo e moderno layout que gira em torno de uma candidatura à Presidência da República não tem absolutamente nada de novo.
Vejo as velhas práticas de sempre em tudo que se autodenomina "o novo". Personalismo, fisiologismo, vale-tudo na disputa interna, centralização de decisões.
Não tenho nenhum fetiche quanto ao "novo". Pra falar a verdade, gosto de um monte de coisas que são velhas, no sentido de terem sido concebidas há muito tempo.
Mas é que, pra mim, certas ideias formuladas há bastante tempo não perderam a validade, não envelheceram, e não porque "os sonhos não envelhecem". Mas sim porque não foram testadas em sua plenitude. Não tiveram chance de serem desenvolvidas.
Estive em muitos espaços políticos em que a intervenção mais inovadora veio do militante mais velho, que, por meio de ideias que nos acolhem desde antes de nascermos, aponta para um lugar ao qual nunca conseguimos chegar, percorrendo um trajeto que, até hoje, nunca ousamos percorrer. Ao mesmo tempo, cansei de ver gente jovem acostumar-se a vícios políticos e degenerações de variadas espécies muito mais e muito antes que aqueles(as) que lá estão há mais tempo.
A chave da "renovação" é válida, mas ela tem limites. É bom que tenhamos novos porta-vozes para o mesmo projeto. Mas quero saber qual o projeto. Quero saber: renovar em que bases?
A dualidade velho/novo, na política, é vazia. Velho e novo não encerram qualidade a priori. Às vezes, é o que chamam de velho que abre caminho para o novo momento.
terça-feira, 29 de agosto de 2017
A cólera nos tempos da comunicação em rede
Eu não sou lá muito adepta das teses derivadas da hipótese “gentileza gera gentileza”, porque, submersos na cultura capitalista como estamos, a antiquada lei de Gérson acaba fazendo mais sentido na cabeça de boa parte das pessoas.
Mesmo assim, não perder a esperança é um desafio quase diário. Hoje em dia, então, equivale a enfrentar, por dia, cinco leões malabaristas, halterofilistas e domadores de seres humanos. A direita institucional sabe muito bem aproveitar a onda conservadora que forjou para implementar retrocessos que deixariam impressionados os papas do século XI e industriais do século XVIII. A direita difusa na sociedade aproveita para destilar seu ódio contra pobres, pretos, mulheres, homossexuais, estrangeiros de países pobres (sim, porque europeus e estadunidenses os encontram como tapetes estendidos), e qualquer mínima tentativa de distribuir riqueza neste país campeão em desigualdades históricas violentas.
Acrescente-se a esse lastimável quadro a era da comunicação em tempo real. A necessidade de responder a tudo de imediato. Anunciar aos sete ventos toda primeira impressão como se fosse uma opinião elaborada, e defendê-la com unhas, dentes e um teclado.
Eu sou ansiosa. Eu ando descrente da filosofia do “gentileza gera gentileza”. E até para mim, tudo isso tem sido assustador.
Sobra pra todo mundo. Aquele parente chato que votou no candidato oposto ao seu. Os colegas de trabalho com quem você convive, mas não conversa sobre esses temas pessoalmente. O cara que você não gosta, e aproveita qualquer assunto que apareça para alfinetá-lo. O Chico Buarque. A Sônia Braga. O Gregório Duvivier. As feministas da sua timeline. E por aí vai.
É uma perda coletiva de noção.
Nem ouso pedir “mais amor por favor”. Respeito já estaria bem. Nas aulas de Propaganda Ideológica na faculdade, aprendi que uma técnica fundamental do discurso nazista tanto quanto do discurso de guerra dos EUA é a desumanização do outro. Em frente a você, não há uma pessoa. Você aliena de seu adversário os sentimentos, a trajetória de vida, os pensamentos, como foi seu dia, como foi sua vida. Você cria um cara que poderia ser o adversário dos Transformers. E sendo assim, você pode matá-lo. Quando ele está atrás de um monitor, então, melhor ainda! Sem vê-lo, é mais fácil desumanizá-lo. E então, você pode matá-lo com requintes de crueldade.
Dirijo-me mais aos meus, porque há uma outra premissa em que acredito: viver como se pensa, para não terminar pensando da forma como temos vivido. Coerência é tudo, e creio que, neste triste momento histórico nosso, peito aberto é escudo.
Os tempos são duros o suficiente, não nos endureçamos para não parecermos muito com os tempos. Deixem os eu-líricos do Chico Buarque em paz. Sai do grupo de whatsapp da família, que só te irrita. Não xingue nem vocifere contra o pobre que acessou a universidade graças ao sistema de cotas, que foi implementado por um governo legítimo, eleito para executar esse programa. Para com a mania besta de provocar a amiga feminista com meia-dúzia de senso comum besta e machista. Faça um pouco de esforço para entender que a sua vida de pessoa branca é mais fácil que a de qualquer pessoa negra, e a responsabilidade sobre isso não é da pessoa negra. A gente pode discordar sem ser tosco. A gente pode disputar sem ter ódio.
Discurso gandhista à parte, como militante, fui formada numa tradição que entende que o mundo só muda a partir da ação coletiva organizada. Eu entendo, até certo ponto, a necessidade de responder com raiva a todo e qualquer ataque que se faz nas redes sociais contra as políticas e contra as pessoas em quem confiamos. Eu entendo a vontade incontrolável de criticar de imediato uma música sem ouvir duas vezes, sem pensar, sem contextualizar. Eu sei que nossa sensação de impotência diante das enormes injustiças nos traz aquele espírito do “dia de fúria”, e lá vem bomba. Eu chego perto até de entender essa necessidade de criar heróis e vilões, e de transformar heróis em vilões de uma hora para a outra, para a novela ficar mais emocionante.
Mas gente, isto aqui é vida real.
Quem muda a vida real não são personagens. São seres humanos. As leis que nos governam não são posts de facebook. Nossas verdades universais, nossas premissas, nossas convicções merecem que façamos por elas a boa batalha. E nós, mais do que ninguém, sabemos que elas não serão vitoriosas nem por decreto, nem por osmose.
Por favor, saibamos dimensionar nossa raiva.
Este poderia ser meramente um texto em defesa do seu próprio estômago, para evitarmos sua úlcera. Mas é em defesa de um padrão de civilidade que, se não existir, tornará bem mais difícil realizarmos nossa já difícil tarefa de mudar este mundo desgramado.
Mesmo assim, não perder a esperança é um desafio quase diário. Hoje em dia, então, equivale a enfrentar, por dia, cinco leões malabaristas, halterofilistas e domadores de seres humanos. A direita institucional sabe muito bem aproveitar a onda conservadora que forjou para implementar retrocessos que deixariam impressionados os papas do século XI e industriais do século XVIII. A direita difusa na sociedade aproveita para destilar seu ódio contra pobres, pretos, mulheres, homossexuais, estrangeiros de países pobres (sim, porque europeus e estadunidenses os encontram como tapetes estendidos), e qualquer mínima tentativa de distribuir riqueza neste país campeão em desigualdades históricas violentas.
Acrescente-se a esse lastimável quadro a era da comunicação em tempo real. A necessidade de responder a tudo de imediato. Anunciar aos sete ventos toda primeira impressão como se fosse uma opinião elaborada, e defendê-la com unhas, dentes e um teclado.
Eu sou ansiosa. Eu ando descrente da filosofia do “gentileza gera gentileza”. E até para mim, tudo isso tem sido assustador.
Sobra pra todo mundo. Aquele parente chato que votou no candidato oposto ao seu. Os colegas de trabalho com quem você convive, mas não conversa sobre esses temas pessoalmente. O cara que você não gosta, e aproveita qualquer assunto que apareça para alfinetá-lo. O Chico Buarque. A Sônia Braga. O Gregório Duvivier. As feministas da sua timeline. E por aí vai.
É uma perda coletiva de noção.
Nem ouso pedir “mais amor por favor”. Respeito já estaria bem. Nas aulas de Propaganda Ideológica na faculdade, aprendi que uma técnica fundamental do discurso nazista tanto quanto do discurso de guerra dos EUA é a desumanização do outro. Em frente a você, não há uma pessoa. Você aliena de seu adversário os sentimentos, a trajetória de vida, os pensamentos, como foi seu dia, como foi sua vida. Você cria um cara que poderia ser o adversário dos Transformers. E sendo assim, você pode matá-lo. Quando ele está atrás de um monitor, então, melhor ainda! Sem vê-lo, é mais fácil desumanizá-lo. E então, você pode matá-lo com requintes de crueldade.
Dirijo-me mais aos meus, porque há uma outra premissa em que acredito: viver como se pensa, para não terminar pensando da forma como temos vivido. Coerência é tudo, e creio que, neste triste momento histórico nosso, peito aberto é escudo.
Os tempos são duros o suficiente, não nos endureçamos para não parecermos muito com os tempos. Deixem os eu-líricos do Chico Buarque em paz. Sai do grupo de whatsapp da família, que só te irrita. Não xingue nem vocifere contra o pobre que acessou a universidade graças ao sistema de cotas, que foi implementado por um governo legítimo, eleito para executar esse programa. Para com a mania besta de provocar a amiga feminista com meia-dúzia de senso comum besta e machista. Faça um pouco de esforço para entender que a sua vida de pessoa branca é mais fácil que a de qualquer pessoa negra, e a responsabilidade sobre isso não é da pessoa negra. A gente pode discordar sem ser tosco. A gente pode disputar sem ter ódio.
Discurso gandhista à parte, como militante, fui formada numa tradição que entende que o mundo só muda a partir da ação coletiva organizada. Eu entendo, até certo ponto, a necessidade de responder com raiva a todo e qualquer ataque que se faz nas redes sociais contra as políticas e contra as pessoas em quem confiamos. Eu entendo a vontade incontrolável de criticar de imediato uma música sem ouvir duas vezes, sem pensar, sem contextualizar. Eu sei que nossa sensação de impotência diante das enormes injustiças nos traz aquele espírito do “dia de fúria”, e lá vem bomba. Eu chego perto até de entender essa necessidade de criar heróis e vilões, e de transformar heróis em vilões de uma hora para a outra, para a novela ficar mais emocionante.
Mas gente, isto aqui é vida real.
Quem muda a vida real não são personagens. São seres humanos. As leis que nos governam não são posts de facebook. Nossas verdades universais, nossas premissas, nossas convicções merecem que façamos por elas a boa batalha. E nós, mais do que ninguém, sabemos que elas não serão vitoriosas nem por decreto, nem por osmose.
Por favor, saibamos dimensionar nossa raiva.
Este poderia ser meramente um texto em defesa do seu próprio estômago, para evitarmos sua úlcera. Mas é em defesa de um padrão de civilidade que, se não existir, tornará bem mais difícil realizarmos nossa já difícil tarefa de mudar este mundo desgramado.
terça-feira, 4 de julho de 2017
Mesmo calado o peito, resta a cuca
A Cultura está sob ataque em todo o país.
Em São Paulo, o prefeito playboy e higienista estrangula tanto o Clube do Choro quanto a Orquestra do Teatro São Pedro; enquanto o pai político dele, o governador, mata a Banda Sinfônica do estado.
Em Porto Alegre, a Fundação Piratini corre risco sério e iminente de extinção. A TVE e a Rádio FM Cultura são espaços privilegiados para circulação e promoção da produção musical de Porto Alegre.
Em Brasília, amanhecemos todos os dias alertas para evitar que metam a mão no FAC (Fundo de Apoio à Cultura).
No Rio, cidade que abrigou as tias baianas que embalaram o samba nos braços, que concebeu a Santíssima Trindade do Samba; o prefeito quer restringir e controlar quase que pessoalmente a ocupação do espaço público por manifestações culturais - inclusive o sagrado samba da Pedra do Sal.
E por aí vai.
Nessas quatro capitais, citei apenas poucos e representativos exemplos do que está havendo. Há muito muito mais. Há muito mais nas demais cidades, nos demais estados, no Brasil em cujo centro de poder os golpistas se instalaram, e mostram, dia após dia, seu desprezo pela arte e pela cultura popular brasileira. Falo de música porque é o que eu conheço mais, mas situações análogas se verificam nas artes cênicas, plásticas, audiovisuais, literatura, nos investimentos em Educação e formação de público.
Coincidência ou não, a comunidade artística foi das mais combativas na resistência ao golpe. A ponto de reverter o retrocesso máximo, que seria a extinção do Ministério da Cultura.
O pessoal das trevas não brinca em serviço não. Eles sabem que a cultura popular impulsiona um povo forte e consciente de si.
[Há quase um ano, escrevi uma crônica sobre as incessantes tentativas de nos calar e de nos desalojar. Tudo aquilo parece estar se aprofundando. Mas como disse Belchior, a voz resiste, a fala insiste: você me ouvirá!]
Em São Paulo, o prefeito playboy e higienista estrangula tanto o Clube do Choro quanto a Orquestra do Teatro São Pedro; enquanto o pai político dele, o governador, mata a Banda Sinfônica do estado.
Em Porto Alegre, a Fundação Piratini corre risco sério e iminente de extinção. A TVE e a Rádio FM Cultura são espaços privilegiados para circulação e promoção da produção musical de Porto Alegre.
Em Brasília, amanhecemos todos os dias alertas para evitar que metam a mão no FAC (Fundo de Apoio à Cultura).
No Rio, cidade que abrigou as tias baianas que embalaram o samba nos braços, que concebeu a Santíssima Trindade do Samba; o prefeito quer restringir e controlar quase que pessoalmente a ocupação do espaço público por manifestações culturais - inclusive o sagrado samba da Pedra do Sal.
E por aí vai.
Nessas quatro capitais, citei apenas poucos e representativos exemplos do que está havendo. Há muito muito mais. Há muito mais nas demais cidades, nos demais estados, no Brasil em cujo centro de poder os golpistas se instalaram, e mostram, dia após dia, seu desprezo pela arte e pela cultura popular brasileira. Falo de música porque é o que eu conheço mais, mas situações análogas se verificam nas artes cênicas, plásticas, audiovisuais, literatura, nos investimentos em Educação e formação de público.
Coincidência ou não, a comunidade artística foi das mais combativas na resistência ao golpe. A ponto de reverter o retrocesso máximo, que seria a extinção do Ministério da Cultura.
O pessoal das trevas não brinca em serviço não. Eles sabem que a cultura popular impulsiona um povo forte e consciente de si.
[Há quase um ano, escrevi uma crônica sobre as incessantes tentativas de nos calar e de nos desalojar. Tudo aquilo parece estar se aprofundando. Mas como disse Belchior, a voz resiste, a fala insiste: você me ouvirá!]
quarta-feira, 28 de junho de 2017
Futuros Militantes
Não se afobe não, que nada é pra já.
A História pode até parecer estranha, mas, uma hora, ela revelará com nitidez todos os meandros, manobras, manipulações e tudo que foi promovido em silêncio, num fundo de armário, com objetivos camuflados em camisetinhas amarelas, pato pateta, interesses escusos fantasiados de patriotismo. Não serão necessários milênios, milênios no ar. Algumas décadas serão suficientes.
E quem sabe, então, o Brasil será algum país submerso.
Os escafandristas virão explorar nossas casas. Encontrarão os computadores, celulares, reavivarão nossas contas nas redes sociais, nossas almas desnudas, raivosas ou assustadas. Encontrarão as expressões do ódio de classe, o desfile dos preconceitos sórdidos, e não encontrarão autocrítica em lado nenhum. Mas calma. Não haverá um deus para julgar ou punir. Quem faz isso é a História.
Sábios decifrarão com facilidade o eco daquelas palavras incisivas que alguns derramaram como se não houvesse amanhã. Fragmentos de panfletos, revistas semanais, mentiras, retratos. Vestígios de estranha civilização.
Não se afobe não, que nada é pra já. Um dia, tudo estará descortinado. As gerações futuras entenderão perfeitamente que foi golpe. Os protetores das vidraças não passarão. Futuros militantes, quiçá, marcharão - sabendo bem - pra coroar todo o esforço que um dia deixamos para eles.
E essa parte é agora.
SEXTA-FEIRA É GREVE GERAL.
[Que o marido da Ana Hickman nos perdoe o transtorno. A História, felizmente, registrará que estivemos em lados opostos.]
A História pode até parecer estranha, mas, uma hora, ela revelará com nitidez todos os meandros, manobras, manipulações e tudo que foi promovido em silêncio, num fundo de armário, com objetivos camuflados em camisetinhas amarelas, pato pateta, interesses escusos fantasiados de patriotismo. Não serão necessários milênios, milênios no ar. Algumas décadas serão suficientes.
E quem sabe, então, o Brasil será algum país submerso.
Os escafandristas virão explorar nossas casas. Encontrarão os computadores, celulares, reavivarão nossas contas nas redes sociais, nossas almas desnudas, raivosas ou assustadas. Encontrarão as expressões do ódio de classe, o desfile dos preconceitos sórdidos, e não encontrarão autocrítica em lado nenhum. Mas calma. Não haverá um deus para julgar ou punir. Quem faz isso é a História.
Sábios decifrarão com facilidade o eco daquelas palavras incisivas que alguns derramaram como se não houvesse amanhã. Fragmentos de panfletos, revistas semanais, mentiras, retratos. Vestígios de estranha civilização.
Não se afobe não, que nada é pra já. Um dia, tudo estará descortinado. As gerações futuras entenderão perfeitamente que foi golpe. Os protetores das vidraças não passarão. Futuros militantes, quiçá, marcharão - sabendo bem - pra coroar todo o esforço que um dia deixamos para eles.
E essa parte é agora.
SEXTA-FEIRA É GREVE GERAL.
[Que o marido da Ana Hickman nos perdoe o transtorno. A História, felizmente, registrará que estivemos em lados opostos.]
sexta-feira, 26 de maio de 2017
Vidraça
Te acalma
Não deixe que te agridam o coração
Deixa ele aberto,
Que os tiros te ultrapassam
Sem te ferir
Não feche tuas veias,
Que assim o sangue não passa
Não deixe à vista tua laringe tensionada
Para voz passar,
Tu precisas abrir
Os tempos são duros
Não te endureças
Para não pareceres com os tempos
A certeza do caminho
Dá leveza aos nossos passos
As manobras do destino
Não se amarram feito laço
Fiquemos nas ruas!
Nossos sonhos
Não podem ser contidos pelas vidraças
Deles.
Não deixe que te agridam o coração
Deixa ele aberto,
Que os tiros te ultrapassam
Sem te ferir
Não feche tuas veias,
Que assim o sangue não passa
Não deixe à vista tua laringe tensionada
Para voz passar,
Tu precisas abrir
Os tempos são duros
Não te endureças
Para não pareceres com os tempos
A certeza do caminho
Dá leveza aos nossos passos
As manobras do destino
Não se amarram feito laço
Fiquemos nas ruas!
Nossos sonhos
Não podem ser contidos pelas vidraças
Deles.
terça-feira, 9 de maio de 2017
Quando o rabo abana o cachorro
O filme estadunidense Wag The Dog (tradução literal: Abane o cachorro), de 1997, conta a história de um presidente que, envolvido em um escândalo sexual, contrata um cineasta para produzir uma guerra fictícia a fim de desviar a atenção da população. O início do filme explica o título: “Você sabe por que o cachorro abana o rabo? Porque ele é mais inteligente que o rabo. Mas se o rabo fosse mais inteligente...”. O letreiro entra em seguida, sugerindo: abane o cachorro.
Um ano atrás, se concretizava, no Brasil, um golpe de Estado jurídico-parlamentar-midiático que poderia ter sido filmado no lugar da história criada por Hilary Henkin e David Mamet.
Derrotado nas eleições presidenciais de 2014, o candidato da direita ameaça não reconhecer o resultado das urnas, iniciando ali um movimento visível a olho nu para quem prestou atenção nos livros de história que estudou na adolescência. Àquela altura, a Operação Lava-Jato já avançava, capitaneada por um juiz com nítida vocação para super-man (com as mesmas cores, inclusive). Embora lidando com um objeto fundamental de ser examinado – as relações promíscuas entre poder público e grandes empresas a partir do financiamento de campanhas eleitorais -, a iniciativa já mostrara a que veio: servir de instrumento para carimbar de corrupto apenas um setor da disputa política. Adaptando-se à conjuntura diariamente, a operação evolui selecionando investigações a serem conduzidas, vazamentos a serem feitos para a imprensa e a própria direção dos fatos.
Estão criadas as condições para um roteiro surreal no qual a corrupção no Brasil começa com a eleição de Lula, e nunca antes na história deste país havia acontecido nada semelhante. Quinhentos e quatorze anos de história são, então, reescritos, e apagam-se todos os escândalos de desvio de recursos públicos, tráfico de influência, privatizações, compra de votos e, especialmente, o enriquecimento ilícito de coronéis, donos da mídia, latifundiários, empresários e outros que até pouco tempo atrás oligopolizavam o fazer política no Brasil. E nunca foram presos.
O toque final é a abordagem da mídia, que, tão seletiva quanto as investigações do juiz fanfarrão, elabora sob medida uma narrativa cuja consequência óbvia e planejada é um discurso de ódio acéfalo contra o PT e a esquerda. Tal discurso encontra terreno propício para germinar: a paupérrima cultura política brasileira. O efeito colateral é o descrédito generalizado contra todos os políticos e a satanização da atividade política. Mas não tem problema, porque a despolitização sempre favoreceu os donos do poder, e eles sempre souberam reinventar sua própria embalagem para parecerem novos e atraentes. Assim, fantasiam-se de empresários bem-sucedidos ou apresentadores de televisão e continuam a fazer o que sempre fizeram.
Cria-se, então, uma acusação contra a presidenta: as “pedaladas fiscais”, que muitos governadores haviam praticado no mesmo período. Meses depois, num ato de vingança contra o PT, que contribuíra para que ele fosse investigado, o presidente da Câmara, com largo histórico de envolvimento em práticas controversas (digamos assim), inicia o processo de impedimento da presidenta da República. O vice-presidente publica carta na qual rompe com o governo, lamentando ter assumido posição somente “decorativa” (sic).
Chegamos, então, ao ápice do roteiro: com olhos em chamas, setores médios e elites vão às varandas de seus apartamentos bater panela. Grandes manifestações são convocadas por esses segmentos, por meio de movimentos laranja e partidos de oposição, financiadas pela Fiesp e grupos empresariais, com grande alarde na mídia, que também convoca e promove com cobertura em tempo real. Milhares de pessoas atendem ao chamado vestindo camisetinhas amarelas, tendo um pato gigante como símbolo e privatizando (eles têm know-how) o hino nacional.
Diante de tal comoção, em meio à qual as pessoas que vestem vermelho correm risco de serem agredidas na rua, a presidenta é afastada numa sessão da Câmara que se torna antológica pelas dedicatórias dos votos dos deputados e deputadas às suas mães, filhos, às suas namoradas, ao cãozinho da família. Assim, Michel Temer, o golpista usurpador decorativo, assume interinamente a Presidência, e monta o governo provisório com aqueles que tinham sido derrotados nas eleições de dois anos antes, e também com personagens necessários para qualquer enredo dessa monta: os traidores.
A partir daí, começam a executar o programa que tinha sido derrotado nas urnas quatro vezes, num nível de agilidade que sequer Fernando Henrique Cardoso (que vencera duas eleições) tivera coragem de encaminhar. Abrem caminho para a entrega do pré-sal brasileiro às potências estrangeiras; congelam investimentos públicos em saúde e educação por vinte anos; extinguem órgãos de governo e programas centrais para o desenvolvimento de políticas de distribuição de renda e combate a desigualdades históricas; reformam o ensino médio sem dialogar com nenhum dos setores envolvidos, destituindo-lhe de qualquer mísera perspectiva transformadora; apresentam uma reforma da previdência e outra trabalhista para retirar direitos do povo, mantendo e ampliando direitos dos banqueiros e grandes empresários; legalizam a terceirização irrestrita; atuam para “estancar a sangria” (sic) provocada pela Operação Lava-Jato, para que não sejam atingidos; e disparam balas de borracha e gás lacrimogêneo contra índios, jovens, trabalhadores, e quem quer que ouse levantar-se contra o golpe em curso. Colocam em xeque o direito de greve e o direito à livre manifestação, com a bênção do Poder Judiciário, que, afinal, é peça fundamental do enredo.
O final do filme ainda não está escrito. Há algumas possibilidades: temendo nova derrota nas urnas, que jogaria por terra o processo encaminhado até agora, prendem o ex-presidente Lula e/ou cancelam as eleições nacionais de 2018 – qualquer das opções escancarará o que muitos já perceberam: que vivemos sob um regime de exceção. Outra hipótese: por falta de quadro melhor, elegem o pato gigante presidente da República, e ele governará como terceirizado sob ordens da Casa Branca.
Ou o cachorro assume que fez cocô no lugar errado e recupera sua habilidade de abanar o rabo.
Um ano atrás, se concretizava, no Brasil, um golpe de Estado jurídico-parlamentar-midiático que poderia ter sido filmado no lugar da história criada por Hilary Henkin e David Mamet.
Derrotado nas eleições presidenciais de 2014, o candidato da direita ameaça não reconhecer o resultado das urnas, iniciando ali um movimento visível a olho nu para quem prestou atenção nos livros de história que estudou na adolescência. Àquela altura, a Operação Lava-Jato já avançava, capitaneada por um juiz com nítida vocação para super-man (com as mesmas cores, inclusive). Embora lidando com um objeto fundamental de ser examinado – as relações promíscuas entre poder público e grandes empresas a partir do financiamento de campanhas eleitorais -, a iniciativa já mostrara a que veio: servir de instrumento para carimbar de corrupto apenas um setor da disputa política. Adaptando-se à conjuntura diariamente, a operação evolui selecionando investigações a serem conduzidas, vazamentos a serem feitos para a imprensa e a própria direção dos fatos.
Estão criadas as condições para um roteiro surreal no qual a corrupção no Brasil começa com a eleição de Lula, e nunca antes na história deste país havia acontecido nada semelhante. Quinhentos e quatorze anos de história são, então, reescritos, e apagam-se todos os escândalos de desvio de recursos públicos, tráfico de influência, privatizações, compra de votos e, especialmente, o enriquecimento ilícito de coronéis, donos da mídia, latifundiários, empresários e outros que até pouco tempo atrás oligopolizavam o fazer política no Brasil. E nunca foram presos.
O toque final é a abordagem da mídia, que, tão seletiva quanto as investigações do juiz fanfarrão, elabora sob medida uma narrativa cuja consequência óbvia e planejada é um discurso de ódio acéfalo contra o PT e a esquerda. Tal discurso encontra terreno propício para germinar: a paupérrima cultura política brasileira. O efeito colateral é o descrédito generalizado contra todos os políticos e a satanização da atividade política. Mas não tem problema, porque a despolitização sempre favoreceu os donos do poder, e eles sempre souberam reinventar sua própria embalagem para parecerem novos e atraentes. Assim, fantasiam-se de empresários bem-sucedidos ou apresentadores de televisão e continuam a fazer o que sempre fizeram.
Cria-se, então, uma acusação contra a presidenta: as “pedaladas fiscais”, que muitos governadores haviam praticado no mesmo período. Meses depois, num ato de vingança contra o PT, que contribuíra para que ele fosse investigado, o presidente da Câmara, com largo histórico de envolvimento em práticas controversas (digamos assim), inicia o processo de impedimento da presidenta da República. O vice-presidente publica carta na qual rompe com o governo, lamentando ter assumido posição somente “decorativa” (sic).
Chegamos, então, ao ápice do roteiro: com olhos em chamas, setores médios e elites vão às varandas de seus apartamentos bater panela. Grandes manifestações são convocadas por esses segmentos, por meio de movimentos laranja e partidos de oposição, financiadas pela Fiesp e grupos empresariais, com grande alarde na mídia, que também convoca e promove com cobertura em tempo real. Milhares de pessoas atendem ao chamado vestindo camisetinhas amarelas, tendo um pato gigante como símbolo e privatizando (eles têm know-how) o hino nacional.
Diante de tal comoção, em meio à qual as pessoas que vestem vermelho correm risco de serem agredidas na rua, a presidenta é afastada numa sessão da Câmara que se torna antológica pelas dedicatórias dos votos dos deputados e deputadas às suas mães, filhos, às suas namoradas, ao cãozinho da família. Assim, Michel Temer, o golpista usurpador decorativo, assume interinamente a Presidência, e monta o governo provisório com aqueles que tinham sido derrotados nas eleições de dois anos antes, e também com personagens necessários para qualquer enredo dessa monta: os traidores.
A partir daí, começam a executar o programa que tinha sido derrotado nas urnas quatro vezes, num nível de agilidade que sequer Fernando Henrique Cardoso (que vencera duas eleições) tivera coragem de encaminhar. Abrem caminho para a entrega do pré-sal brasileiro às potências estrangeiras; congelam investimentos públicos em saúde e educação por vinte anos; extinguem órgãos de governo e programas centrais para o desenvolvimento de políticas de distribuição de renda e combate a desigualdades históricas; reformam o ensino médio sem dialogar com nenhum dos setores envolvidos, destituindo-lhe de qualquer mísera perspectiva transformadora; apresentam uma reforma da previdência e outra trabalhista para retirar direitos do povo, mantendo e ampliando direitos dos banqueiros e grandes empresários; legalizam a terceirização irrestrita; atuam para “estancar a sangria” (sic) provocada pela Operação Lava-Jato, para que não sejam atingidos; e disparam balas de borracha e gás lacrimogêneo contra índios, jovens, trabalhadores, e quem quer que ouse levantar-se contra o golpe em curso. Colocam em xeque o direito de greve e o direito à livre manifestação, com a bênção do Poder Judiciário, que, afinal, é peça fundamental do enredo.
O final do filme ainda não está escrito. Há algumas possibilidades: temendo nova derrota nas urnas, que jogaria por terra o processo encaminhado até agora, prendem o ex-presidente Lula e/ou cancelam as eleições nacionais de 2018 – qualquer das opções escancarará o que muitos já perceberam: que vivemos sob um regime de exceção. Outra hipótese: por falta de quadro melhor, elegem o pato gigante presidente da República, e ele governará como terceirizado sob ordens da Casa Branca.
Ou o cachorro assume que fez cocô no lugar errado e recupera sua habilidade de abanar o rabo.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Greve Geral: E lá vamos nós de novo!
Nunca vou me esquecer do professor Antônio Cândido dizendo que toda greve é vitoriosa, pelo grau de reflexão e mobilização que proporciona. Era então minha primeira greve, ano 2000, quando estudante da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Lembro vividamente que acordávamos diariamente para impedir a privatização das universidades públicas. Queríamos cotas, ampliação do acesso, assistência estudantil, contratação de professores e técnico-administrativos com salários decentes. Queríamos verba para pesquisa e extensão. Queríamos votar para reitor. Mas, antes de mais nada, queríamos que não privatizassem as universidades, pois, sem isso, todo o resto ficaria inviabilizado.
Em 2001, uma das mais lindas experiências de resistência que vivenciei: greve das universidades federais. À nossa geração, coube protagonizar o enfrentamento à política educacional de FHC, e assim, contribuir para derrotar programática e eleitoralmente aquele projeto de sabotagem, sucateamento e privatização da educação superior pública no Brasil.
Em 2002, acompanhei encantada a greve dos estudantes da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP. A força do movimento estudantil parou uma das mais importantes e reconhecidas faculdades de ciências humanas do país, para exigir mais professores. Foram 106 dias de paralisação, que abriram caminho para a contratação de 92 docentes.
Hoje, dezessete anos e muitas greves depois, tenho consciência e orgulho da importância que aqueles movimentos tiveram, e sua incidência na conjuntura que depois se abriria – ainda que, no calor do momento, muitos discursos de frustração ganhassem forma por não ver o atendimento integral das demandas que apresentávamos.
Há oito anos assessora sindical, minha mais recente experiência de greve se concluiu poucos dias atrás. Foi um mês de paralisação dos professores e professoras da rede pública do DF, numa árdua batalha contra um governador que parece não ter nenhuma ambição na gestão da coisa pública: não quer governar, não quer resolver problemas, não quer respeitar os servidores (as), não quer propor nada, não quer se reeleger.
Fazer greve não é nada fácil. Governos e patrões lançam mão de ameaças, chantagens, assédio, perseguições, violências as mais diversas, e quase sempre contam com o Poder Judiciário para legitimar seus absurdos.
Neste momento de crise econômica, institucional e até moral, a ofensiva ao direito de greve vem dos três poderes. O governo usurpador, com seu Parlamento golpista, seu Judiciário acovardado, e a elite econômica colonialista que o fomenta, mostram muita disposição para avançar sobre o principal recurso da classe trabalhadora contra os profundos e variados ataques que ela vem sofrendo desde que derrubaram a Presidenta da República.
A inquietação está por todos os lados. Mas se, por um lado, parece que regredimos àqueles anos de resistência, também sabemos que o Brasil já não é o mesmo daquele longínquo ano 2000. Por mais limites que houvesse, os governos de Lula e de Dilma levaram nosso país a outros patamares socioeconômicos e culturais. Além disso, as tecnologias trouxeram os smart-phones e as redes sociais, que revolucionaram o modo de fazer e discutir política. O mundo mudou também, deu voltas e parou num lugar que já conheceu: o fantasma do fascismo assola a todos, vestido de roupa nova e de grife. A apatia, o conformismo, a cultura do ódio nos pesam como bola de chumbo presa ao tornozelo.
Agora, é preciso “trocar de roupa andando”, como se diz. Para produzir um novo momento político, enquanto ainda estamos compreendendo as mudanças que o mundo sofreu, e reelaborando programa, táticas e estratégias, é preciso agir. Recorrer ao bom e velho recurso da greve, que ainda nos vale, para protegê-lo do avanço conservador, e para, sob ele, como um escudo, defendermo-nos da ânsia de destruição do governo usurpador, sua base e seus aliados.
Dia 28 é dia de parar. Convocada pelas centrais sindicais, a greve geral pretende sacudir o país e a cabeça de quem ainda não entendeu a gravidade do momento. Porque, para além das vitórias que temos condições de arrancar-lhes, creio que eles temem o grau de mobilização e reflexão que atingimos numa greve. Porque isso é capaz de durar uma geração inteira.
Lembro vividamente que acordávamos diariamente para impedir a privatização das universidades públicas. Queríamos cotas, ampliação do acesso, assistência estudantil, contratação de professores e técnico-administrativos com salários decentes. Queríamos verba para pesquisa e extensão. Queríamos votar para reitor. Mas, antes de mais nada, queríamos que não privatizassem as universidades, pois, sem isso, todo o resto ficaria inviabilizado.
Em 2001, uma das mais lindas experiências de resistência que vivenciei: greve das universidades federais. À nossa geração, coube protagonizar o enfrentamento à política educacional de FHC, e assim, contribuir para derrotar programática e eleitoralmente aquele projeto de sabotagem, sucateamento e privatização da educação superior pública no Brasil.
Em 2002, acompanhei encantada a greve dos estudantes da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP. A força do movimento estudantil parou uma das mais importantes e reconhecidas faculdades de ciências humanas do país, para exigir mais professores. Foram 106 dias de paralisação, que abriram caminho para a contratação de 92 docentes.
Hoje, dezessete anos e muitas greves depois, tenho consciência e orgulho da importância que aqueles movimentos tiveram, e sua incidência na conjuntura que depois se abriria – ainda que, no calor do momento, muitos discursos de frustração ganhassem forma por não ver o atendimento integral das demandas que apresentávamos.
Há oito anos assessora sindical, minha mais recente experiência de greve se concluiu poucos dias atrás. Foi um mês de paralisação dos professores e professoras da rede pública do DF, numa árdua batalha contra um governador que parece não ter nenhuma ambição na gestão da coisa pública: não quer governar, não quer resolver problemas, não quer respeitar os servidores (as), não quer propor nada, não quer se reeleger.
Fazer greve não é nada fácil. Governos e patrões lançam mão de ameaças, chantagens, assédio, perseguições, violências as mais diversas, e quase sempre contam com o Poder Judiciário para legitimar seus absurdos.
Neste momento de crise econômica, institucional e até moral, a ofensiva ao direito de greve vem dos três poderes. O governo usurpador, com seu Parlamento golpista, seu Judiciário acovardado, e a elite econômica colonialista que o fomenta, mostram muita disposição para avançar sobre o principal recurso da classe trabalhadora contra os profundos e variados ataques que ela vem sofrendo desde que derrubaram a Presidenta da República.
A inquietação está por todos os lados. Mas se, por um lado, parece que regredimos àqueles anos de resistência, também sabemos que o Brasil já não é o mesmo daquele longínquo ano 2000. Por mais limites que houvesse, os governos de Lula e de Dilma levaram nosso país a outros patamares socioeconômicos e culturais. Além disso, as tecnologias trouxeram os smart-phones e as redes sociais, que revolucionaram o modo de fazer e discutir política. O mundo mudou também, deu voltas e parou num lugar que já conheceu: o fantasma do fascismo assola a todos, vestido de roupa nova e de grife. A apatia, o conformismo, a cultura do ódio nos pesam como bola de chumbo presa ao tornozelo.
Agora, é preciso “trocar de roupa andando”, como se diz. Para produzir um novo momento político, enquanto ainda estamos compreendendo as mudanças que o mundo sofreu, e reelaborando programa, táticas e estratégias, é preciso agir. Recorrer ao bom e velho recurso da greve, que ainda nos vale, para protegê-lo do avanço conservador, e para, sob ele, como um escudo, defendermo-nos da ânsia de destruição do governo usurpador, sua base e seus aliados.
Dia 28 é dia de parar. Convocada pelas centrais sindicais, a greve geral pretende sacudir o país e a cabeça de quem ainda não entendeu a gravidade do momento. Porque, para além das vitórias que temos condições de arrancar-lhes, creio que eles temem o grau de mobilização e reflexão que atingimos numa greve. Porque isso é capaz de durar uma geração inteira.
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
Um golpe contra a Educação e o Magistério
Por Gabriel Magno, Iolanda Rocha, Ruth Brochado, Hamilton
Caiana, Henrique Torres e Alessandra Terribili*
Antes de mais nada, é preciso destacar que os projetos de lei que levam esse nome não se referem à presença ou não de partido na escola. Como todo agrupamento que se autodeclara “apartidário”, esse também visa a manipular o senso comum de forma hipócrita e oportunista para fazer prevalecer a sua própria ideologia.
A real intenção do Projeto de Lei da Mordaça é eliminar das salas de aula o contraditório, a diversidade, o pensamento crítico. Para quem ainda tem dúvida, basta saber que por trás desses PLs está o Instituto Millenium, conhecido espaço de elaboração da direita brasileira, que reúne figuras alimentadas pelo ódio de classe e intolerância, como Rodrigo Constantino e Diogo Mainardi. Tal coletivo conta com a participação entusiasmada de PSDB e DEM. Fica óbvio, portanto, que a “Escola Sem Partido”, de sem partido, não tem nada.
As iniciativas desastradas e autoritárias
Foi Izalci Lucas (PSDB-DF) quem tomou as premissas da ONG comandada por Miguel Nagib para apresentá-las em formato de projeto de lei à Câmara Federal (PL 867/2015). Nenhuma surpresa, afinal, as propostas do PSDB para a Educação ficaram claras nos oito anos de Governo FHC e nos estados de São Paulo, Paraná e Goiás, suas principais vitrines, caracterizados pelo sucateamento da escola pública e pela truculência e desvalorização com que se tratam os professores e estudantes.
Ainda que a Lei da Mordaça não tenha sido aprovada, alguns parlamentares já se utilizam dela para promover a perseguição de professores (as) e a censura, recuperando esses fundamentais elementos da ditadura militar. O projeto proíbe professores (as) de convidar seus estudantes para manifestações, atos públicos e passeatas. Um ataque deliberado à liberdade de manifestação e de organização, que remete outra vez e com mais ênfase ao período ditatorial.
Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, Sandra Faraj (SD) e Rodrigo Delmasso (PTN) lideram um conjunto de deputados (as) que têm se esmerado em formular propostas absurdas para a Educação, sempre com forte viés autoritário e desprezo por professores (as) e orientadores (as). Na mesa do governador Rollemberg, por exemplo, está o PL 137/2015, aguardando sanção ou veto. O projeto busca levar os “valores de família” às salas de aula como temática transversal. Por trás de cada iniciativa desastrada como essa está a intenção de impor um conceito de família pertinente a uma crença específica; que reprime e marginaliza aqueles e aquelas que não se enquadram nos seus conceitos particulares. É uma violência contra a democracia, a laicidade do Estado e a liberdade de pensamento e de crença.
Sandra Faraj também tem enviado ofícios a escolas para cobrar explicações e “providências” contra professores e professoras que trabalham com seus/suas estudantes questões relativas aos direitos humanos, argumentando que as questões de gênero e de orientação sexual foram retiradas do PDE (Plano Distrital de Educação). Infelizmente, a deputada e sua assessoria parecem desconhecer a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996), que estabelece em seu artigo 3º “o respeito à liberdade e apreço à tolerância” como princípios básicos do ensino. Esquece também que a Lei Orgânica do DF estabelece em seu artigo 2º que “ninguém será discriminado ou prejudicado em razão de convicções políticas ou filosóficas e orientação sexual”, e que o artigo 3º determina que um dos objetivos prioritários do Distrito Federal é “garantir e promover os direitos humanos assegurados na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A mesma Lei Orgânica destaca em seu artigo 235 que “a rede oficial de ensino incluirá em seu currículo, em todos os níveis, dentre outros conteúdos programáticos, a educação sexual”, e no 237, que “é dever do Poder Público estabelecer políticas de prevenção e combate à violência e à discriminação, particularmente contra a mulher, o negro e as minorias”. Além de ignorar a Constituição Federal, que assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar e a gestão democrática do ensino público (artigo 206).
O PELO (Projeto de Emenda à Lei Orgânica) nº 38, assinado pelo deputado Rodrigo Delmasso, quer incorporar à Lei Orgânica do DF a “garantia do direito dos pais a que seus filhos recebam educação moral de acordo com suas próprias convicções”. Não é apenas autoritário, mas também profundamente obtuso: numa sala de aula que, via de regra, representa a pluralidade presente na nossa sociedade, como obedecer à orientação moral de um desconsiderando a do outro e abstraindo a sua própria?
Causa-nos profunda indignação que esses (as) parlamentares desconheçam os reais problemas das escolas públicas do DF hoje; ou que não estejam preocupados (as) em solucionar a situação dramática da saúde pública, do transporte coletivo ineficiente e caro, e das profundas desigualdades sociais no Distrito Federal. Resta-lhes, portanto, muito tempo para executar patrulha moral sobre o trabalho sério que professores e professoras desenvolvem nas nossas escolas, visando a construir tolerância, respeito e igualdade.
Questões de gênero, orientação sexual e combate ao racismo
Ao inventar a expressão “ideologia de gênero”, os porta-vozes da direita conservadora e intolerante buscam massacrar a diversidade. Assim, pretendem manter a comunidade LGBT invisibilizada e marginalizada; e contribuem para a reprodução das tantas violências cometidas contra mulheres e população negra cotidianamente. As consequências disso estão diariamente nos noticiários: pessoas homossexuais assassinadas em crimes de ódio; mulheres estupradas, violentadas, mortas em crimes de misoginia; negros e negras sofrendo todo tipo de violência, perseguição, exclusão e preconceito. Claro, pois segundo os idealizadores do Projeto de Lei da Mordaça, a escola não é lugar de combater a cultura do ódio, da discriminação e da opressão.
De acordo com Bráulio Porto de Matos, um dos principais defensores da Lei da Mordaça, em debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no último dia 31 de maio, o ensino de história e cultura da África nas escolas deveria ser extinto. Para ele, tal conteúdo expressa uma ideologia: “Então, deveríamos estudar a história da Itália, da Alemanha, do Japão”, disse. E foram exatamente esses três os países citados.
A incomensurável tolice de tal aferição reside no fato de que nossas escolas, ao falar das origens do povo brasileiro, sempre abordaram a história e cultura europeias quase que exclusivamente. Da mesma forma, os seguidores do PL da Mordaça pretendem eliminar, ou, no mínimo, reduzir substancialmente a importância da história política e socioeconômica da América Latina. Para os defensores e defensoras da Mordaça, nossos alunos devem ser limitados a conhecer a história e a cultura dos povos europeus e estadunidenses, filtrando o conhecimento ao qual eles podem ou não ter acesso. Nada mais ideológico que isso.
Não vai ter golpe contra a Educação
A ideologia da Escola Sem Partido é óbvia: a manutenção e o recrudescimento do padrão de opressões que nosso país conhece há mais de 500 anos, com seus atentados à soberania nacional e subordinação a interesses das tradicionais potências estrangeiras.
Esses aspectos marcam também o golpe em curso: ele é contra os(as) trabalhadores(as), como vimos anunciando há meses. O golpe é pela reversão dos avanços conquistados desde a Constituição de 88 e aprofundados nos últimos 12 anos, e pelo restabelecimento da lógica da mercantilização de direitos e da organização do Estado neoliberal com elementos fascistas, patriarcais e racistas.
Por isso é imprescindível impor uma derrota acachapante ao Projeto de Lei da Mordaça. Em defesa da democracia, dos direitos sociais, e da soberania do povo brasileiro. Afinal, os Projetos de Lei oriundos da ONG “Escola Sem Partido” têm mesmo a cara do segmento que os concebeu: além de colonialista, subserviente, escravocrata e intolerante; é ignorante.
* Gabriel Magno, Iolanda Rocha, Ruth Brochado e Hamilton Caiana são diretores do Sinpro-DF; Henrique Torres é dirigente da CUT-DF; Alessandra Terribili é jornalista e assessora política do Sinpro-DF.
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
A violência do golpe
Um ano atrás, professores e professoras em greve no Distrito Federal foram covardemente atacados pela Tropa de Choque a mando do Governador Rollemberg e seus cúmplices. A manifestação paralisou o Eixão na saída norte e na saída sul por cerca de meia hora, e nós já estávamos nos dirigindo aos nossos carros para sair de lá quando a polícia chegou e promoveu aquele festival de agressões, arbitrariedades e pancadaria que nunca vamos esquecer.
Era só o começo de um triste período marcado por violência, violação de direitos e retrocessos até no plano cívico. Um ano depois, a lei do Plano de Carreira do magistério segue sem ser cumprida - o governador anunciou que, mais uma vez, descumprindo o acordo de fim de greve, ele não vai pagar a última parcela do referido Plano.
A greve é um instrumento legítimo da classe trabalhadora. Ninguém faz greve por esporte, é o último recurso para quem só tem a paralisação da própria força de trabalho como mecanismo para garantir a efetivação de seus direitos. É difícil construir uma greve, é difícil manter uma greve. Mas é preciso fazer greve. Os responsáveis por existirem greves não são os trabalhadores, são seus patrões.
O Plano de Carreira dos professores e professoras do DF é motivo de orgulho da categoria, e foi conquistado com muita luta, depois de uma greve de 52 dias em 2012. O que Rollemberg faz agora é desrespeitar a lei. Entretanto, quem é punido pela Justiça são aqueles que lutam para fazer valer a lei.
Infelizmente, a cada dia que passa, mais elementos nos indicam que o golpe que tanto denunciamos nos trouxe a um Estado de exceção, no qual governo golpista, Congresso Nacional e Poder Judiciário estão articulados e empenhados em esmagar os trabalhadores (as), suas organizações e ações políticas.
O STF anulou o direito de greve garantido pela Constituição de 1988. Há, a todo momento, ameaças de ações truculentas contra a ocupação de escolas por estudantes secundaristas, que nos dão uma aula em defesa da Educação ao levantar-se contra a MP do Ensino Médio, autoritariamente lançada pelo governo golpista para sucatear o ensino público.
Um ano atrás, aquelas imagens chocaram o país inteiro: professores e professoras sendo covardemente violentados em Brasília pela Polícia Militar. Alguns foram presos, alguns sangraram, outros entraram em estado de choque. As marcas ficaram em todos nós que estávamos lá, e também, em milhares que não estavam. E por mais que já suspeitássemos, ainda não sabíamos, então, que a violência do golpe se recrudesceria a cada dia.
Cassaram nossos votos ao cassar a presidenta que elegemos. Constituíram um governo golpista com os nomes e programa daqueles que tinham sido derrotados nas urnas. Sob o pretexto de combater a corrupção, inauguraram um Estado de exceção no qual a esquerda é suspeita de tudo, exatamente como foi em 1964. Depois, construíram fortes para proteger os corruptos, seus mandatos e suas propriedades. Vão estrangular a educação e a saúde pública por vinte anos, entregar o pré-sal para as potências imperialistas, e nos proíbem de reagir.
Se isso não é ditadura, não sei que nome tem.
Era só o começo de um triste período marcado por violência, violação de direitos e retrocessos até no plano cívico. Um ano depois, a lei do Plano de Carreira do magistério segue sem ser cumprida - o governador anunciou que, mais uma vez, descumprindo o acordo de fim de greve, ele não vai pagar a última parcela do referido Plano.
A greve é um instrumento legítimo da classe trabalhadora. Ninguém faz greve por esporte, é o último recurso para quem só tem a paralisação da própria força de trabalho como mecanismo para garantir a efetivação de seus direitos. É difícil construir uma greve, é difícil manter uma greve. Mas é preciso fazer greve. Os responsáveis por existirem greves não são os trabalhadores, são seus patrões.
O Plano de Carreira dos professores e professoras do DF é motivo de orgulho da categoria, e foi conquistado com muita luta, depois de uma greve de 52 dias em 2012. O que Rollemberg faz agora é desrespeitar a lei. Entretanto, quem é punido pela Justiça são aqueles que lutam para fazer valer a lei.
Infelizmente, a cada dia que passa, mais elementos nos indicam que o golpe que tanto denunciamos nos trouxe a um Estado de exceção, no qual governo golpista, Congresso Nacional e Poder Judiciário estão articulados e empenhados em esmagar os trabalhadores (as), suas organizações e ações políticas.
O STF anulou o direito de greve garantido pela Constituição de 1988. Há, a todo momento, ameaças de ações truculentas contra a ocupação de escolas por estudantes secundaristas, que nos dão uma aula em defesa da Educação ao levantar-se contra a MP do Ensino Médio, autoritariamente lançada pelo governo golpista para sucatear o ensino público.
Um ano atrás, aquelas imagens chocaram o país inteiro: professores e professoras sendo covardemente violentados em Brasília pela Polícia Militar. Alguns foram presos, alguns sangraram, outros entraram em estado de choque. As marcas ficaram em todos nós que estávamos lá, e também, em milhares que não estavam. E por mais que já suspeitássemos, ainda não sabíamos, então, que a violência do golpe se recrudesceria a cada dia.
Cassaram nossos votos ao cassar a presidenta que elegemos. Constituíram um governo golpista com os nomes e programa daqueles que tinham sido derrotados nas urnas. Sob o pretexto de combater a corrupção, inauguraram um Estado de exceção no qual a esquerda é suspeita de tudo, exatamente como foi em 1964. Depois, construíram fortes para proteger os corruptos, seus mandatos e suas propriedades. Vão estrangular a educação e a saúde pública por vinte anos, entregar o pré-sal para as potências imperialistas, e nos proíbem de reagir.
Se isso não é ditadura, não sei que nome tem.
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Fraudes, mentiras e falácias: fundamentos da Lei da Mordaça
Ruth Brochado e Alessandra Terribili*
Que os PLs autodenominados “Escola Sem Partido” baseiam suas premissas em falácias, todos já sabemos. A principal delas reside no próprio nome, afinal, o projeto não se refere à disputa partidária no interior das escolas. O que ele pretende, de fato, é assegurar o predomínio de suas próprias convicções conservadoras, forjando um pensamento único caracterizado pela intolerância e pela ignorância.
No DF, os porta-vozes das trevas adotaram a tática de fatiamento do projeto, ou seja: fragmentaram-no e apresentaram-no em partes, inclusive apelando a fundamentos inconstitucionais. Seus idealizadores propõem a perseguição de professores (as) e a censura de conteúdos sob o pretexto de defender o “direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Ora, e como cumprir tal promessa em meio a uma diversidade de convicções, expectativas, referências morais e visões de mundo que há numa sala de aula? E mais: é desejável que, num espaço público, os diferentes não entrem em contato?
Portanto, a Lei da Mordaça não é apenas uma falácia, é também hipócrita e autoritária. Ao anunciar sua cruzada contra uma suposta “doutrinação” praticada por professores e professoras, os defensores (as) da Mordaça pretendem, na realidade, manter sua doutrinação particular. Para isso, precisam expulsar o senso crítico das escolas, como quis fazer a ditadura militar de diversas formas – inclusive, prendendo, exilando, torturando e matando professores (as).
Gênero
Para argumentar suas frágeis teses, os autores dos Projetos de Lei da Mordaça apelam a conceitos vazios, como a tal “ideologia de gênero”.
Na literatura feminista, o conceito de gênero aparece pela primeira vez em 1975, na definição de Gayle Rubin. Basicamente, trata-se de afirmar que a desigualdade entre homens e mulheres, geradora de toda sorte de violência, conflitos e exclusão, não é natural, mas sim, construída socialmente. Isso quer dizer que a opressão das mulheres é sustentada há séculos por valores morais e práticas sociais e econômicas que condenam a mulher à submissão. De acordo com os idealizadores da Lei da Mordaça, são esses os valores morais que devem circular livremente nas escolas, sem questionamento ou confronto de ideias.
Não há teórica ou liderança feminista que utilize o termo “ideologia de gênero” para se referir a qualquer coisa. “Gênero” não é uma “ideologia”, mas sim, um conceito, uma categoria de análise. Portanto, podemos afirmar que aquela é uma expressão fabricada por eles para causar pânico nas suas bases e, assim, gerar a comoção necessária para implementar seu projeto reacionário e autoritário para a Educação.
Na Câmara Legislativa do DF, há PLs em tramitação como o 1138/2016, de autoria de Sandra Faraj (SDD), que não só proíbe a “aplicação da ideologia de gênero” como visa a impedir que qualquer proposição que relacione o termo gênero à construção de políticas pedagógicas seja sequer discutida pela Câmara. Na justificativa do projeto, encontramos um festival de estupidezes de todos os formatos. Referenciando-se em nota política emitida por uma pequena associação de pediatras conservadores estadunidenses, a parlamentar diz que “ideologia de gênero” é uma “corrente” que contraria “até a teoria da evolução, a biologia e tudo mais que já se ouviu falar” (sic). Ironicamente, Faraj afirma que conceitos como identidade de gênero e orientação sexual foram suprimidos dos textos do PNE e do PDE por “falta de base científica”.
Assim sendo, os (as) parlamentares que se utilizam da expressão “ideologia de gênero” em seus projetos deveriam ser convocados a revelar as devidas referências teóricas e políticas associadas ao termo. Não podemos aceitar que a Câmara Legislativa, que deveria reunir representantes do povo para estudar, discutir e propor de forma séria e consequente, se dê o luxo de basear seus debates em expressões fraudulentas sem nenhuma fundamentação teórica ou política.
Educar para a igualdade
Enquanto isso, no mundo real, as mulheres continuam sofrendo todos os tipos de violência sexista, sendo as negras as mais vulneráveis. Os dados atestam:
• 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos. (Instituto Avon/Data Popular – 2014)
• 56% dos homens admitem já ter praticado algum tipo de violência. (Instituto Avon/Data Popular – 2013)
• Em 2015, um relato a cada 7 minutos. 85.85% dos casos estão no ambiente doméstico; quase 70% dos agressores são parceiros ou ex-parceiros. Mais da metade dos assassinatos de mulheres se dão em contexto de violência doméstica. Maioria das vítimas são negras. (Levantamento do Ligue 180)
• De acordo com a publicação Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010, do IBGE, pode-se inferir que as mulheres ainda são maioria entre os desempregados, entre os trabalhadores informais ou precarizados. Quanto aos rendimentos, as mulheres recebem, em média, 67,7% do rendimento dos homens que realizam mesma função. Essa realidade é mais cruel com as mulheres negras e as rurais.
• Menos de 10% da Câmara dos Deputados são mulheres, o que prejudica decisivamente a capacidade do Poder Legislativo de produzir e aprovar políticas de combate a essa triste realidade.
O conceito de gênero nos ensina que nenhum desses dados é natural ou inevitável, mas sim, que podemos formar seres humanos capazes de romper com as desigualdades e construir um mundo melhor para todos e todas. O que não é natural pode ser mudado. A Educação precisa estar a serviço do combate à cultura do estupro, da discriminação e às diversas formas de violência e de opressão, contribuindo para formar cidadãos e cidadãs a partir de valores como respeito, igualdade e solidariedade.
Conforme fica nítido no discurso dos defensores e defensoras da Lei da Mordaça, a real intenção dessa iniciativa é manter as relações de poder tal qual estão: opressão das mulheres, exclusão dos negros e negras, invisibilização da população LGBT. Todas as pessoas que desejam construir um mundo melhor precisam se opor firmemente à Lei da Mordaça.
* Ruth Brochado, professora e militante feminista, é diretora da Secretaria de Mulheres do Sinpro-DF; Alessandra Terribili, mestra em ciência política e militante feminista, é assessora política do Sinpro-DF.
terça-feira, 20 de setembro de 2016
O Samba e as Lutas do Povo
A vida do nosso povo é a alma do samba. Aquele que sai da batalha, entra no botequim, pede uma cerva gelada e agita na mesa uma batucada. O povo que canta em versos suas dores, seus amores, suas lutas, mesmo naquela época em que alguém poderia ser preso simplesmente por portar um violão ou um pandeiro. Era um Brasil de Delegados Chico Palha, sem alma nem coração, querendo banir o samba e a corimba de sua jurisdição. Mas o violão e pandeiro ganharam os corações e os salões irreversivelmente, sob olhares furiosos dos senhores, que os queriam mudos ou domesticados, que queriam o samba "com livro de ponto, expediente, protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor". E tantos foram calados, e tantos foram banidos, e tantos foram esquecidos.
Hoje, nesta Brasília amordaçada, cidade-arte, cidade-artista, reprimida, silenciada, onde ninguém ouviu o soluçar da dor no canto do Brasil, as coisas não mudaram tanto assim. A cidade emudecida, que já foi alegria. A cidade que já foi palco de Cássia, Zélia e Ednardo, a cidade que foi um sonho do Oscar, a cidade-borboleta. A cidade que hoje abriga aqueles que querem calar nossos sonhos com um golpe baixo na boca do coração.
Mas aqueles e aquelas que nos abriram os caminhos também nos ensinaram a seguir. É para eles que oramos, e com eles contamos ao nos defrontar com gente infeliz, que diz que a raça não melhora, que a vida piora por causa do samba. Valei-nos Nara Leão, Clara Nunes, João Nogueira, Noel Rosa, Chico Buarque, Cartola, Elis Regina, João Bosco, Aldir Blanc! Socorram-nos Zé Kéti, Gonzaguinha, Alcione, Paulo César Pinheiro, Nelson Sargento!
Nossa carne é feita da carne de todos aqueles que desde o início do século passado usaram notas musicais como armas em combate, que encantaram multidões a preferir um verso de samba do que escutar som de tiro. Eles e elas, que jamais se intimidaram, jamais aceitaram a imposição do silêncio, a proibição de pensar. Nós nos levantamos e eles vêm junto, fazer do nosso canto um canto mais forte. No nosso sangue tem a luta do nosso povo, nossas lágrimas contêm nossa ânsia de futuro, nossos passos apontam nosso gosto pela vida. Nossos instrumentos produzem o som do nosso amor e da nossa luta. Enquanto houver quem tente abafar o voz do oprimido com a dor e o gemido, nós cantaremos. Ninguém vai nos acorrentar, enquanto pudermos cantar, enquanto pudermos sorrir. A gente samba para resistir. A gente canta para não permitir. A gente batuca para conseguir. Afinal, uma dor assim, pungente, não há de ser inutilmente.
Não adianta nos matar: somos herdeiros e herdeiras de um povo que não morre nunca.
Hoje, nesta Brasília amordaçada, cidade-arte, cidade-artista, reprimida, silenciada, onde ninguém ouviu o soluçar da dor no canto do Brasil, as coisas não mudaram tanto assim. A cidade emudecida, que já foi alegria. A cidade que já foi palco de Cássia, Zélia e Ednardo, a cidade que foi um sonho do Oscar, a cidade-borboleta. A cidade que hoje abriga aqueles que querem calar nossos sonhos com um golpe baixo na boca do coração.
Mas aqueles e aquelas que nos abriram os caminhos também nos ensinaram a seguir. É para eles que oramos, e com eles contamos ao nos defrontar com gente infeliz, que diz que a raça não melhora, que a vida piora por causa do samba. Valei-nos Nara Leão, Clara Nunes, João Nogueira, Noel Rosa, Chico Buarque, Cartola, Elis Regina, João Bosco, Aldir Blanc! Socorram-nos Zé Kéti, Gonzaguinha, Alcione, Paulo César Pinheiro, Nelson Sargento!
Nossa carne é feita da carne de todos aqueles que desde o início do século passado usaram notas musicais como armas em combate, que encantaram multidões a preferir um verso de samba do que escutar som de tiro. Eles e elas, que jamais se intimidaram, jamais aceitaram a imposição do silêncio, a proibição de pensar. Nós nos levantamos e eles vêm junto, fazer do nosso canto um canto mais forte. No nosso sangue tem a luta do nosso povo, nossas lágrimas contêm nossa ânsia de futuro, nossos passos apontam nosso gosto pela vida. Nossos instrumentos produzem o som do nosso amor e da nossa luta. Enquanto houver quem tente abafar o voz do oprimido com a dor e o gemido, nós cantaremos. Ninguém vai nos acorrentar, enquanto pudermos cantar, enquanto pudermos sorrir. A gente samba para resistir. A gente canta para não permitir. A gente batuca para conseguir. Afinal, uma dor assim, pungente, não há de ser inutilmente.
Não adianta nos matar: somos herdeiros e herdeiras de um povo que não morre nunca.
![]() |
Foto de Karla Gamba. |
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
No quesito IGUALDADE, o Brasil ainda está longe do pódio
Talvez, a principal frustração da torcida brasileira nas Olimpíadas Rio 2016 tenha sido a ausência de nossa carismática seleção feminina de futebol no pódio de premiação. Sobre nós, prevaleceram as equipes de, respectivamente, Alemanha, Suécia e Canadá.
O time do Brasil começou a competição muito bem, com vitórias, garra, alegria de jogar e muitos gols; o que rendeu às nossas meninas comparações com sua equivalente masculina – que iniciou o torneio deixando a desejar em todos os quesitos mencionados. Porém, essa não é uma comparação justa, por três motivos: 1) Fora Temer; 2) Ao terminar as Olimpíadas, concretizou-se um resultado previsível, mas que parece desabonar o feito de nossas meninas pelo tamanho das expectativas geradas sobre elas, expectativas essas desproporcionais aos investimentos e à atenção da mídia ao longo dos últimos quatro anos; 3) Para comparar Marta a Neymar e a seleção masculina à feminina, seria necessário que todos tivessem igualdade de condições, o que está deveras distante de acontecer.
No Brasil, o futebol ainda é um esporte muito masculino. A desigualdade na distribuição de recursos é gritante, e um pouco disso pode ser atribuído aos níveis diferentes de desenvolvimento: basta lembrar que a primeira partida oficial disputada pela seleção brasileira feminina aconteceu em 1986, quando a masculina já tinha 72 anos de chão. Mas não é só isso. Há as abissais diferenças salariais. Mas não é só isso. Como atestou uma reportagem do jornal inglês The Guardian, de 2006, a partir da experiência da jogadora chilena Dania Cabello no Santos:
“‘Durante os treinos, tínhamos que esperar em nossos quartos na hora do almoço. Enquanto os jogadores almoçavam no refeitório, recebíamos bandejas. Era como se recebêssemos sobras’, contou Cabello, lembrando ainda que o time vestia uniformes masculinos usados e precisava treinar nas areias do balneário paulista porque o campo de treinamentos era ocupado por um dos times juvenis do Santos.
Ironicamente, o time foi extinto em 2011, como parte de um pacote de cortes feitos pela diretoria do clube para tentar custear a presença de Neymar - ele acabou sendo vendido pelo Santos ao Barcelona em 2013”. (1)
Mas não é só isso. Para se referir à prática de um esporte que, no Brasil, ainda é tão masculino, é preciso levar em consideração um aspecto fundamental: as barreiras impostas às mulheres para se inserir num mercado tão dominado pelos homens, parte integrante de um universo absurdamente machista.
Ouro, prata e bronze
Por exemplo: na Suécia, medalha de prata em futebol feminino, há políticas de incentivo ao combate de estereótipos contidos na separação de brinquedos e de cores entre meninos e meninas, para enfrentar o machismo desde o berço. No Brasil, o discurso obscurantista busca limitar a participação das mulheres no espaço público, e iniciativas medonhas, como a Lei da Mordaça, visam a proibir que professores e professoras desconstruam em sala de aula os estereótipos de gênero.
Segundo o primeiro-ministro Stefen Lofven, o governo sueco é feminista. O gabinete é paritário: 12 ministros e 12 ministras. No parlamento, 44,7% são mulheres (2). No Brasil, as mulheres não chegam a 10% da Câmara dos Deputados. Na Suécia, homens e mulheres dividem o trabalho doméstico e de cuidados, graças a muito investimento público no combate à desigualdade. Atualmente, estudam-se formas de intervir na composição do comando das empresas, para que mais mulheres alcancem os postos mais altos também no setor privado (3).
No Canadá, país que nos derrotou na disputa pelo bronze, o parlamento é composto por 26% de mulheres, e há paridade na composição do governo. Ao ser perguntado sobre por que ter metade de mulheres no Ministério, o primeiro-ministro Justin Trudeau não titubeou: “Porque é 2015”. Enquanto isso, no Brasil, uma mulher legitimamente eleita, e contra a qual não pesa acusação alguma, foi cassada por um golpe parlamentar que entregou o poder a um governo inteiramente masculino, conforme noticiaram alguns dos principais veículos internacionais de informação.
Na Alemanha, medalha de ouro em futebol feminino, já há cotas de mulheres na direção das empresas desde 1998. No Brasil, muita gente se queixa do mecanismo de cotas, por desafiar seus próprios privilégios. O Parlamento alemão é composto por 36,5% de mulheres. Lá, busca-se representar linguisticamente as identidades, como forma de combater a desigualdade: artigos científicos e acadêmicos devem usar uma gendergerechte sprache, ou seja, uma linguagem igualitária entre os gêneros. No Brasil, há quem se ofenda pelo uso da flexão presidenta, presente em dicionários de Língua Portuguesa desde antes de eu e Carmen Lúcia nascermos.
Ser mulher
Segundo entrevistas com 370 especialistas ouvidos pelo TrustLaw, da Fundação Thomson Reuters, em 2012, entre os países que integram o G-20 (20 maiores economias do mundo), o Canadá é o melhor país para se ser mulher. A Alemanha vem em segundo lugar. O Brasil lidera a metade inferior da lista: 11º lugar. Tal ranqueamento foi estabelecido a partir de critérios de políticas públicas de promoção da igualdade, de combate à violência e à exploração, aliadas ao acesso a educação e saúde.
O Global Gender Gap 2015, relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial – percebam: Fórum Econômico Mundial – mediu a igualdade entre homens e mulheres a partir de indicadores em quatro áreas: educação, oportunidade e participação na economia; saúde e sobrevivência; e empoderamento político. No ranqueamento, entre 145 países, temos: 4º Suécia; 12º Alemanha; 30º Canadá; 85º Brasil.
Por fim, vale mencionar que, num debate caro ao movimento de mulheres no que se refere à autonomia sobre o próprio corpo e a própria vida, nosso país também não sobe ao pódio: Alemanha, Suécia e Canadá têm o aborto legalizado em seu território desde os anos 70; enquanto, no Brasil, os obscurantistas procuram, cada vez mais, restringir até extinguir o acesso das mulheres aos poucos casos de aborto legal que a lei permite.
A paixão nacional brasileira é um esporte que, até outro dia, era praticado somente por homens, em cujo campo uma mulher que adentra como árbitra ou bandeirinha está sujeita a agressões e assédios que, em entrelinhas, afirmam que ela não é bem-vinda. Só por isso, Marta, Cristiane, Formiga e companhia já são verdadeiras heroínas: elas duelam com o machismo diariamente para se concretizarem como referências no país do futebol.
Não é possível falar da prática do futebol feminino no Brasil sem levar em consideração que, embora tenhamos avançado, nosso país ainda guarda sérias dificuldades em assegurar a autonomia das mulheres e igualdade de condições. Se com tantos obstáculos, chegamos aonde chegamos, imagine só aonde as mulheres podem levar este país se rompermos as barreiras da discriminação, da opressão e da exploração que ainda nos dividem.
(1) Extraído de matéria da BBC Brasil, que pode ser encontrada em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-37028976.
(2) Os dados sobre composição de Parlamentos neste artigo foram retirados de Global Economy.
(3) Com informações da Revista 2. Matéria disponível no portal Geledés:
Como a igualdade de gênero fez da Suécia um país mais rico - http://www.geledes.org.br/como-igualdade-de-genero-fez-da-suecia-um-pais-mais-rico/.
O time do Brasil começou a competição muito bem, com vitórias, garra, alegria de jogar e muitos gols; o que rendeu às nossas meninas comparações com sua equivalente masculina – que iniciou o torneio deixando a desejar em todos os quesitos mencionados. Porém, essa não é uma comparação justa, por três motivos: 1) Fora Temer; 2) Ao terminar as Olimpíadas, concretizou-se um resultado previsível, mas que parece desabonar o feito de nossas meninas pelo tamanho das expectativas geradas sobre elas, expectativas essas desproporcionais aos investimentos e à atenção da mídia ao longo dos últimos quatro anos; 3) Para comparar Marta a Neymar e a seleção masculina à feminina, seria necessário que todos tivessem igualdade de condições, o que está deveras distante de acontecer.
No Brasil, o futebol ainda é um esporte muito masculino. A desigualdade na distribuição de recursos é gritante, e um pouco disso pode ser atribuído aos níveis diferentes de desenvolvimento: basta lembrar que a primeira partida oficial disputada pela seleção brasileira feminina aconteceu em 1986, quando a masculina já tinha 72 anos de chão. Mas não é só isso. Há as abissais diferenças salariais. Mas não é só isso. Como atestou uma reportagem do jornal inglês The Guardian, de 2006, a partir da experiência da jogadora chilena Dania Cabello no Santos:
“‘Durante os treinos, tínhamos que esperar em nossos quartos na hora do almoço. Enquanto os jogadores almoçavam no refeitório, recebíamos bandejas. Era como se recebêssemos sobras’, contou Cabello, lembrando ainda que o time vestia uniformes masculinos usados e precisava treinar nas areias do balneário paulista porque o campo de treinamentos era ocupado por um dos times juvenis do Santos.
Ironicamente, o time foi extinto em 2011, como parte de um pacote de cortes feitos pela diretoria do clube para tentar custear a presença de Neymar - ele acabou sendo vendido pelo Santos ao Barcelona em 2013”. (1)
Mas não é só isso. Para se referir à prática de um esporte que, no Brasil, ainda é tão masculino, é preciso levar em consideração um aspecto fundamental: as barreiras impostas às mulheres para se inserir num mercado tão dominado pelos homens, parte integrante de um universo absurdamente machista.
Ouro, prata e bronze
Por exemplo: na Suécia, medalha de prata em futebol feminino, há políticas de incentivo ao combate de estereótipos contidos na separação de brinquedos e de cores entre meninos e meninas, para enfrentar o machismo desde o berço. No Brasil, o discurso obscurantista busca limitar a participação das mulheres no espaço público, e iniciativas medonhas, como a Lei da Mordaça, visam a proibir que professores e professoras desconstruam em sala de aula os estereótipos de gênero.
Segundo o primeiro-ministro Stefen Lofven, o governo sueco é feminista. O gabinete é paritário: 12 ministros e 12 ministras. No parlamento, 44,7% são mulheres (2). No Brasil, as mulheres não chegam a 10% da Câmara dos Deputados. Na Suécia, homens e mulheres dividem o trabalho doméstico e de cuidados, graças a muito investimento público no combate à desigualdade. Atualmente, estudam-se formas de intervir na composição do comando das empresas, para que mais mulheres alcancem os postos mais altos também no setor privado (3).
No Canadá, país que nos derrotou na disputa pelo bronze, o parlamento é composto por 26% de mulheres, e há paridade na composição do governo. Ao ser perguntado sobre por que ter metade de mulheres no Ministério, o primeiro-ministro Justin Trudeau não titubeou: “Porque é 2015”. Enquanto isso, no Brasil, uma mulher legitimamente eleita, e contra a qual não pesa acusação alguma, foi cassada por um golpe parlamentar que entregou o poder a um governo inteiramente masculino, conforme noticiaram alguns dos principais veículos internacionais de informação.
Na Alemanha, medalha de ouro em futebol feminino, já há cotas de mulheres na direção das empresas desde 1998. No Brasil, muita gente se queixa do mecanismo de cotas, por desafiar seus próprios privilégios. O Parlamento alemão é composto por 36,5% de mulheres. Lá, busca-se representar linguisticamente as identidades, como forma de combater a desigualdade: artigos científicos e acadêmicos devem usar uma gendergerechte sprache, ou seja, uma linguagem igualitária entre os gêneros. No Brasil, há quem se ofenda pelo uso da flexão presidenta, presente em dicionários de Língua Portuguesa desde antes de eu e Carmen Lúcia nascermos.
Ser mulher
Segundo entrevistas com 370 especialistas ouvidos pelo TrustLaw, da Fundação Thomson Reuters, em 2012, entre os países que integram o G-20 (20 maiores economias do mundo), o Canadá é o melhor país para se ser mulher. A Alemanha vem em segundo lugar. O Brasil lidera a metade inferior da lista: 11º lugar. Tal ranqueamento foi estabelecido a partir de critérios de políticas públicas de promoção da igualdade, de combate à violência e à exploração, aliadas ao acesso a educação e saúde.
O Global Gender Gap 2015, relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial – percebam: Fórum Econômico Mundial – mediu a igualdade entre homens e mulheres a partir de indicadores em quatro áreas: educação, oportunidade e participação na economia; saúde e sobrevivência; e empoderamento político. No ranqueamento, entre 145 países, temos: 4º Suécia; 12º Alemanha; 30º Canadá; 85º Brasil.
Por fim, vale mencionar que, num debate caro ao movimento de mulheres no que se refere à autonomia sobre o próprio corpo e a própria vida, nosso país também não sobe ao pódio: Alemanha, Suécia e Canadá têm o aborto legalizado em seu território desde os anos 70; enquanto, no Brasil, os obscurantistas procuram, cada vez mais, restringir até extinguir o acesso das mulheres aos poucos casos de aborto legal que a lei permite.
A paixão nacional brasileira é um esporte que, até outro dia, era praticado somente por homens, em cujo campo uma mulher que adentra como árbitra ou bandeirinha está sujeita a agressões e assédios que, em entrelinhas, afirmam que ela não é bem-vinda. Só por isso, Marta, Cristiane, Formiga e companhia já são verdadeiras heroínas: elas duelam com o machismo diariamente para se concretizarem como referências no país do futebol.
Não é possível falar da prática do futebol feminino no Brasil sem levar em consideração que, embora tenhamos avançado, nosso país ainda guarda sérias dificuldades em assegurar a autonomia das mulheres e igualdade de condições. Se com tantos obstáculos, chegamos aonde chegamos, imagine só aonde as mulheres podem levar este país se rompermos as barreiras da discriminação, da opressão e da exploração que ainda nos dividem.
(1) Extraído de matéria da BBC Brasil, que pode ser encontrada em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-37028976.
(2) Os dados sobre composição de Parlamentos neste artigo foram retirados de Global Economy.
(3) Com informações da Revista 2. Matéria disponível no portal Geledés:
Como a igualdade de gênero fez da Suécia um país mais rico - http://www.geledes.org.br/como-igualdade-de-genero-fez-da-suecia-um-pais-mais-rico/.
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
Não sambe
As palavras ruins se associam por afinidade. Tristeza, ódio, golpe, obscurantismo, autoritarismo. A imposição do silêncio; e nós sabemos que paz sem voz não é paz, é medo. O toque de recolher. Os assuntos proibidos, as desavenças gratuitas: preconceito, violência, cultura do ódio a todo vapor. O cara nem sabe por que odeia, pensa que ele mesmo formulou o ódio ao outro, sem notar que ele comprou um ódio prontinho de fábrica, de segunda mão, único dono. Mas meu senhor, por que tanto rancor? Por que me agride sem me conhecer?
A resposta é o silêncio que atravessa a madrugada. O escuro da noite é belo, mas querem tonar sombrio. A beleza dos nossos sonhos e das nossas lutas, nossos punhos cerrados, nossos braços erguidos, tudo isso virou ofensa. A democracia virou ofensa.
Não pode. Não vá. Não cante. Não pule. Não torça. Não vaie. Não fale de amor. Não erga sua bandeira. Não vista vermelho. Não expresse sua opinião. Há um grito parado no ar, eu não vejo, mas posso senti-lo.
Não sambe. Não sambe. Não sambe. Mas senhor, o samba não agride ninguém. No início do século passado, a gente era criminalizado, samba era vadiagem, João da Baiana foi preso somente por portar um pandeiro. Delegados sem alma e sem coração que não querem samba nem corimba na sua jurisdição. Tinha ficado no passado, mas não. Quando o ódio é maior que o amor, o samba não encontra seu lugar mesmo. Já fomos criminosos. Já fomos vagabundos. Já fomos baderneiros. Tudo bêbado. Mas por que, senhor? É que mesmo calado o peito, resta a cuca.
Somos de novo vagabundos. Artista é vagabundo. Outra vez, somos baderneiros. Vamos acabar com o samba, madame não gosta que ninguém sambe. Mas por que, senhor? Tanta alegria ofende. Juntar gente é perigoso.
Meu samba está sem casa. Mas ainda tem gente que canta, ainda tem gente que brinca. Não podem tolerar gente que canta, somos perigosos. Silêncio, silêncio. Já não há lugar, vamos fechar, vamos esvaziar, vamos interromper. Mandou parar a cuíca: é coisa dos hóme. A fome e a raiva é coisa dos hóme.
Meu samba está sem casa. Mas o samba não se aprisiona em casa nenhuma, não senhor. Quem suportar uma paixão, saberá que a casa do samba é o coração. E em nossos corações vocês não vão poder mandar. Quero ver quem haverá de calar a música que ecoa aqui dentro da minha cabeça.
Meu samba está sem casa, mas o samba é da rua, o samba é sem rumo, o samba é do povo, do amor e de todo lugar. Nós não vamos ficar na saudade: o samba é a nossa casa. E sempre haverá casa para quem tem amor.
"É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva"
(MORDAÇA - Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro)
A resposta é o silêncio que atravessa a madrugada. O escuro da noite é belo, mas querem tonar sombrio. A beleza dos nossos sonhos e das nossas lutas, nossos punhos cerrados, nossos braços erguidos, tudo isso virou ofensa. A democracia virou ofensa.
Não pode. Não vá. Não cante. Não pule. Não torça. Não vaie. Não fale de amor. Não erga sua bandeira. Não vista vermelho. Não expresse sua opinião. Há um grito parado no ar, eu não vejo, mas posso senti-lo.
Não sambe. Não sambe. Não sambe. Mas senhor, o samba não agride ninguém. No início do século passado, a gente era criminalizado, samba era vadiagem, João da Baiana foi preso somente por portar um pandeiro. Delegados sem alma e sem coração que não querem samba nem corimba na sua jurisdição. Tinha ficado no passado, mas não. Quando o ódio é maior que o amor, o samba não encontra seu lugar mesmo. Já fomos criminosos. Já fomos vagabundos. Já fomos baderneiros. Tudo bêbado. Mas por que, senhor? É que mesmo calado o peito, resta a cuca.
Somos de novo vagabundos. Artista é vagabundo. Outra vez, somos baderneiros. Vamos acabar com o samba, madame não gosta que ninguém sambe. Mas por que, senhor? Tanta alegria ofende. Juntar gente é perigoso.
Meu samba está sem casa. Mas ainda tem gente que canta, ainda tem gente que brinca. Não podem tolerar gente que canta, somos perigosos. Silêncio, silêncio. Já não há lugar, vamos fechar, vamos esvaziar, vamos interromper. Mandou parar a cuíca: é coisa dos hóme. A fome e a raiva é coisa dos hóme.
Meu samba está sem casa. Mas o samba não se aprisiona em casa nenhuma, não senhor. Quem suportar uma paixão, saberá que a casa do samba é o coração. E em nossos corações vocês não vão poder mandar. Quero ver quem haverá de calar a música que ecoa aqui dentro da minha cabeça.
Meu samba está sem casa, mas o samba é da rua, o samba é sem rumo, o samba é do povo, do amor e de todo lugar. Nós não vamos ficar na saudade: o samba é a nossa casa. E sempre haverá casa para quem tem amor.
"É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva"
(MORDAÇA - Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro)
quinta-feira, 21 de julho de 2016
Escola Sem Partido: por uma Educação medíocre e enganadora
A Lei da Mordaça, estupidez galopante formulada por um advogado das causas obscurantistas e conservadoras, não tem como alvo os partidos, nem mesmo o suposto problema do proselitismo partidário. Até porque ele mesmo tem partido e quer ver sua ideologia organizando a escola e a Educação.
A iniciativa pretende exterminar a construção de senso crítico e massacrar a diversidade presente nas nossas escolas, que somente é uma amostra da diversidade do mundo fora delas. E assim sendo, não é "só" a democracia que será atacada pelo projeto: a qualidade do ensino, de forma geral, estará.
Há 17 anos, um artigo de Rubem Alves num jornal de grande circulação me chamou a atenção para sempre. Nele, o educador trazia uma importante reflexão, ao contar a história da aeromoça a quem perguntou qual o rio que se avistava ao sobrevoar o Paraná. Ela, sorridente, respondeu que era o São Francisco.
"Posso jurar que ela não colou para passar de ano. Ela sabia direitinho os nomes. Sabia também olhar os mapas. Nas provas, marcou certo o rio São Francisco. Na escola, tirou dez. Então, como explicar que ela visse o São Francisco no norte do Paraná? A resposta é simples: não foi ensinado a ela que o mapa, coisa que se faz com símbolos para representar o espaço, só tem sentido se estiver ligado a um espaço que não é símbolo, feito de montanhas, rios de verdade, planícies e mares. Saber um mapa é ver, pelos símbolos, o espaço que ele representa".
O que Miguel Nagib e seus seguidores querem é ferir de morte exatamente isso. Querem que a escola se limite a falar das fases da mitose, do seno e do cosseno, da vegetação do sul da Ásia, das causas da Guerra dos Cem Anos; fazendo disso tudo apenas símbolos que não saem do laboratório, conhecimento sem sentido.
Expulsar o pensamento crítico das escolas é fortalecer esse olhar medíocre sobre a Educação; é contribuir para formar jovens incapazes de estabelecer relações e de se instrumentalizar dos símbolos para ler o mundo real. Como bem apontava Rubem Alves, conhecimento que não decifra a vida e não ilumina o mundo não é conhecimento. É enganação. Uma ótima palavra, aliás, para definir a tal Escola Sem Partido.
(Alessandra Terribili)
***
PS: É sintomático que, 17 anos depois, eu recorra ao mesmo artigo para falar de Educação que eu usava na época, quando estávamos no auge do combate contra o Provão. Os tempos sombrios estão mesmo de volta.
PS 2: O artigo do Rubem Alves está no link http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz11079909.htm.
domingo, 27 de dezembro de 2015
Ressuscita-me!
Talvez, quem sabe, um dia, por uma alameda do zoológico, ela também chegará. Vai olhar tudo em volta como uma criança fora do seu lugar. Mais ainda: como uma criança que era adulta, numa trajetória parecida com a de Benjamin Button. "O que eu estou fazendo aqui?", perguntar-nos-á.
Ninguém saberá explicar. Ela é tão bonita. Olharão estupefatos, estavam todos ocupados gritando entre si sem se ouvir, dizendo bobagens, fazendo bobagens, agredindo, elaborando ridículas teorias sobre assuntos que solenemente desconhecem. Agora, estarão parados, paralisados, porque não sabem lhe responder o que ela está fazendo aqui. Ela é tão bonita, que, na certa, eles a ressuscitarão.
Talvez, o susto vem daí: se ela estava morta, o que estará fazendo aqui, entre nós, justo nós, que gritamos agressivamente tão alto?
Antes que voltemos a gritar, antes que voltemos para essa sanguinária batalha do cotidiano, gente querendo ditadura, gente querendo matar as pessoas, gente querendo segregar, gente querendo tudo para si e merda para o resto; finalmente sentiremos o coração destroçado pelas mesquinharias. E então, o século XXX vencerá. É de lá que ela vem. Vem para anunciar que agora vamos alcançar tudo o que não pudemos amar na vida.
Alguns corações serão atingidos, e a tristeza, a raiva, o ódio, os gritos, a violência darão lugar ao pranto doído. Nada novo se constrói sem dor.
Arrependidos e cheios de remorso, olharemos para cima e veremos o estelar das noites inumeráveis. E então perceberemos que a nossa passagem pelo planeta é tão miúda que nada nos restará se nossa presença por aqui não servir para alguma coisa boa.
Então ainda haverá gente gritando, ofendendo, desfilando preconceitos e intolerância, agredindo, esbanjando sua arrogância e sua vaidade de nada, porque não é nada, jamais poderia ser alguma coisa se mal sabe do que está falando. Não sabe o que é a política e a odeia. Não sabe o que é o mundo e o odeia. Não sabe quem é o outro e o odeia. Gente que encontra o Chico Buarque na rua e diz que ele é um merda. Gente que cospe em seres humanos que dedicaram a vida a fazer alguma coisa boa para quem chegar depois. Gente que caçoa e pisa em quem julga ser "menor".
Enquanto isso tudo ainda estiver acontecendo, ela gritará: RESSUSCITA-ME! Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro... Mais não somos, mais jamais seremos. Mas quem anseia o futuro é que mais merece viver. Quem não se rende ao presente, quem não se prende ao presente, quem não se limita ao presente. Lindos planos coletivos de que amanhã será melhor. Amanhã vai ser maior. RESSUSCITA-ME, ela segue gritando.
Pois se o pai é, pelo menos, o universo, e a mãe é, no mínimo, a Terra; então o sangue não me divide de ninguém, o ar que eu respiro, antes, me une. Inclusive àquele que até agora está gritando e agredindo. Mas eu também não posso querer ser nada, e à parte isso, trago em mim todos os sonhos do mundo. Vamos viver, vamos viver.
RESSUSCITA-ME!
Que reviva a Esperança. E se ela, de novo, se atirar do alto do décimo segundo andar do ano, outra vez será encontrada incólume. Risonha, caçoando de quem pensou que ela estava morta. Brincando de dar susto, que nem criança. Viva viva viva, Esperança. No final de tudo, eu sei que terá valido a pena passarmos por tudo isto.
Com amor por Caetano, Maiakovski, Fitzgerald, Fernando Pessoa, Mário Quintana e Cândido Portinari.
Ninguém saberá explicar. Ela é tão bonita. Olharão estupefatos, estavam todos ocupados gritando entre si sem se ouvir, dizendo bobagens, fazendo bobagens, agredindo, elaborando ridículas teorias sobre assuntos que solenemente desconhecem. Agora, estarão parados, paralisados, porque não sabem lhe responder o que ela está fazendo aqui. Ela é tão bonita, que, na certa, eles a ressuscitarão.
Talvez, o susto vem daí: se ela estava morta, o que estará fazendo aqui, entre nós, justo nós, que gritamos agressivamente tão alto?
Antes que voltemos a gritar, antes que voltemos para essa sanguinária batalha do cotidiano, gente querendo ditadura, gente querendo matar as pessoas, gente querendo segregar, gente querendo tudo para si e merda para o resto; finalmente sentiremos o coração destroçado pelas mesquinharias. E então, o século XXX vencerá. É de lá que ela vem. Vem para anunciar que agora vamos alcançar tudo o que não pudemos amar na vida.
Alguns corações serão atingidos, e a tristeza, a raiva, o ódio, os gritos, a violência darão lugar ao pranto doído. Nada novo se constrói sem dor.
Arrependidos e cheios de remorso, olharemos para cima e veremos o estelar das noites inumeráveis. E então perceberemos que a nossa passagem pelo planeta é tão miúda que nada nos restará se nossa presença por aqui não servir para alguma coisa boa.
Então ainda haverá gente gritando, ofendendo, desfilando preconceitos e intolerância, agredindo, esbanjando sua arrogância e sua vaidade de nada, porque não é nada, jamais poderia ser alguma coisa se mal sabe do que está falando. Não sabe o que é a política e a odeia. Não sabe o que é o mundo e o odeia. Não sabe quem é o outro e o odeia. Gente que encontra o Chico Buarque na rua e diz que ele é um merda. Gente que cospe em seres humanos que dedicaram a vida a fazer alguma coisa boa para quem chegar depois. Gente que caçoa e pisa em quem julga ser "menor".
Enquanto isso tudo ainda estiver acontecendo, ela gritará: RESSUSCITA-ME! Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro... Mais não somos, mais jamais seremos. Mas quem anseia o futuro é que mais merece viver. Quem não se rende ao presente, quem não se prende ao presente, quem não se limita ao presente. Lindos planos coletivos de que amanhã será melhor. Amanhã vai ser maior. RESSUSCITA-ME, ela segue gritando.
Pois se o pai é, pelo menos, o universo, e a mãe é, no mínimo, a Terra; então o sangue não me divide de ninguém, o ar que eu respiro, antes, me une. Inclusive àquele que até agora está gritando e agredindo. Mas eu também não posso querer ser nada, e à parte isso, trago em mim todos os sonhos do mundo. Vamos viver, vamos viver.
RESSUSCITA-ME!
Que reviva a Esperança. E se ela, de novo, se atirar do alto do décimo segundo andar do ano, outra vez será encontrada incólume. Risonha, caçoando de quem pensou que ela estava morta. Brincando de dar susto, que nem criança. Viva viva viva, Esperança. No final de tudo, eu sei que terá valido a pena passarmos por tudo isto.
Com amor por Caetano, Maiakovski, Fitzgerald, Fernando Pessoa, Mário Quintana e Cândido Portinari.
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
Greve vitoriosa
Aqui não há uma análise política. Há palavras humanas sobre uma ação humana.
***
Sempre vou me lembrar do Antônio Cândido dizendo: toda greve é vitoriosa, pela mobilização e pela reflexão que possibilita. Eu era estudante da USP e aquela foi minha primeira greve.
Quinze anos e algumas greves depois, eu continuo aprendendo o sentido daquela frase. Foram vinte e nove dias intensos, preenchidos por discussões acaloradas nas escolas, no comando de greve, nos corredores, pelo telefone (especialmente pelo tal do whatsapp). Preenchidos por sangue, suor e lágrimas, literalmente. Preenchidos por muita paixão, confiança, fé nos ideais, solidariedade, medo, coragem, tudo se alternando ao mesmo tempo agora. As frustrações que vinham de conversas com colegas fura-greve. A vontade de vencer que essas mesmas conversas despertavam, porque se tudo fosse fácil, ninguém precisava lutar. É por isso que lutadores e lutadoras são imprescindíveis: não é fácil, mas alguém tem que fazer. Se não, o mundo não muda.
Guardarei muitas imagens desta greve na minha mente para sempre. A violência policial contra nós no Eixão Sul, quando já nos preparávamos para deixar o local – aquela covardia que marcou a mim menos do que a companheiros(as) que foram presos(as) e agredidos(as), e certamente marcou a história do Distrito Federal. A assembleia que sucedeu esse episódio, com quase 15 mil professores e professoras na Praça do Buriti. Um líder da oposição entrando na escola empunhando a bandeira do Sinpro. A bandeira vermelha do Sinpro tremulando desde dentro da sala da Presidência da Câmara. O baralho feito em cartões de visita para suportar as horas de ocupação. O carro de som em Santa Maria, dirigido por um motorista que não conhecia a cidade e, pensando estar na contramão, disparou na rua, deixando os(as) manifestantes para trás. As professoras grevistas que, ao visitar um Jardim da Infância para convencer o grupo de professores(as) a entrarem em greve, assumiram uma turma de pequenos para que seu professor pudesse ir para a sala de coordenação nos ouvir. A música do faraó simbolizando os desmandos do GDF e da Justiça, mas animando a tarde dos guerreiros e guerreiras que fizeram greve de fome.
Tenho orgulho de ter participado dessa história. Vitórias foram construídas, outras ficaram por construir. E eu não tenho dúvida que o grau de mobilização e de reflexão proporcionado por esta greve não só fazem jus às sábias palavras de Antônio Cândido, como abrem caminho para completá-las: o carinho e os abraços que há entre as pessoas enlaça a luta perfeitamente bem, e faz com que se desfaça no ar a dureza das pedras que nos atiram. É bom demais trabalhar com essa categoria!
Rollemberg que se cuide. Já estamos prontos e prontas para a próxima.
***
Sempre vou me lembrar do Antônio Cândido dizendo: toda greve é vitoriosa, pela mobilização e pela reflexão que possibilita. Eu era estudante da USP e aquela foi minha primeira greve.
Quinze anos e algumas greves depois, eu continuo aprendendo o sentido daquela frase. Foram vinte e nove dias intensos, preenchidos por discussões acaloradas nas escolas, no comando de greve, nos corredores, pelo telefone (especialmente pelo tal do whatsapp). Preenchidos por sangue, suor e lágrimas, literalmente. Preenchidos por muita paixão, confiança, fé nos ideais, solidariedade, medo, coragem, tudo se alternando ao mesmo tempo agora. As frustrações que vinham de conversas com colegas fura-greve. A vontade de vencer que essas mesmas conversas despertavam, porque se tudo fosse fácil, ninguém precisava lutar. É por isso que lutadores e lutadoras são imprescindíveis: não é fácil, mas alguém tem que fazer. Se não, o mundo não muda.
Guardarei muitas imagens desta greve na minha mente para sempre. A violência policial contra nós no Eixão Sul, quando já nos preparávamos para deixar o local – aquela covardia que marcou a mim menos do que a companheiros(as) que foram presos(as) e agredidos(as), e certamente marcou a história do Distrito Federal. A assembleia que sucedeu esse episódio, com quase 15 mil professores e professoras na Praça do Buriti. Um líder da oposição entrando na escola empunhando a bandeira do Sinpro. A bandeira vermelha do Sinpro tremulando desde dentro da sala da Presidência da Câmara. O baralho feito em cartões de visita para suportar as horas de ocupação. O carro de som em Santa Maria, dirigido por um motorista que não conhecia a cidade e, pensando estar na contramão, disparou na rua, deixando os(as) manifestantes para trás. As professoras grevistas que, ao visitar um Jardim da Infância para convencer o grupo de professores(as) a entrarem em greve, assumiram uma turma de pequenos para que seu professor pudesse ir para a sala de coordenação nos ouvir. A música do faraó simbolizando os desmandos do GDF e da Justiça, mas animando a tarde dos guerreiros e guerreiras que fizeram greve de fome.
Tenho orgulho de ter participado dessa história. Vitórias foram construídas, outras ficaram por construir. E eu não tenho dúvida que o grau de mobilização e de reflexão proporcionado por esta greve não só fazem jus às sábias palavras de Antônio Cândido, como abrem caminho para completá-las: o carinho e os abraços que há entre as pessoas enlaça a luta perfeitamente bem, e faz com que se desfaça no ar a dureza das pedras que nos atiram. É bom demais trabalhar com essa categoria!
Rollemberg que se cuide. Já estamos prontos e prontas para a próxima.
Assinar:
Postagens (Atom)