terça-feira, 27 de julho de 2010

CQC: Originalidade na expressão do senso comum

Volta e meia aparece uma "novidade" na TV, pretensamente original, imparcial, inteligente. Particularmente, poucas vezes vi uma promessa dessas se confirmar.

Na TV Band, o CQC apresentou-se com essa embalagem: formato inovador, repórteres-comediantes, abordagens interessantes para temas conhecidos. Mas, parece-me - e posso estar enganada por não ser uma telespectadora assídua -, recorre a elementos já bem conhecidos do grande público para consolidar sua audiência. Acaba, portanto, tentando fazer o novo a partir do velho. Uma contradição em termos?

No programa de ontem, houve uma mensagem de saudação à aprovação, na Argentina, do reconhecimento do casamento gay. Um repórter foi às ruas mostrar que o preconceito é firme e forte. Outra repórter entrevistou celebridades que, esboçando alguma contradição ou não, felicitaram a decisão de nossos hermanos, em defesa da livre orientação sexual. Porém, entre um quadro e outro, ou dentro de cada quadro mesmo, as piadas que desqualificam os homossexuais - como imputar ao outro o qualidade de "viado" numa tentativa de diminuí-lo, de afirmar que ele é inferior - continua dando o tom. Uma contradição em termos?

Outra. No início do programa, Marcelo Tas fazia o discurso democrático da necessidade de dar espaço a todos os candidatos que disputam a presidência da República. Para demonstrar que pratica o que prega, a repórter Mônica Iozzi entrevistou, entre outros, o candidato do PCB, Ivan Pinheiro.

Talvez a jovem repórter não faça ideia de que falava com o representante de um partido de quase 90 anos. Partido que fez parte dos principais momentos da história do Brasil nesse período, e que expressa uma tradição internacional importante. Ivan Pinheiro e o PCB foram apresentados ao lado de Eymael e Levyr Fidelix, caricatos por opção, não simplesmente por abordagem da imprensa.

A repórter destacou 3 pontos da plataforma de Pinheiro: controle social da mídia, regulamentação do sistema financeiro e a defesa de um sistema político unicameral. Referiu-se a esses temas, em especial, aos dois primeiros, como questões ultrapassadas ou malucas mesmo. O fato de o candidato ter poucos segundos para falar de qualquer um desses temas deu um tom geral de deboche, de mundo da lua.

Talvez ela - e o programa - não faça ideia de que se tratam de temas muito discutidos e aprofudados pela esquerda brasileira. Propostas reais e exequíveis, que, infelizmente, não contam com tempo na grande mídia, que discorda politicamente delas, para serem apresentadas e disputadas.

O CQC, portanto, engrossou a mesma ladainha de que controle social é censura, e que moderno mesmo é a "livre" circulação de capitais, "livre" mercado, "livre" especulação. Mostrou ignorar que qualquer processo democrático que se preze (e nem precisa ser muito de esquerda para ver) inclui um marco regulatório para a atividade da imprensa, e o contrário disso sim é que é ditadura - a ditadura da mídia, dos poucos que a possuem. Não aceitou debater a existência de um Senado, essa Casa que remete aos imemoriais tempos imperiais, e cuja atuação, não raro, é motivo de vergonha para alguns homens e mulheres sérios que ali tentam trabalhar.

O CQC tratou o candidato Ivan Pinheiro como qualquer outra emissora de TV que finge que sua candidatura não existe. Contradição?

E, assim como todo veículo da grande imprensa, reforçou um rótulo de que a esquerda é jurássica, autoritária e até engraçada por isso. O que tem de novo?

Ah, sim. A vontade de fazer tudo isso parecer original.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Construir democracia plena

Virou um bafafá a confusão em torno ao programa da Dilma. As diretrizes aprovadas pelo PT em seu 4º Congresso foram registradas junto ao TSE e imediatamente substituídas por um texto mais brando, dado o rebuliço que as propostas petistas geraram na grande imprensa.

Eram temas importantes os que foram excluídos do texto oficial: jornada de trabalho de 40 horas semanais, controle social da mídia (que insiste que ninguém pode controlá-la e que ela deve fazer qualquer atrocidade impunimente), legalização do aborto, taxação de grandes fortunas. A imprensa explorou a contradição, e muitos e muitas que votarão em Dilma ficaram descontentes por perceber que aquilo que lhes é caro, o programa do PT, é facilmente negociado para que não se perca a simpatia (e será que ela existe?) de quem sempre foi seu adversário político.

Aqui, quero incluir um ponto a mais entre os que não têm tido atenção suficiente da campanha petista, e que poderiam ser carros-chefe da chamada da população a defender nas ruas sua candidata e seu programa: democracia participativa.

O PT sempre se orgulhou de ter a participação popular entre seus princípios de governo. A experiência de diversas administrações municipais foi tão exitosa que a direita, ao reconquistar o poder, não pôde simplesmente interromper. Foi obrigada a adaptar até conseguir descaracterizar processos de participação.

Agora, o partido está diante de uma possível terceira experiência à frente do Governo Federal, com a possibilidade de radicalizar uma experiência democrática, construindo novas formas de exercício do poder. Porém, se essa poderia ser uma consequência do caminho trilhado até aqui, para alguns, dentro do próprio PT, não parece que está claro. No 4º Congresso do partido, uma das polarizações que tiveram lugar foi justamente no tema democracia participativa, em diretrizes de programa de governo. Foi um debate limitado, aquém de debates acumulados anteriormente no PT.

Os limites da democracia representativa são conhecidos. As críticas que o PT formulou ao longo dos anos abarcam os vícios do poder nessas esferas, como o clientelismo, o coronelismo (em suas mais diversas modalidades, atualizadas, inclusive), a formação de currais eleitorais, a corrupção e a subordinação de escolhas que deveriam ser públicas a uma lógica privada, ditada pelos "de sempre".

O Estado precisa ser mudado, e de forma democrática. Sabe-se bem qual foi a dificuldade de se discutir uma reforma política no Congresso Nacional neste último mandato do presidente Lula. A não prioridade dedicada ao tema, o não consenso em torno dele são reflexos de um poder que não pode (e não quer) se autorreformar. Na convenção nacional do PT, em que foi oficializada candidata, Dilma afirmou que priorizará esse tema, e incluiu a participação popular e o combate aos vícios tradicionais entre os resultados que quer obter do processo.

O conservadorismo hermético da forma como o poder político é exercido no Brasil precisa perder hegemonia, para se construir uma democracia plena, que definitivamente supere o período de autoritarismo que se viu na história recente, mas também, os séculos de autoritarismo velado que os brasileiros e brasileiras vivenciaram.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A lama e os inteligentes

- A mãe dela a abandonou em tenra idade. O pai dela, segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é estuprador. Olha o histórico dessa moça? Ela era atriz pornô, trabalhava em produções pornográficas, era profissional do sexo. Não estou jogando lama em ninguém, só estou mostrando a pessoas inteligentes o argumento defensivo.

Essa fala, de acordo com o portal do jornal "O Globo", é de Ércio Quaresma, advogado de Bruno Fernandes, goleiro do Flamengo, e de mais cinco acusados por envolvimento no caso.

Não vou eu, aqui, analisar desde um ponto de vista jurídico o encaminhamento das investigações. Certo é que os indícios são inúmeros de que a garota foi morta de forma fria e cruel, e, aparentemente, porque o milionário pai de seu filho não queria garantir o que era direito dela e da criança.

Desqualificar a vítima - a mulher assassinada sem direito a defesa e por motivo fútil - por meio de afirmações levianas sobre a vida dela, que, verídicas ou não, nada têm a ver com a história de sua morte, aponta o caminho que a defesa de Bruno vai trilhar: a mesma truculência que matou Eliza. O mesmo machismo. Machismo que deveria remeter a comissão de ética advogados que se utilizam dele para confirmar suas teses.

Por "pessoas inteligentes", no discurso do ilustre jurista, entenda-se: aqueles homens que sabem que quando uma mulher é violentada a culpa é, evidentemente, dela mesma, não do agressor cretino e covarde.

Por "lama", entenda-se: informações difamatórias que podem ou não ser verdade, ninguém nunca vai saber e em nada mudará a história em caso de confirmação. Mas essa "lama", jogada sobre uma Eliza que não tem como contratar advogado para defendê-la, tem papel fundamental na desqualificação da vítima, do caso, no argumento de que sua vida não vale nada ou de que sua moral seria tão questionável que morte dela pode ser um grande engano! Isso, se não livrar a cara de seu cliente, atenuaria a gravidade do ato praticado por ele, expressa no tamanho da sua pena. Um nojo, não é?

No mais, sou da tese de que mulher que se prostitui não é criminosa. Criminoso é quem prostitui as mulheres. Mais um ponto contra os defendidos por Quaresma.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma velha história

Nos anos 80, a luta contra a violência contribuiu para fortalecer e consolidar o feminismo no Brasil. As mortes de Ângela Diniz (1979) e de Eliane de Gramond (1981) por seus ex-maridos chocaram o Brasil. Eram mulheres que puseram fim a seus casamentos, e, além da brutalidade dos assassinatos, os dois casos envolviam pessoas conhecidas da opinião pública, o que lhes conferiu ainda mais “notoriedade”. "Quem ama não mata" era a resposta dada pelas feministas àqueles que sugeriam que os homens matavam “por amor”.

Mas não tardou a tentativa de transformar as vítimas em rés, “compreendendo” o criminoso, que teria “perdido a cabeça” por ação delas. Organizadas, as mulheres repudiaram o machismo que levou Ângela e Eliane à morte, e que, depois, buscou incessantemente justificar essas mortes com base na conduta das vítimas. A tal defesa da honra dos homens era reivindicada. O movimento de mulheres não se calou e colocou em questão as insígnias do "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ou a ideia de que "um tapinha não doi".

O tempo passou e, em 2000, a própria mídia foi pano de fundo para um crime análogo. A jornalista Sandra Gomide foi morta pelo ex-namorado, Pimenta Neves, então diretor de redação de O Estado de São Paulo. O assassinato aconteceu precisamente porque o namoro acabou. Por conta disso, ela sofreu agressões físicas e verbais, perdeu seu emprego, foi perseguida. Neves chegou a ameaçar de retaliações qualquer pessoa que oferecesse trabalho a Sandra. Pela mídia, a moça chegou a ser tratada como "aquela que namorou com o chefe para subir na vida".

Em 2008, outro episódio de violência contra mulher gerou comoção nacional. Eloá Pimentel, com seus 15 anos, praticamente foi assassinada ao vivo e em rede nacional pelo ex-namorado, que a sequestrou e a manteve em cativeiro por cinco dias. A agonia da menina foi acompanhada em tempo real, e ao se tornar a personagem central de uma história dramática, ela, como as já citadas, teve sua vida exposta e sua conduta julgada, apresentada como principal fundamento do comportamento agressivo de seu assassino.

Há poucos meses, a vítima foi Maria Islaine, cabelereira, morta pelo ex-marido diante de câmeras que ela mesma mandou instalar no salão onde trabalhava, julgando que essa atitude a protegeria da violência anunciada. Dias atrás, tivemos a infelicidade de testemunhar o advogado do assassino defendendo seu cliente com o bom e velho “ela provocou”, espaço oferecido por Ana Maria Braga.

Eliza e Mércia

Agora, a mídia tem apresentado as histórias de Eliza Samudio e de Mércia Nakashima como se fossem romances policiais. Convida-nos a acompanhar cada momento, provoca comoção, sugere respostas, vasculha a vida das mulheres mortas e as expõe a julgamento público, sem direito de defesa. A tragédia é exaustivamente explorada, e no final, a lição que fica é: elas procuraram.

Mércia morreu, aparentemente, porque rejeitou seu ex-namorado. Cometeu o desaconselhável equívoco de querer sua vida para si mesma, de não aceitar perseguições, sanções ou intimidações. Entretanto, tem-se falado em traição e ciúmes. E lá vem, de novo, a conversa fiada (e retrógrada) da defesa da honra. Mas é Mércia quem não está mais aqui para defender a sua.

De Eliza, disse-se de tudo: maria-chuteira, garota de programa, abusada, oportunista. Acontece que não importa. Não importa se ela foi garota de programa, se era advogada, modelo, atriz, estudante ou deputada. Ela está morta. Teria morrido qualquer que fosse sua profissão, qualquer que fosse sua atitude. E morreu, aparentemente, porque o pai de seu filho não queria arcar com as obrigações legais e éticas de tê-la engravidado.

Ela nunca vai poder se defender das acusações póstumas. Não vai ao “Superpop” defender sua versão ou sua história. Não vai estampar a capa de “Contigo”, acompanhada de frases de impacto entre aspas. Ela está morta, e o que ela fez ou deixou de fazer, pouco importa agora. E seria prudente, inclusive, evitar julgá-la pelo crime que a matou.

Mais uma vez, a história se repete. Mulheres são mortas por homens com quem se envolveram. Assassinos frios, esses homens tiraram a vida de mulheres confiando na impunidade, porque há quem os “compreenda”. A morte de Eliza e de Mércia parece ter sido calculada e premeditada. E mesmo assim, segue ecoando a ideia de que a culpa é delas, que elas procuraram, que elas provocaram. Assustador.

O espetáculo da violência


Infelizmente, histórias como as de Eliza, Mércia, Eloá, Maria, Sandra, Ângela e Eliane são muito mais comuns do que se imagina. E antes de culminar em assassinato, outras formas de violência foram praticadas contra cada uma delas, como acontece com muitas – as que morrem e as que se salvam.

A espetacularização promovida pela mídia, no entanto, faz parecer que são histórias ímpares e distantes do cotidiano da vida real. Como se o perigo não morasse ao lado, como se muitas não dormissem com o inimigo. Na sua família, na sua vizinhança, no seu local de trabalho, no seu círculo de amigos, certamente há casos de violência contra mulheres, e certamente você ouviu falar de pelo menos um deles. Em recente levantamento, a ONG Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos apontou que uma mulher é agredida a cada 15 segundos no Brasil, e uma em cada quatro afirma já ter sofrido violência. Há que se considerar também que existem as que não afirmam – por medo ou vergonha.

Essas mulheres não são co-autoras de seu assassinato. É recorrente a trama montada para torná-las rés, para justificar suas mortes nas ações delas mesmas, para tolerar a violência. “Que sirvam de exemplo”, parece que dizem.

Num mundo em que a desigualdade entre mulheres e homens se expressa visivelmente desde na divisão das tarefas domésticas até no controle dos corpos delas pela Igreja ou pelo Estado, passando pela realidade de violência e pela discriminação no mercado de trabalho ou por serem tratadas como objetos descartáveis na rua e na TV; ninguém pode dizer que não sabia; nem fazer piadinhas que celebram os casos. São mulheres de carne e osso, não são personagens de novela.

Os criminosos são homens, esses que as mataram. E são cúmplices todos os que a toleram ou que buscam subterfúgios no comportamento da vítima para declará-la culpada por sua própria morte. São cúmplices silenciosos, igualmente, aqueles que fingem que machismo, discriminação e opressão são peças de ficção.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Polvo alemão hesitou bastante antes de escolher vice de Serra

Do blog da revista Piauí. Hilário e imperdível.

OBERHAUSEN – Fritz Sbeltzlarger, empresário do polvo alemão que acertou todos os resultados da Alemanha nesta Copa do Mundo, revelou ontem que foi procurado há uma semana por Sérgio Guerra, presidente do PSDB. De acordo com Sbeltzlarger, o senador estava visivelmente transtornado e afirmou que “pagaria qualquer preço para que o molusco resolvesse uma questão espinhosa do seu partido”. Guerra confessou que já procurara uma cigana em Cochabamba, um guru indiano e um pajé do Alto Xingu, mas todos teriam reagido com uma gargalhada. O polvo era a última esperança, “até porque ele não ri”.

Antes que Sbeltzlarger se pronunciasse, Guerra sacou do colete diversas fotos e pediu uma “consultoria”. Sbeltzlarger não quis revelar o valor do negócio, mas fontes sugerem que a transação girou em torno de 150 mil dólares mais um cargo comissionado na gráfica do Senado para Frida Sbeltzlarger, sua tia-avó que mora em Blumenau. Já o polvo teria sido conquistado com a promessa de passar sete dias em Fernando de Noronha com tudo pago.

As fotos de todos os possíveis candidatos a vice de José Serra foram divididos em quatro grupos. Os cabeças-de-chave foram Aécio Neves, Álvaro Dias, Rodrigo Maia e o próprio Sérgio Guerra. A partir das previsões do polvo, os vencedores de cada grupo avançaram para a fase de mata-mata. Na final, o favorito Aécio Neves disputou a vaga com o azarão Indio da Costa. Testemunhas contam que, nesta hora, o polvo hesitou bastante. Chegou a fingir-se de morto, mas Sbeltzlarger deixou claro que se o animal não fizesse logo a escolha iria para a panela. Como o polvo insistisse em não se mexer, o empresário fritou ali mesmo um dos filhotes do bicho.

Quando o tentáculo do cefalópode finalmente tocou na pele morena do deputado carioca, Sérgio Guerra ficou arrepiado e teve uma epifania. Na mesma hora, tweetou que a questão estava resolvida.

Em Belo Horizonte, Aécio Neves concedeu a Medalha do Inconfidente para o polvo, e já está pensando em lançá-lo para deputado federal. "Desde que dona Risoleta morreu, ninguém fez tanto por mim", disse o ex-governador.

Para ler a "matéria" em seu local original, clique aqui.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jabulani pra frente

Sexta-feira, o clima era de chateação geral na capital federal. Aposto que no Brasil inteiro foi assim. Frustração, desesperança, desconsolo, tristeza. Mas passa. Tristeza tem fim e felicidade também.

Eu não me mobilizo para torcer pelo Brasil, desde que me conheço por gente (a primeira Copa de que me lembro bem é a de 94). Não me mobilizo porque aquilo não me seduz, não me encanta, não me desperta sentimentos bons em relação ao esporte ou ao Brasil mesmo.

Não vou aqui criticar quem faz o contrário. Inclusive porque eu estaria me contradizendo. Pra mim, é simples assim: é um torneio internacional, muito bom de acompanhar, e eu escolho o time que eu quiser para torcer. O que eu gostar mais. Pra Holanda ganhar seu primeiro mundial. Pro Messi se consagrar de vez. Pro futebol bonito triunfar sobre a retranca. Sei lá. Não é automático que eu torça pelo Brasil simplesmente porque é o país em que eu nasci. E daí??? Faço muito mais coisas por ele do que torcer pela sua seleção de futebol. Mais do que muita gente que compra a camisa oficial, se esgoela de torcer e chora na eliminação. Mais do que os jogadores que compõem a seleção, apostaria.

Começa assim: vivo a contradição de ser uma feminista que gosta muito de um esporte praticado quase que exclusivamente por homens, discutido majoritariamente por homens, adorado por quase todos os homens. Obviamente, isso o torna, ainda, um esporte bem masculino, em que encontram eco as mais diversas manifestações de machismo que têm lugar na sociedade como um todo. Mas sabemos que há espaços em que se concentram mais.

A estúpida declaração de Felipe Melo sobre chutar bolas e mulheres, antes do início da Copa, foi apenas a pior delas nesse contexto de campeonato mundial. Mas nem precisa ir muito longe, basta olhar o tempo recente, para lembrar de causos como os que envolvem o "imperador" Adriano e suas famigeradas brigas com a mulher e seus percalços com a polícia carioca. Sem contar o suposto filho que Ronaldo não reconhece (no Japão?), a acusação a Robinho por tentativa de estupro (na Espanha?), declarações, declarações e mais declarações desastrosas, como a do Neymar - aquele mesmo, que não foi pra Copa -, que diz que não é negro. Recentemente, vimos chegar o cúmulo do absurdo de o goleiro campeão brasileiro ser suspeito de espancar uma mulher até a morte (com quem ele teve um caso extraconjugal e um filho clandestino).

Isso sem contar o que é parte do futebol em si. A presença avassaladora das empresas multinacionais nas equipes, os interesses privados, máfias que dominam campeonatos, as manipulações, os mercenários, as acusações de corrupção. São muitas e bem concretas, não são só especulação. Alguém não se lembra dos processos na Justiça, investigações da polícia, CPIs no Congresso Nacional?

Não vão me convencer a morrer de amores pela seleção e a organizar a minha vida em função disso de 4 em 4 anos. Não me dá vontade. Quem quer, que o faça, e - eu preferiria -, sem militar pela causa, sabendo que é só um campeonato de futebol. E sem vir tentar salvar a minha alma, me converter, essas coisas bem chatas. Eu também não estou pedindo pra ninguém deixar de torcer pra seleção brasileira. Afinal, isso implicaria em deixar de torcer para seus times também, em alguma medida - pra ser coerente.

Ninguém que venha me incomodar por não fazer a mesma opção. Não vou chorar a eliminação, não vou comprar briga que não é minha, não vou aderir a rivalidade tosca nenhuma. E vou torcer por quem eu quiser, sem compromisso prévio ou "natural". Minhas demonstrações de carinho pelo Brasil, prefiro executar de outra forma, por exemplo, lutando com dedicação pelo que acho melhor pro nosso povo e pra nossa soberania.

"Mas Ale, o povo fica feliz com a vitória". Tem muita coisa que é capaz de gerar felicidade coletiva, as pessoas não dependem apenas do futebol de 4 em 4 anos. Realmente, não me sinto culpada por não engrossar o côro dos contentes nesse âmbito. E, em hipótese alguma, vou choramingar ou concordar com quem choramingue que a ausência de "bad boys" levou o Brasil ao fiasco. Não sou lá muito a favor de dar chance boa a gente que já a tem de sobra, e só aproveita mal. Não me parece que o Brasil seja assim tão carente de bons jogadores a ponto de depender de quem dá demonstrações sucessivas de desvios de comportamento, de postura e até de caráter.

E, no mais, 2014 está aí. Para os superticiosos de plantão, os 190 milhões de técnicos de futebol, os das mesas redondas de boteco... assunto pra conversar, tem de sobra. Que volte o campeonato brasileiro. Que voltem os esportes todos à mídia. E que a seleção brasileira, cada um de seus jogadores, e que a Copa e todos os times brasileiros façam por merecer toda essa atenção e esse carinho das pessoas, daqui até 2014.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Direito Autoral: Hora de reformar uma lei antiquada e elitista

Eis um tema importante pra toda a sociedade brasileira, mas particularmente pra quem produz cultura de alguma forma, e defende a democratização da comunicação. Foi retirado do site do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). Boa leitura.


Reforma da lei de Direito Autoral: melhor para a sociedade, melhor para os autores

Não há dúvidas de que é preciso realizar um amplo debate em rede sobre direito autoral. Trata-se de um dos temas centrais para o desenvolvimento do Brasil, e estamos nos propondo a dialogar em conjunto com o Ministério da Cultura, que já disponibilizou para consulta pública a proposta de reforma da lei de direito autoral (http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/consulta/), construída em Fórum Nacional.

Essa é uma pauta transversal a outros temas em debate em nosso país – como o projeto do plano nacional de banda larga, o marco civil da internet, a regulamentação das lan houses, o software livre, além dos projetos de cultura e música em andamento.

O fato é que a legislação autoral vigente não compreende que o mundo mudou e que a internet democratiza a comunicação e, consequentemente, o acesso a conteúdos. Hoje, as relações na produção de bens culturais mudam constante e consideravelmente a cada momento.

Existem, no Brasil, interesses em criminalizar com muita rigidez a livre circulação de conteúdos, artísticos ou não, e isso é resultado de uma lei que contempla apenas um lado da questão, bem como interesses das grandes empresas. Isso quer dizer que, na atual legislação autoral, não existe possibilidade de uso justo e sem fins lucrativos de obras ou conteúdos em geral, inclusive as que são financiadas com dinheiro público – que é arrecadado de cada cidadão.

Compreendo que a Internet e os diversos dispositivos móveis mudaram e continuam mudando a realidade da comunicação e, por essa razão, muitos querem tornar crime a troca de conhecimentos e de bens culturais. Quem o defende são as gravadoras e os meios de comunicações tradicionais, que querem manter sua histórica hegemonia na indústria cultural.

Diante de tudo isso, faz-se necessário mudar a legislação por meio de uma amplo debate participativo, como é proposto pelo Minc. O resultado desse processo deve equilibrar a remuneração justa do autor e o acesso público aos conteúdos.
O debate aberto é fundamental e, muito embora criticar não signifique declarar guerra, não podemos fechar os olhos para as distorções negativas da atual lei. É preciso realizar um debate franco, aberto, responsável e com argumentos. Em inúmeros documentos, inclusive na CPI do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), realizada em São Paulo, constata-se que não existe transparência e nem fiscalização pública do que é arrecadado e repassado pelo ECAD.

Eis parte da conclusão desse documento: “As oitivas e os documentos obtidos ao longo desta CPI, todos anexados e fazendo parte integrante do processo, levaram à conclusão primordial de que o assunto ‘direitos autorais’ ligados à música encontra-se em estado institucional anárquico, pois o Estado perdeu o poder de normatização, supervisão e fiscalização que antes possuía, pela Lei no 5.998/73, revogada que foi pela Lei no 9.610/98” (Comissão parlamentar de inquérito constituída com a finalidade de investigar possíveis irregularidades praticadas pelo escritório central de arrecadação e distribuição – Ecad, referentes ao eventual abuso, bem como à falta de critérios na cobrança de direitos autorais finalizada em abril de 2009).

Além disso, a atual lei não permite copiar/xerocar trechos de livros para fins educacionais, o que torna ilegais todos os serviços de xerox nas escolas e universidades. Não é permitido copiar músicas de um CD para o celular, nem mesmo copiar um filme para o computador. Por isso, a consulta pública é fundamental, e já podemos analisar a proposta disponibilizada pelo Ministério da Cultura para a reforma da legislação autoral. É possível, inclusive, já destacar alguns pontos importantes:

1 – Cópia privada
Artigo 46 – Inciso I “a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra legitimamente adquirida, desde que feita em um só exemplar e pelo próprio copista, para seu uso privado e não comercial”

Da forma como está apresentada a redação, me parece que teremos problemas na regulamentação desse item. Qual seria o mecanismo para identificar se a obra foi adquirida legitimante e se a cópia foi feita apenas por quem a adquiriu? Como regulamentar? Assim, defendo que a nova lei permita a livre utilização/cópia de obras protegidas com direito autoral para uso privado, desde que tal uso não se dê com finalidade comercial.

2 – Conversão de formatos
artigo 46 – inciso II – “II – a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra legitimamente adquirida, quando destinada a garantir a sua portabilidade ou interoperabilidade, para uso privado e não comercial”

Este artigo está muito bom, pois significa que vamos ter a possibilidade de converter os formatos de arquivos e copiar para nossos dispositivos móveis, como celulares e computadores.

3- artigo 46 inciso XIII
“A reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de qualquer obra, sem finalidade comercial, desde que realizada por bibliotecas, arquivos, centros de documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada para atender aos seus fins;”

Neste ponto, a lei permite que instituições públicas como bibliotecas, museus e cinematecas possam fazer cópias livremente com o objetivo de preservar o nosso patrimônio cultural, sem precisar pedir autorização do autor.

4- Fiscalização do ECAD
Artigos 98, 98A e 98B
ECAD, Abramus e todas as associações representativas dos autores passam a ser fiscalizadas pelo governo. Eis um grande avanço. Proponho que todos os valores arrecadados e repassados sejam publicados em página eletrônica na internet, para fácil fiscalização pela sociedade. Além disso, é muito importante que essa fiscalização tenha, inclusive, um conselho gestor eleito pela sociedade. Nesse sentido, devemos considerar a experiência do Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cgibr). O processo deverá ser público e não apenas estatal.

5 – Jabá
Artigo 110B – “Art. 110-B. O oferecimento, por parte de titular de direitos autorais ou pessoa a seu serviço, de ganho, vantagem, proveito ou benefício material direto ou indireto, para os proprietários, diretores, funcionários ou terceiros a serviço de empresas de radiodifusão ou serviços de televisão por assinatura, com o intuito de aumentar ou diminuir artificiosamente a frequência da execução ou exibição pública de obras ou fonogramas específicos, caracterizará infração da ordem econômica, na forma da Lei no 8.884, de 1994.”

Mesmo não mencionando a expressão “prática do jabá”, a proposta caracteriza essa prática como algo ilícito. O jabá constitui-se na prática mais vergonhosa da indústria fonográfica. Além de ser desleal, cria graves distorções para o pleno desenvolvimento da diversidade cultural, em que nosso país é rico. Por meio do jabá, quem paga faz acontecer, e quem não paga está excluído. O atual sistema de arrecadação e repasse monopolizado pelo ECAD, somado ao monopólio da comunicação, cria e torna comum essa prática.

Por tudo isso, a realização de um amplo debate é tão importante quanto urgente. Parece-nos claro que a atual legislação está em descompasso com as mudanças pelas quais a sociedade vem passando, de modo que é preciso unir forças a fim de marcar uma posição sólida e que atenda aos interesses dos autores e, é claro, de toda a sociedade.