quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Os cúmplices da homofobia assassina



Lembro que quando eu tinha menos de 20 anos, minhas duas irmãs, que estudavam no mesmo colégio de padres onde eu estudara - Agostiniano Mendel, na zona leste de São Paulo -, foram impedidas de se rematricular de um ano para o outro na escola. Motivo: queriam fundar um grêmio estudantil, e colocaram-se contra a escola num ato institucional de homofobia.

Havia um garoto homossexual, amigo delas, muito jovem. O garoto se apaixonara por um colega e, assim, declarou-se. O colégio tratou o ocorrido como uma afronta à sua autoridade. Queria expulsar o menino. Lembro que a Folha de S. Paulo, em seu "Folhateen", publicou matéria sobre o caso, abordando como preconceituosa a atitude do colégio. Lembro também que foi assim que minhas irmãs conheceram a militância do PT, que prontamente se dispôs a fortalecer a justa briga contra a direção.

Na época, eu pensava assim: poxa, eu vejo um monte de meninos incomodando com seu assédio um monte de meninas, e eles não são expulsos. Ou um monte de meninos adolescentes machistas e mimados que já naquela ocasião, recém-saídos das fraldas, exercitavam sua capacidade de humilhar e descartar meninas, tratando-as como simples bonequinhas de luxo, e nunca lhes foi dirigida uma palavra de repreensão.

Era evidente que se tratava de homofobia. Não lembro bem o desfecho do caso, mas sei que o colégio propunha-se a expulsar o garoto, e que minhas irmãs, com outros e outras colegas, não aceitaram a evidente discriminação. Sobrou para os solidários também.

Anos depois, já feminista, outra ocasião. Estávamos entre diversos militantes da juventude do PT num bar ao lado da sede do partido. Conversávamos, cantávamos, discutíamos política e curtíamos a presença uns dos outros. Havia duas meninas namorando.

Em certo momento, um troglodita metido a machão começou a incomodá-las. Elas não estavam fazendo nada demais, estavam juntas, abraçadas, beijavam-se vez ou outra. O homem passou a disparar gracejos grosseiros contra elas, naquela lógica de que "tem que apanhar pra aprender". Não cessava. Um amigo, homossexual, indignado, pediu que o sujeito parasse e respeitasse as meninas. Em resposta, o assediador mostrou um revólver que se encontrava sob a sua camisa ao meu amigo - que, óbvio, assustou-se muito. Soubemos que o homem era policial.

O troglodita passou a seguir meu amigo pelo bar, a ponto de ir atrás dele ao banheiro. Lembro que fui junto, e que, deixando o banheiro, propus que fôssemos embora. Levei meu amigo à sua casa naquele dia; o caminho todo, ele muito assustado, chorando um pouco, e dizendo em voz soluçante que corre risco de morrer, todos os dias, apenas por ser como é.

A intolerância violenta de animais que circulam pela Avenida Paulista - a mesma que recebe, todos os anos, a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo - ou em muitos outros cantos do país é legitimada por escolas que corroboram com a homofobia, por policiais que tratam com displiscência situações de discriminação, por homens que se julgam poderosos o suficiente para julgar quem merece ou não ser respeitado neste mundo. E muito mais gente. Sabe aquela piada de viado que você adora reproduzir em situações de descontração? Devia parar. Sabe os olhares assombrados para homens que dão a mão a homens e a mulheres que beijam mulheres na boca? Também devia parar. Faz, tudo, parte do mesmo ciclo.

Só existe uma intolerância legítima: a intolerância contra a violência. Ninguém pode aceitar, de tamanho nenhum, em espaço nenhum, de forma alguma. Se você é contra o casamento gay, problema seu. Não se case com alguém do seu sexo. Mas não queira normatizar a vida dos outros. Isso é, um pouco, o que dá coragem a esse bando de marginais para agredir pessoas na rua simplesmente porque demonstram carinho e afeto por outra pessoa. Nada pode ser mais cruel.

Não, eu não quero equiparar a sua piadinha homofóbia, ou a sua disposição de cantar palavras de ordem homofóbicas no estádio de futebol, à tentativa de assassinato que alguns empreendem contra outros por serem homossexuais. Eu só quero dizer que a sua atitude faz parte da mesma lógica. E que devia parar.


***
PS: A foto acima foi tirada há poucos dias, numa atividade acontecida na Universidade Católica de Brasília, contra o machismo, a homofobia e a intolerância. Foi um dia de exibição de filmes sobre os temas, debate e, ao final, um ato político dos estudantes. As faixas levavam palavras de repúdio à violência e em defesa da liberdade de amar. A imagem é bonita porque exibe um símbolo de união e solidariedade pra enfrentar a violência.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Osso duro de roer

Assim como o primeiro, Tropa de Elite 2 é um filmaço. Não à toa, é recorde de público no país, e não à toa, tem sido tão festejado pela mídia. Wagner Moura, realmente, é um dos maiores de sua geração, e o filme o consagra definitivamente: ele está brilhante.

Porém, cabem reflexões (Aliás, que bom! Mérito do filme).

Ao ver Capitão (ou melhor, Coronel) Nascimento na capa da "Veja", celebrado como heroi nacional, concluí que há muito o que se relativizar. O roteiro e a direção são excelentes, não vou eu, mera mortal me intrometendo a falar de cinema, questioná-los. Entretanto, sob um olhar de esquerda, há debates de conteúdo a se fazer.

O que me intriga em Tropa de Elite 2, assim como no primeiro, é justamente a leitura que se faz do heroi Capitão/Coronel Nascimento. Na primeira sequência, Nascimento é apresentado como policial do Bope - altamente dedicado, correto, forte. Tanto que sofre de estresse profundo e tem dificuldades em encaminhar a própria vida privada. O retorno do público, em particular, da classe média, foi mesmo entendê-lo como heroi. Um heroi que tortura, mata "se for preciso", e forma seus pupilos para serem implacáveis contra o crime dos debaixo, mas não consegue vencer a corrupção entre os seus.

Nascimento é um personagem complexo. É preciso um olhar atento para decifrar o conjunto de opiniões que ele expressa entendendo-o dentro de um determinado contexto, não de forma absoluta, não como o porta-voz da ética e da moralidade. O que há de ético na tortura? Que moral admite a morte de tanta gente em decorrência de uma "guerra particular", como no filme (ótimo!) de João Moreira Salles?

Reconhecer Capitão Nascimento como o heroi ético e forte é aderir a uma ética que é a do perdoão às mortes despropositadas, ao abuso de autoridade, à disposição para a limpeza étnica e social, em nome do combate às drogas e à criminalidade que amedrontam a classe média. É como o personagem Fraga diz no segundo filme: impunidade só existe pros de cima. E é Capitão Nascimento quem faz a inexistência de impunidade ser implacável contra os debaixo: as penas aplicadas estão no código penal, mas outras pairam pelo ar e se aplicam igualmente, como se previstas em lei.

O que o primeiro filme apresenta sobre consumo de drogas, tráfico, terceiro setor, corrupção policial, vida nas favelas, vida na universidade foram abordados a partir de certo moralismo reducionista, e às vezes, preconceituoso. Tocou em feridas, certamente. Mas em quais?

Creio que, para o segundo filme, vale o mesmo. Fora do Bope, o agora Coronel assume uma subsecretaria na Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Convive de perto com a política, os políticos, e, como ele mesmo diz, "a cabeça do sistema". Percebe que "o buraco é mais embaixo". Ou mais em cima.

De alguma forma, a relação conflituosa entre Nascimento e Diogo Fraga, militante defensor dos direitos humanos que conquista uma vaga na Assembleia Legislativa fluminense, conduz o filme. Quem narra é Nascimento, portanto, é a partir dele que se vê Fraga. Porém, o público acaba por assimilar a visão do policial de forma acrítica, e a sutileza irônica dos discursos passa despercebida. Os esteriótipos de "bandido bom é bandido morto" e de que militantes dos direitos humanos "defendem bandidos" acabam reforçados pela visão seletiva do espectador.

A arte é composta também pela interpretação que se faz dela, a forma como o receptor a lê a partir das mediações colocadas pela sua experiência individual e coletiva. Minha opinião é de que não se pode ignorar esse aspecto quando se quer transmitir uma mensagem. Ainda mais quando essa mensagem tem sim uma pretensão crítica.

O primeiro confronto entre Fraga e Nascimento exposto pelo filme se dá em ocasião na qual o policial manifesta sua disposição de dar vazão a uma revolta em Bangu I para que os traficantes se eliminem entre si. Explicitamente. É Fraga quem atrapalha o plano. Mas, na sala de cinema onde eu assisti o filme, o público aplaudiu quando um policial desobedeceu as ordens de seu superior para entrar no presídio a fim de assassinar os presos rebelados.

Denunciar as milícias é o ponto forte. Nobre inspiração, opino. Entretanto, reforçar os esteriótipos de que todo mundo é filho da puta não contribui para o enfrentamento das milícias, nem do tráfico, e muito menos - o mais importante -, da desigualdade social brutal que caracteriza o Rio de Janeiro e o Brasil.

Para mim, o grande problema em Tropa de Elite 2, desde uma perspectiva de esquerda, é que ele acaba reforçando a leitura de que a política está integralmente contaminada pelo crime e pela corrupção, corroborando com o afastamento de tantas e tantos, o que legitima, de uma forma ou de outra, a ação das maçãs podres, e enfraquece os muitos e muitas bons combatentes que fazem dessa sua arena. Embora haja o Fraga, há o Fraga sob um olhar "viciado" (com o perdão do trocadilho) de Nascimento, e depois, como a exceção que confirma a regra. Ou como um Dom Quixote.

A política é repleta de oportunistas, coroneis, e sim, chefes de quadrilha. Mas há aqueles e aquelas que disputam opiniões, apresentam projetos, promovem debates públicos, tudo a fim de construir um Brasil diferente. Então, se a crítica não for politizada e certeira, incorre no grave erro de reforçar o reducionismo, o senso comum e mesmo a criminalização da política como um todo. Assim, muitos, ao assistir o que filme lhes exibe, preferem autorreferendar sua solução apática e preconceituosa diante do mundo e da possibilidade de sua transformação.

Nem Wagner Moura nem Padilha, aposto, aprovam esse tipo de interpretação de seu trabalho. Mas se é preciso lutar contra um "sistema", como identifica Nascimento, não basta conhecer seus inimigos. É preciso saber que há, sim, aliados. E que a luta vale a pena. Que Coronel Nascimento não é o super-heroi brasileiro porque não é modelo e porque não é o único. Que o Fraga não é um iludido apaixonado. Se Tropa de Elite 2 tiver como saldo especial o reforço de paradigmas e preconceitos sobre política, pobres e jovens, não ajuda. Mesmo que a intenção não seja essa.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os descaminhos de uma campanha sórdida, baixa e machista

Mesmo na esquerda, muita gente ainda acha que esse papo de feminismo é "balela". Alguns acham que tudo se resolve com o socialismo, outros acham que nem é verdade que há tanta opressão assim. Normalmente, os dois tipos se acham imunes à prática machista - que reproduzem acriticamente, desapercebidos ou não.

Até por essa razão, entre tantas outras muito importantes, disputar a Presidência da República com uma candidata mulher era um grande desafio. Para lograr, era necessário contornar preconceitos que sugerem que lugar de mulher não é na política, que desqualifica-as e/ou invisibiliza-as.

(Registre-se aqui minha opinião, desde o início, de que Dilma era a melhor candidata que o PT tinha para representar 8 anos de Governo Lula e perspectivas de avanços democráticos e socioeconômicos. Fecha parênteses.)

As dificuldades se colocaram logo de início, e nem vieram de fora. Eu fiquei aborrecida ao chegar à convenção do PT, em junho, e notar que a grande ideia que o marketing apresentava aos petistas para celebrar o fato de termos uma candidata mulher era mostrá-la como "mãezona". "Pátria mãe, Pátria mulher" era o mote da convenção - mesmo tendo havido bela homenagem a diversas lutadoras da história do Brasil, mulheres imprecindíveis como os homens, mas sempre fadadas à invisibilidade.

A questão é: as mulheres podem ser mães, se quiserem. Mas não se reduzem a úteros. Elas podem ser mães, trabalhadoras, militantes, companheiras, amigas, empreendedoras. Suas qualidades profissionais não dependem da sua capacidade de dar à luz. Se elas não forem mães, isso não faz delas menos legítimas ou menos competentes para atuar na política ou em qualquer outro lugar. Maternidade não é destino irremediável, de forma que só sua concretização abre caminho para a felicidade da mulher.

"Ai, mas o marketing apurou via pesquisas qualitativas que...".  Dane-se. Somos capazes de construir um discurso mais avançado, que seja compreensível e sedutor. O que não dá é para continuar legitimando essa ideia conservadora de que o lugar das mulheres no mundo se dá a partir da maternidade, e não junto com ela.

Ok, próximo ponto.

No Jornal Nacional, primeiro turno, a primeira pergunta que Willian Homer Simpson Bonner dirigiu à candidata Dilma foi: "Você passou por inúmeras transformações estéticas, foi difícil?". A candidata teve de perder preciosos segundos do debate político que poderia ter feito para contar a Bonner o que aconteceu com seus cabelos, suas unhas e seu figurino. Nunca antes na história desse país uma pergunta dessas foi feita a um candidato homem. E olhem que não foi privilégio da Dilma construir uma estética para se expor à disputa eleitoral. Imaginem se alguém perguntaria a Maluf por que ele trocou de óculos ou a Aécio por que ele mudou o penteado ou o bronzeado.

Foi ainda durante o primeiro turno que vimos aquela desprezível e fatídica charge que, sob o título "Uma candidata de programa", associava Dilma a uma prostituta. Afinal, às mulheres, a prostituição sempre é uma possibilidade. Se uma mulher te fecha no trânsito, ela é "puta", "vaca", "piranha". Se um homem fecha, é "corno" - e aqueles xingamentos se voltam contra a companheira dele. Toda mulher que participa, de uma maneira ou de outra, do mundo da política já vivenciou ou observou a desqualificação das mulheres a partir desse ponto. É fácil e é violento.

A campanha oficial de Serra não fugiu da mesma linha. No melhor estilo vale-tudo eleitoral, o candidato do PSDB acusava sua concorrente de incompetência e alertava: "ela não vai dar conta". Ora, quanta ingenuidade de quem não percebe que questionamentos dessa natureza nada mais fazem que explorar a histórica discriminação contra a presença das mulheres na política. Política não é lugar de mulher. Precisa ser forte, falar grosso e "por o pau na mesa". Nessa lógica, torna-se risível que uma representante do sexo feminino ouse apresentar-se para o mais alto cargo da República. Blasfêmia! "Ela não vai dar conta" expressa uma linha de campanha que opta de forma consciente e perversa por acentuar os preconceitos machistas para poder se valer deles na disputa eleitoral. Igualzinho Maitê Proença, em frase fascistoide, havia recomendado no início da campanha.

Daí à centralidade dada à criminalização das mulheres no início do segundo turno, um passo. Nunca antes na história desse país a questão do aborto foi imposta como pauta de campanha, e de maneira tão torpe. Candidata mulher tem que falar de aborto. Tem que ser remetida para assuntos da vida privada e da intimidade das outras mulheres. Candidata mulher tem que temer a Deus mais que os homens, afinal, são mulheres, esses bichinhos pecadores, que nem Eva, que fez o pobre do Adão morder a maçã.

A questão do aborto foi contrabandeada, nesta campanha, até por quem já assumiu declaradamente sua posição favorável à descriminalização, como a Folha de S. Paulo. Porém, assim como Serra, em calhordice explícita (qualificação então dada por Ciro Gomes), decidiu utilizar-se do preconceito e até da desinformação para promover ódio religioso contra a candidata Dilma e, claro, contra as mulheres e sua busca por autonomia sobre seus corpos. Essa hipocrisia surtada prestou um desserviço para as mulheres, mandou o Estado laico pras cucuias e jogou o nível da campanha para baixo da camada do pré-sal.

Daí foi um tal de todo mundo comungar, se confessar e pagar penitência pra ganhar voto do "povo de Deus". Nunca antes na história desse país pareceu que quem ia definir a eleição era Deus. Achei que os ateus e ateias seriam excomungados primeiro e exilados depois, em caso de vitória de qualquer um.

A campanha de Dilma bateu cabeça. Perdeu tempo até encontrar um discurso que superasse a encalacrada sem violentar os próprios princípios. Nesse caminho, houve até dirigente do PT acusando as mulheres pelo insucesso nas andanças. Felizmente, foi devidamente desautorizado pela coordenação da campanha. E então, enfim, Dilma passou a dizer: "Prefiro atender as mulheres do que prendê-las". Bingo.

Enquanto isso, a Justiça Eleitoral apreendeu e proibiu a circulação de panfletos, em tese, assinados por três bispos da CNBB, que acusavam Dilma, o governo e o PT de defender o aborto até o nono mês de gestação; e solicitavam que o povo não votasse em quem é a favor da legalização do aborto. Ninguém me convence de que os panfleteiros que distribuíram esse material o faziam por devoção a Deus. Aliás, proibido ou não, os panfletos foram distribuídos até o dia da eleição.

E, pra coroar a brilhante e digna campanha, com direito a tantas pérolas do vice trapalhão, que valeriam um texto à parte, José Serra terminou a jornada pedindo às mulheres bonitas que ganhassem 15 votos para ele. Pronto. Fechou com chave de ouro, reafirmando que o grande trunfo das mulheres em qualquer disputa que travem é o fato de disporem de uma vagina. Isso depois ainda de ter pagado mico internacional após fazer tomografia e ficar em repouso durante 24 horas ao ser atingido por uma bolinha de papel. Dignidade pra quê mesmo né?

[Escrevo isso tudo em meio à balbúrdia em torno do racismo e do fascismo descarado contido em declarações de eleitores do Serra via twitter. O ódio dirigido aos pobres, ao povo do Nordeste (aonde esse tipo de gente vai passar suas férias de verão, sem se importar em explorar seu povo, suas mulheres, seu meio-ambiente), chega a ser assustador. Porque desvelado? Não, porque existente. Inacreditável. Que tenha consequências. Fecha colchetes.]

Numa campanha que atingiu índices de despolitização assombrosos e com manifestações explícitas e desavergonhadas de baixaria eleitoral, fizeram falta iniciativas de superar todo esse mar de lama de forma respeitosa para com o povo brasileiro. Eu queria ter visto Dilma mostrar na TV os feitos do Governo Lula para melhorar a vida das mulheres, afinal, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) tem muito o que mostrar. Boa parte das ações do governo incidiram positivamente sobre a vida das mulheres, destaque para a política para a agricultura familiar, a economia solidária e a valorização do salário mínimo, por exemplo.

Agora, passados os festejos pela vitória de Dilma, de Lula, do PT; ou pela derrota de Serra, do PSDB, do DEM, do conservadorismo extremo e da direita; é hora de arregaçar as mangas ainda mais. Superamos todos esses processos, não sem dor. Não foi fácil atravessar esta campanha. E se elegemos a primeira mulher presidenta do Brasil, esperemos que ela represente no Planalto o combate à sordidez machista que se enfileirou contra ela nesta eleição, mas que oprime tantas e tantas mulheres cotidianamente no Brasil e no mundo. Não podemos recuar nesse enfrentamento, nem subordiná-lo a outras "prioridades".

Não vou desejar sorte ou força a Dilma, isso eu sei que ela tem. Eu gostaria mesmo é que, ao final de seu governo, um saldo muito especial dele fosse esse: mulher pode SIM - como a presidenta mesma destacou. E que nunca mais na história desse país a gente seja obrigada a vivenciar tanto machismo na munição de uma campanha. Isso doi bem mais que bolinha de papel.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Registre-se: repúdio à despolitização e ao autoritarismo

Deixa eu ver se eu entendi bem. Então, é tudo um grande BBB. É isso? Não vamos eleger um(a) presidente(a), mas sim, um zelador da moral, dos bons costumes e da vida dos outros. É isso??? Significa que a situação do país é tão grave que todo mundo tem que entregar a Deus, obrigatoriamente, crente ou não, praticante ou não? Ou, como disse um velho amigo via twitter, só devemos votar em quem comunga, é crismado e se confessa regularmente?

Olha, é frustrante perceber que a jovem democracia brasileira, ainda buscando sua consolidação, está refém desse show de horror pautado pela candidatura da direita - mais anacrônica e antiética que nunca -, legitimado pela grande imprensa e aceito pela candidatura progressista.

Juro pra vocês que tenho extrema dificuldade de acreditar como, em pleno século XXI, mais de 2 mil anos de era cristã, com tantas idas e vindas sofridas pelo catolicismo, crises éticas e morais, com a recente proliferação das tais igrejas neopentecostais, mas principalmente, com milênios e milênios de acúmulo histórico da construção de uma sociedade, de luta popular por liberdade, por igualdade, por justiça... com os avanços da ciência e da tecnologia, com o aumento da escolarização das pessoas, a massificação dos veículos informativos e de entretenimento... Gente, com tudo isso. Como alguém tem coragem de querer determinar com quem uma pessoa pode ou não pode se casar!!!? Como??? O que dá o direito a quem quer que seja de afirmar que homem não pode casar com homem, e mulher não pode casar com mulher?

Como li no twitter há poucos dias: se você é contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo, não se case com alguém do seu sexo. Mas não queira dizer aos outros o que eles podem ou não fazer da vida deles. Não lhes diga que eles não podem ser felizes e que eles são obrigados a se submeter a uma moral externa, que o Deus de alguém impõe através de seus súditos autoritários, intolerantes e preconceituosos.

Acho interessante que liberdade religiosa tenha virado pauta, e com esse grau de centralidade. Sou super pró liberdade religiosa. Pra todo mundo, inclusive pra quem não quer ter religião. É precisamente por isso que o Estado é laico - ouviram bem? LAICO -, porque ele não pode impor a todos os seus cidadãos e cidadãs a crença que, assumidamente, não é de todos.

Cada um cultue seu Deus, encaminhe seus rituais, suas preces, exalte seus símbolos e representações, e viva de acordo com a moral em que confia. Mas deixe em paz quem não quer fazer isso, ou pelo menos, que não quer fazer disso a razão de sua existência - porque nem isso está sendo respeitado neste momento! Nem o grau de comprometimento que cada pessoa quer ter com sua religião!

Minha impressão é a mesma de tantos que já disseram: parece que retrocedemos séculos na história. Daqui a pouco, estaremos perseguindo os não-cristãos. É a isso que chegaremos? Ninguém na grande imprensa tem vergonha de avalizar isso?

"Vamos avançar, sair dessa pauta", alguns pedem. Eu concordo. Quero uma eleição politizada, com disputa de projetos para o país. Mas é necessário encerrar essa polêmica com uma conclusão: muitas Igrejas estão claramente atentando contra a liberdade religiosa através de chantagem política, e estão sendo estimuladas a isso pela direita mais nojenta, que está procurando recompor sua cara.
 
É preciso ficar bem claro quem é contra a liberdade nesta história.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O amante

Suspirou fundo e disse que era isso mesmo, sem volta. No rosto dele, um tremendo ponto de interrogação. Não esperava, não estava entendendo, não encontrava motivos. Parecia tudo normal até dez minutos atrás.

- Tem alguém? - foi só o que conseguiu perguntar.

- Sim, tem alguém.

Silêncio ensurdecedor. Aquele momento de ter tanto pensamento na cabeça que eles se chocam entre si e não se articulam, não se concatenam, ficam ininteligíveis.

- Como você pôde? Como teve coragem de jogar todos estes anos pela janela?

- A opção foi sua, você a fez aos poucos.

- Mas quem é ele???

- É alguém que gosta da minha companhia, que se diverte ao meu lado, que se interessa pelo que faço, que me admira, que dá valor às minhas opiniões e a qualquer mínimo esforço que faço por ele. Enfim, é alguém que me fez perceber que eu não sou a otária dispensável que você me fazia sentir.

Tapa com luva de pelica. Tá bem, quer dizer que encontrou um príncipe encantado, que ele lhe calçou um sapatinho de cristal e foram, de carruagem, rumo à lua de mel???

A feição dela era serena... não estava preocupada, não sentia medo se arrepender, nem dor, nem remorso. Estava calma e falava devagar. Chegou a deixar poucas lágrimas escaparem, mas por ninguém, "só porque é triste o fim".

Já ele mal conseguia ter qualquer tipo de reação. Estava, como se diz, "pasmo". Dita a última palavra, ela saiu, disse que jantaria fora. Será que encontraria o tal amante? E como vai ser essa separação, ele não queria separação nenhuma! Talvez uma boa DR poderia resolver, que solução mais radical a dessa mulher! E que história é essa de valor?

Entupiu-se de remédios para dormir e desmaiou - no sentido figurado - no sofá, TV ligada na reprise do futebol de três dias atrás. Quando acordou, baita dor de cabeça. Ela estava saindo para trabalhar.

- Vou sair de casa no final de semana.

Ele não foi trabalhar. Sozinho, aproveitou para chorar. Perdido, sem rumo, sem reação. Nem sabia para quem telefonar, se devia pedir ajuda. Às vezes era tomado pela esperança de que sua mulher voltasse atrás.

Num impulso, ligou para a melhor amiga dela:

- Não, ela não está disposta a ser convencida. E nem eu quero convecê-la a voltar atrás.

- Mas ninguém toma uma decisão dessas do nada!

- Não foi do nada.

- E quem diabos é esse homem??? De onde ele é, como se conheceram, o que ele tem de tão bom?

- Eu não o conheço e você não deveria se preocupar com isso. Cuide de sua vida agora.

Mas não lhe saía da cabeça a descrição que a mulher dera do amante. Parecia ser alguém agradável. Espirituoso talvez. Talvez gostasse de política, astronomia, filmes de arte. Devia ser carinhoso.

De tão enlouquecido, passou a segui-la. Discretamente, acompanhava-a do momento em que saía do trabalho, ou da casa recém-alugada e ainda sem móveis, para observar com quem ela se encontraria e que trajeto cumpriria. Fez isso repetidas vezes, e nunca encontrou o tal sujeito.

Viu-a com colegas de trabalho algumas vezes, outras, com as amigas da ginástica. De vez em quando, saía sozinha e fazia amizades novas. Gostava de ouvir jazz. Preferia os assuntos bons aos ruins, sua gargalhada ecoava e o rosto era tomado pelo sorriso. Parecia de fácil trato, se entendia bem com os que estavam à sua volta. Em algumas ocasiões, falava muito sério, discutia assuntos relevantes com muita propriedade. Outras vezes caía de sono na mesa do bar, do restaurante ou da casa onde se encontrava. Levantava e ia embora. Dormir. Sozinha.

Passaram-se três meses seguindo-a, e assim descobriu muito sobre a mulher que até há pouco era a sua mulher. Mas nada de descobrir quem era o amante.

- Alô?

- Oi Jorge, como vai? - a voz era alegre (ela estava irritantemente sempre alegre).

- Liguei pra saber como tem passado.

- Muito bem, obrigada.

- Tudo bem com o novo namorado?

- Sim, tudo ótimo, vamos viajar no feriado.

Só faltava agora ela dizer que teria um filho desse destruidor de lares!

Chegou o feriado. Ele a seguiu pela última vez. Parece que ia à praia, mas saiu de casa sozinha. Tomou o caminho do mar, sem parar em lugar algum para buscar pessoa nenhuma. Foi direto, sozinha. Hospedou-se numa pousada simples, e estava sorridente. Levou livros, CDs e um único filme que queria assistir havia muito tempo, mas não o tinha feito ainda. Acordava, tomava café da manhã, ia à praia, lia, mergulhava. Conversou com muitos desconhecidos e desconhecidas.

- Jorge, o que está fazendo aqui???

- Cadê seu namorado hein? Ele te deu o cano?

- Você me deu o cano por anos, Jorge...

- Onde ele está?

- Ele não existe. Ele é da minha imaginação.

Esperava qualquer coisa, menos isso. Só faltava agora a mulher ser doida.

- Ele é tudo que você não é, ele é tudo de que senti falta nesses anos todos. E, agora, havendo um padrão, eu só volto a entrar nesse barco se for com ele.

- Mas ele não existe!!!

- Então não entro com ninguém. Estou bem assim.

- Uma hora você vai precisar de um homem.

- Eu preciso, mas já tenho muitos. E muitas mulheres também.

- Estou falando de sexo.

- Quando eu quiser sexo, eu terei. Não precisa ser com você e nem com ele.

- Ele quem, criatura, ele não existe!!!!

- Ora, não me amole.

Dirigiu de volta para a cidade atônito. Não sabia se era pior ser trocado por alguém ou por ninguém. A cabeça, outra vez, cheia de pensamentos que não se encontravam. "Ela ainda vai acabar me procurando", pensava para se tranquilzar.

Pelo caminho, passou por um outdoor que anunciava uma marca de lingerie, estrelando uma top model dessas que não têm paralelo na vida real. Observando a mulher na foto, imaginou: "Mas eu também podia ter uma namorada".

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Que Flávio Dino e o povo maranhense vençam a eleição e o coronelismo


Em política, não vale aquela premissa do "não se meta onde não foi chamado". O bom político ou política não precisa ser parlamentar ou dirigente partidário. Pode ser militante de uma causa social, da sua categoria profissional, de um espaço geográfico em que atua. Importante, pra ser bom na política, é justamente a capacidade de se envolver com causas que não parecem diretamente suas, mas são, porque a humanidade é uma só. Como disse Che Guevara, o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor.

É com esse espírito que quero registrar aqui meu apoio e minha solidariedade à candidatura de Flávio Dino, do PCdoB, no Maranhão.

O povo maranhense tem a oportunidade histórica de derrotar uma das mais conhecidas oligarquias coronelistas do país, que domina o estado desde a década de 60 e sobrevive até hoje. Que construiu seu poder e sua riqueza à custa da população de um dos estados mais pobres da federação, cujo IDH (índice de desenvolvimento humano) só fica à frente de Alagoas. O poder da família Sarney é tamanho que se estende para o Amapá, onde Sarney, o José, se elege senador da República. Os Sarneys controlam os principais veículos de comunicação locais, são donos de boa parte do estado, e muito amigos dos donos da outra parte. Ou seja: disputar contra os Sarneys é travar uma luta de Davi e Golias.

Dino é deputado federal, muito respeitado no Congresso, e tem trajetória política irrepreensível no seu estado. Juiz, sempre esteve do lado oposto ao da oligarquia. Sempre se dispôs a travar essa disputa difícil contra os donos do estado. Sempre foi um crítico ferrenho do coronelismo e da exploração. Sempre foi de esquerda, e portanto, sempre lutou para transformar o país e o Maranhão.

Roseana Sarney representa o atraso. Sua campanha se utiliza de todos os métodos para garantir votação. Um estado pobre, uma representante da principal oligarquia, uma conhecida história de desrespeito ao patrimônio público e à democracia. Equação montada.

Se Lula hoje apoia Roseana - nem quero entrar nesse debate -, a verdade é que é Flávio Dino que tem compromisso com as bases fundamentais do projeto que levou Lula à eleição em 2002 e 2006, e que fizeram de seu governo o mais bem avaliado da história, atingindo o incrível patamar de 80% de aprovação. Já Roseana Sarney é a sobrevivência de um tipo de política que deve ser eliminada de nosso país - tanto quanto o DEM, de onde ela saiu. Se temos avanços democráticos importantes hoje, o que a família Sarney representa para o Maranhão (e para o Amapá, e para o Brasil) está em total descompasso com o novo Brasil que Lula se orgulha de estar construindo.

Na disputa pelo governo do estado, a campanha de Flávio Dino é algumas centenas de vezes mais modesta que a de Roseana. Tem muito menos tempo de TV e acesso a financiamento privado - contra o que ele tem lutado no Congresso, na defesa de uma reforma política profunda e democrática, que rompa com a estrutura privatista do sistema político e eleitoral brasileiro hoje.

Dino foi candidato a prefeito de São Luís há dois anos, foi ao segundo turno e teve um desempenho surpreendente. Na ocasião, o PT o apoiou. Em 2010, o PT do Maranhão votou para marchar com Dino. O Diretório Nacional do partido impôs uma outra aliança, mas não pôde impor a candidata: mais da metade dos petistas maranhenses está efetivamente na campanha de Dino, na esperança, de novo, de vencer o medo e superar o lastimável atraso político, econômico e social que o estado ainda vive.

Se pudesse, eu pediria pessoalmente o voto de cada maranhense para Flávio Dino, 65. Não apenas porque ele está com Lula desde 1989, não apenas porque ele é de esquerda, sério, não apenas porque ele é uma referência importante do enfrentamento aos Sarneys no estado - e paga o preço. Mas principalmente porque o povo do Maranhão merece virar essa página, merece um governo comprometido com a democracia, a distribuição de renda, com um olhar minimamente republicano sobre a coisa pública. O povo do Maranhão merece compartilhar das riquezas que seu estado tem e produz. Isso não é favor de ninguém.

Pesquisas apontam que deve haver segundo turno e que Dino disputará com Roseana. A campanha da governadora tem mostrado preocupação com essa possibilidade: mesmo havendo uma profunda desigualdade entre as duas campanhas, o povo do Maranhão sinaliza que quer reescrever sua história e ficar livre da tutela de quem quer que seja, ainda mais de uma família que tantos percalços já trouxe ao Maranhão e ao Brasil. Essa é uma causa justa o suficiente para ter a simpatia e o engajamento de toda a esquerda.

Dia 3 de outubro eu estarei em Porto Alegre, onde voto e, orgulhosamente, espero contribuir para mais uma vitória popular no Rio Grande do Sul, votando em Tarso Genro. Mas boa parte dos meus pensamentos estarão no Maranhão. Porque será bonito demais ver um povo tomando as rédeas de sua própria história.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Fábrica de preconceitos com roupagem intelectual

Reproduzo, abaixo, carta que a socióloga feminista Maria Lúcia Silveira enviou à ombudswoman da Folha de S. Paulo, a respeito de lastimável artigo publicado por esse jornal no último domingo (mais uma da Folha, aliás), assinado por um tal de Pondé. Sei lá eu quem é esse senhor. Nem me interessa saber. Mas seu artigo "misógino e vulgar", como disse Maria Lúcia, despertou reações.

Boa leitura.


Caríssima Ombudswoman

Qual sua posição sobre os impropérios constantes sobre as mulheres que pensam (e segundo eles, isso as torna peludas e feias) do colunista L.F. Pondé?

Dei até um tempo, evitei ler mais suas baixarias misturadas a citações de alguma antifeminista americana ou de algum filósofo sensível como Benjamin ( que deve ter se revirado no túmulo) pra ancorar o vômito de sua misoginia vulgar.

Mas desta vez, sua última coluna extrapolou! Não tinha lido, mas algumas amigas me passaram e achei um pouco demais. Se ele discute com seus alunos essa linda e profunda visão de mundo, coitados dos alunos da FAAP e PUC. É um pseudo-intelectual que deve ser fruto dessa delinquência acadêmica que coloca os seus em destaque. Por que não põem como colunista a profa Márcia Tiburi, hoje no Mackenzie? Uma mulher bonita, inteligente, vivaz e não peluda (como reproduz o senso comum machista) no seu auge.

Não precisa ter título acadêmico pra escrever a máquina de preconceitos sociais contra as mulheres. Isso circula de graça em nosso cotidiano. Nâo tem mais nenhum Paulo Francis, não. Só arremedos. Então, se quiserem colocar um pensador de direita, ou religioso coloquem um que não exponha preconceitos com roupagem intelectual. Nesse artigo último, nem isso ele faz! É inacreditável ver no espaço de um Contardo Calligaris e de um Marcelo Coelho, esse tal de Pondé!

Infelizmente, por essas e por outras vou cancelar minha assinatura da Folha de São Paulo. Ai que saudades que tenho da época que tinha um Claudio Abramo para ler, um Perseu Abramo.

Ia escrever pro Pondé protestando, mas só se mantivesse o seu nível: teria de perguntar se ele acha que se sua filha tiver um jantar pago por um exemplar masculino da espécie ele pode levá-la pra cama sem remorso. Ou se ele quer uma filha eunuco. Mas deixa pra lá. Vou escrever no blog coletivo em que participo [blog 300] porque pelo menos sou atacada por machistas em estado puro, sem persona intelectual. Aliás, fale pra esse articulista e pra seu editor que poderiam aprender algo com o Contardo Calligaris, Jurandir Freire Costa, Joel Birman, Maria Rita Khel e outros. Bibliografia também tem demais, mas pra não citar nenhuma feminista que essa Folha tem horror, leiam um clássico: Pierre Bourdieu, em A dominação masculina, tem tradução para o português desde 1999.

Pra mim chega!

Maria Lucia da Silveira
(socióloga, militante da Marcha Mundial das Mulheres e colaboradora da SOF - Sempreviva Organização Feminista)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Por que não voto no Prêmio "Congresso em Foco"

Não formo minha opinião a partir do que leio no que se convencionou chamar de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Tenho uma relação estreita com a política, procuro me informar a partir de fontes variadas e do contato direto com quem faz disso uma forma de mudar o mundo. E tô fora desse mito de "imparcialidade". Não existe. No mais, todo mundo devia ter opinião, em vez de ser refém de quem tem.

Pronto. Já expliquei que relação eu tenho com notícias sobre política.

Minha opinião é de que isso de Prêmio Congresso em Foco é uma bobajada. Imagino que, basicamente, são os jornalistas do PIG que o promovem. E alguém sabe qual critério eles adotam para formar uma lista de "parlamentares que melhor representam a população"? Essa é uma pergunta importante, porque se ela não tiver uma resposta clara, o prêmio corre sério risco de, em vez de contribuir para o acompanhamento democrático da atividade parlamentar, criar uma nova modalidade (nova?) de vício.

A lista apresentada há poucos dias só reforçou essa minha impressão. A despeito de envolver bons nomes da política brasileira, gente séria da esquerda e da direita e bons mandatos - também, só faltava fazerem uma lista de abóboras né! -, não é possível afirmar o mesmo, igualmente, a respeito de todos os "indicados". O formato em que a iniciativa se apresenta abre brecha para questões não desprezíveis.

Uma delas é o reforço da grande mídia como mediadora da relação entre parlamento e população. Evidente que a mediação sempre vai existir. Mas é necessário que ela ocupe o lugar de mediação apenas, e não busque substituir o eleitorado e sua consciência. Inclusive porque as pessoas que efetuam essa mediação têm opiniões e sensibilidades particulares. Mais do que isso: nem só de grande mídia vive a opinião pública, e o Brasil está assistindo a uma demonstração disso neste preciso momento histórico.

E isso puxa outro problema: a possibilidade de fortalecer apenas um dos lados da disputa que se trava cotidianamente naquelas Casas. Isso se pode observar, com ainda mais clareza, na lista dos identificados com a defesa do meio-ambiente. Senti falta de outras figuras ali. Todo um lado da moeda ficou fora da lista de prediletos.

Desses dois desvios de rota, pode vir como consequência uma ação parlamentar meramente midiática, por vezes, descolada de um mandato que de fato seja representativo de bandeiras e opiniões políticas de parcelas significativas da população brasileira. Pior do que isso, pode alimentar um círculo vicioso entre jornalistas e parlamentares que não é bom para a democracia.

Tem coisa que é questão de opinião individual. Tem coisa que não. Vejam o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), por exemplo. O órgão, igualmente, oferece uma lista de parlamentares influentes, baseada em elementos concretos. De acordo com a definição dele mesmo, "entre os atributos que caracterizam um protagonista do processo legislativo, destacamos a capacidade de conduzir debates, negociações, votações, articulações e formulações, seja pelo saber, senso de oportunidade, eficiência na leitura da realidade, que é dinâmica, e, principalmente, facilidade para conceber idéias, constituir posições, elaborar propostas e projetá-las para o centro do debate, liderando sua repercussão e tomada de decisão". Para chegar a isso, utilizam-se de critérios transparente e objetivos, quantitativos e qualitativos (veja em www.diap.org.br).

Para uma iniciativa como essa, midiática como é, são necessários critérios transparentes e objetividade. Os e as parlamentares devem prestar contas para a sociedade. A imprensa é meio para isso, não fim.

Por fim... odeio listas. Nada mais reducionista que uma lista. Odiava rankings quando era do movimento estudantil, não perdi essa mania ainda.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"A diversidade do Brasil não encontra espaço nos grandes meios"

Entrevistei João Brant para o Jornal Democracia Socialista/Em Tempo, sobre políticas para democratizar a comunicação no Brasil, a importância da participação popular no processo e desafios que a esquerda precisa assumir rumo a essa meta. João é da coordenação executiva do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, e mestre em Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics e Political Science. Hoje, um grande lutador em defesa da democracia nas comunicações e das principais referências no tema.

Precisamos desmitificar a série de mentiras que os donos da mídia propagam para continuar mantendo seu monopólio.

Alessandra



Como você descreveria o atual quadro das comunicações de massa no Brasil hoje? Em, especial, do sistema de radiodifusão, que são concessões públicas.

O cenário é de concentração e exclusão, já que a maior parte da sociedade não tem mecanismos para fazer circular seus pontos de vista. Pra se ter uma ideia, a soma da participação das quatro primeiras emissoras de TV é de 83,3% no que se refere à audiência, e 97,2% no que se refere à receita publicitária.

O sistema público de comunicação, que poderia fazer frente a essa realidade, ainda é incipiente. Só em 2007, o Brasil se colocou o desafio de criar uma TV pública de abrangência nacional, e ela ainda tem um alcance muito restrito, com dificuldades concretas para ampliá-lo.

O conteúdo dos meios de comunicação reflete esse quadro. A diversidade do Brasil não encontra espaço nos grandes meios. Ao contrário, há um tratamento estereotipado e discriminatório especialmente em relação a mulheres, negros e homossexuais, e as pessoas que se veem atingidas por essa programação não têm meios de se defender.


Em termos de regulamentação, que iniciativas precisam ser tomadas para avançar na direção de uma comunicação democrática?

Hoje a realidade é de um sistema predominantemente comercial, concentrado e excludente. A lei que trata das questões de rádio e TV é de 1962, do tempo da TV em preto e branco. A complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, que poderia equilibrar um pouco o poder das grandes redes, está na Constituição desde 1988, mas nunca foi regulamentada.

O artigo 220 determina a proibição direta e indireta a monopólios e oligopólios, mas as únicas regras que existem sobre isso são da década de 60, e não consideram fatores-chave como audiência e investimento publicitário, por exemplo. No mesmo artigo 220 está prevista a criação de meios legais para a população se defender de programação que atente contra os princípios constitucionais – outro ponto que segue sem qualquer regulamentação.

Para o artigo 221, que busca garantir espaço no rádio e na TV para programas produzidos regionalmente e para a produção independente, existe um projeto de 1991, mas ele está engavetado no Senado. Veja que estou falando só de pontos que estão na Constituição!

Para se pensar o conjunto da regulamentação do setor, deveríamos incluir, além disso, regras democráticas para concessões de rádio e TV e para as rádios comunitárias, promover a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação e, mais do que tudo, garantir instrumentos de participação popular na definição das políticas e no acompanhamento do setor.


Em outros países de tradição democrática esse já é um debate superado, não?

Sem dúvida. Em muitos países há órgãos reguladores que incidem sobre questões de concentração de mercado e questões de conteúdo. Há regras que incentivam a pluralidade e a diversidade – inclusive a pluralidade política –, protegem o público infantil, e mecanismos para a população se defender de programação que atente contra a dignidade humana. No Brasil, nem um órgão regulador independente nós temos, já que a Anatel não é responsável pela regulação do setor de radiodifusão.

Só para dar um exemplo, em 2004, o FCC, que é o órgão regulador nos EUA, queria diminuir os limites à concentração (que, mesmo com as mudanças, seriam ainda mais fortes que os do Brasil). Houve pressão popular contra a medida e até os republicanos votaram contra no Congresso. Isto é, medidas que por aqui são consideradas radicais, lá são defendidas até pelo partido da Sarah Palin!


Na Argentina, por exemplo, a reforma da legislação sobre comunicação foi polêmica porque houve resistência dos empresários. Já há algum balanço desse processo lá?

Os empresários vão sempre resistir à mudança do cenário em que eles reinam sozinhos, mas o processo da Argentina foi positivamente exemplar. Ele é fruto da combinação de setores sociais organizados com vontade política do governo.

A lei aprovada cria condições para a ampliação do exercício da liberdade de expressão e está amparada em toda a legislação internacional de direitos humanos. Ali estão tratadas todas as questões importantes para a regulação do setor audiovisual. É fundamental, por exemplo, a reserva de um terço do espectro eletromagnético para meios de comunicação sob controle de entidades sem fins de lucro. Essa medida, tratada por aqui como se fosse um absurdo, é apoiada pelos relatores de liberdade de expressão da OEA e da ONU.


A Confecom acumulou no sentido de propor marcos regulatórios e revisões da atual legislação?

A I Conferência Nacional de Comunicação teve 633 propostas aprovadas (sendo 569 delas por consenso ou com mais de 80% de votos favoráveis) que determinam uma agenda bastante progressista para o setor da comunicação. Foram aprovadas propostas sobre os mais diversos temas, desde o reconhecimento da comunicação como direito humano até o combate à discriminação de gênero, orientação sexual, etnia, raça, geração e de credo religioso nos meios de comunicação, passando por novos critérios para concessões e definição de limites para concentração, além da definição do acesso à internet banda larga como direito fundamental. Também foi aprovado um Conselho Nacional de Comunicação como instância central para a formulação e o exercício do controle social das políticas de comunicação.


Em relação às políticas de acesso à banda larga, o quadro é melhor?

Não muito. A internet é um espaço aberto e democrático, e tem contribuído para a democratização. Mas o Brasil não trata do acesso à banda larga como um direito do cidadão. Esse acesso é hoje caro, ruim e limitado. Apenas 24% das residências no Brasil têm acesso à banda larga. Se tomarmos as classes D e E, esse número cai para 3%.

O valor médio pago pelos brasileiros para ter banda larga em casa corresponde a 4,58% da renda per capita no país. Mais que o dobro do México e mais de 9 vezes o valor dos Estados Unidos! Mesmo quem pode pagar compromete uma parte significativa de seu orçamento familiar com este investimento.

Isso deve mudar com o Plano Nacional de Banda Larga, mas mesmo o plano – que é bom, ressalte-se, mas insuficiente – não coloca a meta de universalização do serviço. Fala-se, no máximo, em massificação.


Que desafio devem assumir a esquerda e os movimentos sociais no diálogo com a população sobre essa pauta? Os donos da mídia misturam maliciosamente qualquer proposta que vise à redução do seu poder com censura.

A defesa da liberdade de expressão deve ser uma bandeira dos setores progressistas, daqueles que nunca tiveram voz e sempre tiveram que lutar contra as opressões. Temos que juntá-la à bandeira do direito à comunicação, que implica obrigações para o Estado.

Quando se fala em controle social, o que queremos é justamente garantir que um serviço público, como é a radiodifusão, cumpra o interesse público. Na prática, isso significa garantir o controle da sociedade (e não do governo) sobre a regulamentação e as políticas públicas para o setor, sobre o serviço prestado e sobre o conteúdo exibido. Exemplos concretos: no primeiro caso, a existência de conselhos e conferências que determinem diretrizes para as políticas públicas. No segundo caso, garantir ao cidadão, usuário desse serviço público, a possibilidade de se defender de serviços de má qualidade – é o caso dos cegos, por exemplo, que até hoje não contam com o serviço de audiodescrição e não têm para quem reclamar. Nem um bendito 0800!

No terceiro caso, relativo ao conteúdo, é preciso garantir o cumprimento da Constituição, que prevê a existência de meios legais para o cidadão se proteger de conteúdo que viole o disposto na própria Carta Magna. Por exemplo, se um meio de comunicação exibe conteúdo racista, eu preciso acionar o Ministério Público Federal ou entrar diretamente com um processo, o que me demanda tempo, dinheiro e conhecimento técnico. Não há uma via não judicial, rápida, que proteja o interesse do espectador. As emissoras fazem o que querem, com um poder muito desigual em relação ao espectador.

É importante destacar que controle social do conteúdo não tem nada a ver com censura. Tem a ver com garantir a responsabilidade da emissora por aquilo que ela já veiculou. Essa responsabilidade posterior é absolutamente democrática, prevista inclusive na Convenção Americana de Direitos Humanos. Isto é, existe a liberdade para dizer o que quiser, mas você pode ser punido se o que você disser representar violação a outros direitos humanos. Parece óbvio, não?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Como perder a fé na humanidade em uma manhã

Uma crônica sobre "um dia de fúria", que a constante percepção do egoísmo e falta de solidariedade é capaz de despertar... Boa leitura!

Por Juliano Medeiros

Crônicas não são o meu forte, quem me conhece sabe. Principalmente assim, escrita em primeira pessoa, como se o que eu dissesse ou escrevesse fosse coberto de relevância para terceiros. Quando eu achar que é, crio um blog.

Memos assim, hoje estou disposto a compartilhar minha indignação e perplexidade - e a crônica é uma aliada dos indignados.

A questão é: como perder, mesmo que temporariamente, a fé na humanidade. E quando falo em “fé”, me refiro à esperança de que, diante das maravilhas criadas pelo homem ao longo de sua existência e que trouxeram mais qualidade de vida, beleza e felicidade ao mundo, possamos viver uma existência plena de justiça e solidariedade, respeitando a diversidade.

Acordei às 5h da manhã. O vizinho do andar superior, corria, gritava, pulava e esbravejava contra, suponho, sua companheira. Não é a primeira vez que ele faz dessas. Outro dia, ele jogou as roupas da mulher pela janela (eles moram no quarto andar). Na ocasião, chamei a polícia, que rondou o prédio e foi embora.

Imaginem como acordei: irritado com o maluco do andar de cima, com sono e, por conta disso tudo, atrasado para o trabalho.

Mas eu passei alguns dias na linda Belém do Pará, e considerando o fato de que preciso viajar a Porto Alegre dentro de poucos dias, tomei a iniciativa de resolver aspectos da “vida prática” antes de sair de casa: levei minhas roupas sujas até a lavanderia, que fica na garagem do prédio, que é mais prático que ir a uma lavandeira no centro de Brasília. Mas a dita cuja não tinha um bom histórico: além de encolher minhas roupas mais de uma vez, sequestrou uma cueca, que está perdida desde tempos imemoriáveis. Pra confirmar o clima do dia que já não começara bem, me cobraram, por meia dúzia de roupas, a bagatela de R$60,00. Com certeza, isso é quase o mesmo que a prestação de uma máquina de lavar nas Casas Bahia. Mas não posso comprar uma máquina de lavar porque o apartamento onde moro é tão minúsculo que, para entrar a máquina de lavar, a geladeira ou o sofá teria que sair. Resultado: ficarei o resto dos meus dias em Brasília refém da máfia das lavanderias, que cobram uma fortuna pra lavar minhas roupas, encolhe-as e ainda deixa alguma peça pra trás.

Mas quando eu pensava que meu dia já tinha tudo pra começar errado, veio mais. Indo para o trabalho, parei num semáforo (sinaleira, para os gaúchos). Quando o sinal ficou verde, vi uma caminhonete – se não me engano, uma Ford Eco Sport, que não é nenhum carro popular –, e de dentro dela, sendo arremessada pela janela do passageiro, uma caixa enorme, cheia de comida. Não que a dimensão importe, mas chama a atenção quando alguém joga uma caixa de comida pela janela como se fosse um papel de chiclete. Foi a gota d’água. Acelerei o carro, buzinei, gritei e xinguei. A perua que estava dirigindo parecia não entender nada. Compreendi finalmente como se sentiu Michael Douglas em "Um Dia de Fúria".

Se eu tivesse um taco de beisebol certamente teria feito uma besteira. Talvez contra o louco do andar de cima, talvez contra a lavanderia, mas com certeza, contra aquele atentado à saúde pública, à higiene, à coletividade e à boa convivência. Como alguém pode pensar que a rua é uma grande lixeira? Como pode jogar uma caixa enorme pela janela do carro sem mediar as conseqüências? Imaginem se um motociclista estivesse na pista ao lado e fosse atingido!

Sou comunista. Todo comunista é movido por grande sentimento de amor pela humanidade, sobretudo os mais pobres, os excluídos, os miseráveis. Esforço-me todos os dias para evitar o distanciamento natural a quem não sente na pele as dores do povo e, assim, renovar meu compromisso com "os de baixo". Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças de qualquer espécie nem de me emocionar com a luta dos que sofrem. Nutro a esperança de que o povo pode ser senhor do seu destino, sem pátria nem patrão.

Mas devo admitir que, às vezes, bate um desânimo. Como tratar, no mundo que queremos construir, as pessoas que jogam lixo pela janela do carro? Ou os vizinhos que não respeitam o sono alheio e que resolvem seus problemas conjugais através de berros e ameaças? Sinceramente, não sei. Só sei que, pelo menos, as lavanderias poderão ser expropriadas...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Apesar de você

O editorial da Folha de hoje (1º de setembro) é uma aula de autoritarismo e prepotência. A turma da ditabranda publicou em sua página 2, sob o título de "Lula e a imprensa", texto que repudia e "analisa" de forma preconceituosa, elitista e arrogante as críticas feitas pelo presidente à grande mídia nacional (em geral, ele costuma destacar o tratamento desigual dispensado aos dois principais candidatos à presidência da República e a má vontade com seu governo).

Ao longo de todo o texto, o que a Folha quer dizer é que Lula critica a imprensa porque não aceita críticas. Ora, fica claro para qualquer leitor menos desatento que, ao agir dessa forma, é a Folha que não aceita ser contestada.

Vejamos. Ao longo das malfadadas linhas a que me refiro, a Folha autointitula-se "imprensa crítica", "jornalismo livre" e, explicitamente, coloca-se como 4º poder - lado a lado com executivo, legislativo e judiciário, mesmo não tendo sido eleita por ninguém para exercer essa tutela dos nossos direitos e do nosso "livre" pensamento.

Ora, a Folha é livre sim, mas num país de amordaçados. Muito mais livre do que deveria. Sim, liberdade tem limite. Quem nunca ouviu a velha história de "a liberdade de um termina onde começa a do outro"? De maneira que se a Folha é absolutamente livre, a liberdade de muita gente está invadida e cassada por ela.

E mesmo essa liberdade excessiva não implica que seu jornalismo seja livre. Muito pelo contrário. Ele é absolutamente preso às suas opções políticas e à sua visão elitista e conservadora do mundo. Ele é preso porque desde a montagem da pauta, passando pela abordagem da matéria, relação de entrevistados e escolha de fotografias para ilustração, tudo isso são escolhas políticas. Ingenuidade acreditar que não.

A Folha não foi eleita para representar a sociedade civil em espaço algum. Não tem concessão de "vigilância" dos poder. Faz isso como a empresa que é, que quer vender seus jornais, conquistar mais e mais patrocinadores e disputar consciências para construir sua opinião - ou fortalecer a opinião do conjunto que a inlcui. Faz isso movimentada pelos seus próprios interesses e o dos "seus". Eu sei bem quem são os "seus". Fica claro a cada página, a cada dia.

Em dado momento, o jornal retoma o preconceito odiável contra Lula e sua escolaridade, referindo-se irônica e cinicamente à falta de "habilitação conceitual" do presidente para entender a imprensa. Mas, ao que tudo indica, tem faltado habilitação conceitual e moral à Folha para compreender que Lula é muito melhor comunicador que ela.

Portanto, se eu pudesse falar com a Folha, eu diria: menos. Não me parece que as críticas de Lula à imprensa tenham qualquer origem em medo de nenhuma espécie. Mas sim, me parece que a Folha - embora tenha sido bastante poupada pela ausência total de políticas que visem à democratizar as comunicações neste governo - pode percorrer o mesmo caminho que levou ao triste fim da revista Veja: a opção consciente por abrir mão de assinantes para poder se tornar um panfleto reacionário.

A arrogância elitista da Folha, num editorial como esse, meramente demonstra seu incômodo por tentar, em vão, mudar o curso da história no país. Imagina só como ela vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença.


***
É um grande desafio propor a democratização das comunicações como uma questão central para o próximo período. Esse monopólio precisa acabar. Direito à comunicação significa que não precisamos só ouvir, podemos falar. Sem mais amor reprimido, grito contido, samba no escuro.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

As mulheres no humor: só o objeto da piada?

Não conhecia a comediante Dani Calabresa, da MTV. Vi-a no programa de Jô Soares ontem, terça. Não sei onde ela atua, nem que tipo de humor é seu estilo. Mas chamaram-me a atenção dois pontos da entrevista.

Ao ser perguntada sobre como descobriu seu talento para o humor, ela remeteu-se à infãncia. "Na peça da escola, minha irmã bonita era a Branca de Neve e eu era Dunga, o anão mudo". Ela completou contando que a família destacava a "beleza diferente" de ambas, e que cabia à irmã o rótulo da bela, a que corresponde aos padrões de beleza tão propagados pela TV. Deduzi que, a ela, coube ser a engraçada, para chamar a atenção.

Interessante, porque esse padrão é colocado para as meninas desde muito cedo, e Dani fez menção a isso: diz-se nas entrelinhas que as mulheres bem-sucedidas são as desejadas. É um festival de mulheres-fruta hoje, como já foi de dançarinas de axé em um momento atrás. Elas se colocam como referência também para crianças e adolescentes, porque são essas as mulheres veneradas na mídia. E dá-lhe tiazinhas, feiticeiras, assistentes de palco, dançarinas, modelos, manequins. Quem não é bonita e gostosa, que vá descobrir um "outro" talento.

Depois, Jô Soares lhe perguntou em que ela não acha graça. Respondeu certeira: mulheres seminuas em programas humorísticos da TV. Bingo.

Na faculdade, meu humilde trabalho de conclusão de curso se propunha a analisar o discurso do humor na TV sobre as mulheres. Não é difícil notar a quantidade de mulheres seminuas que desfilam por esses programas, praticamente objetos de cena. Sem contar o quanto tentam arrancar risadas a partir de velhos esteriótipos como a mulher burra; a gostosa que é o prêmio para o mais esperto; a fútil; a adúltera (porque, afinal, as mulheres "tentam" os homens independentemente de qualquer coisa, como Eva).

Esse é o humor mais fácil de se fazer: o que tem base em preconceitos e esteriótipos. E agora, que tantos comediantes têm a chance de discutir o grau de influência de suas piadas sobre a vida das pessoas, por causa da proibição de apresentarem caricaturas de políticos (da qual discordo, registre-se), podemos pautar: será que piadinhas são inocentes?

Nunca são. Elas reproduzem a desigualdade e a opressão, e fazem-nos rir disso como se fosse "natural". É o velho "rir de si mesmo". Mas não tem graça. Não sei vocês, mas pra mim, piadas como essas entre amigos também não têm graça.

Existem muitos exemplos, na TV, no cinema, no teatro, na literatura, de que é possível fazer humor sem apelar para o mais fácil, que é reforçar esses esteriótipos preconceituosos. Afinal, quando você assiste a uma esquete ou a um quadro na TV, está relaxando e assimilando conteúdo de forma acrítica e desarmada. E quem aqui ainda acha que uma piada não tem significado?

Significados não são desprezíveis. Por isso que eu gostei da Dani. Ela não parece ficar satisfeita em ser só o objeto da piada.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A magia esotérica futebolística

Amanhã tem final de Libertadores. Bom momento para socializar uma reflexão que venho fazendo desde a Copa do Mundo, ao observar meus amigos sentando-se na mesma cadeira, vestindo a mesma camisa, evitando palavras que trazem "mau-agouro".

Esse esoterismo do futebol me impressiona. Especialmente nos homens. Boa parte deles caçoa de horóscopos e simpatias, que são, em geral, mais relacionados ao comportamento feminino. Mas ouse gritar gol fora de hora num estádio! Você pode ser apedrejado! "Dá azar"!

E aqueles que assistiram à Copa do Mundo com os mesmos trajes com que viram a final em 2002? São oito anos! Mas caber numa roupa velha é o mínimo que se pode fazer para garantir sorte ao time.

Outros, mais crueis, vetam a presença de um ou outro, "amigo pé-frio". O Mick Jagger, inclusive, foi uma das personalidades da Copa por isso. Mas alguém comentou que, na final, o pobre azarado engrossou a torcida espanhola? Como já havia feito, aliás, nas quartas-de-final contra o Paraguai. Sem falar no polvo Paul! Sua preferência - como a de todo polvo, talvez como a de boa parte dos animais - por cores vibrantes como amarelo e vermelho foi confundida com capacidade de premonição! Oh ceus!

Mas que graça teria se não houvesse um Mick Jagger ou um polvo Paul? Mais, por que assumir que o resultado do jogo do seu time não depende, absolutamente em nada, de você e de suas mandingas? Assim como teria, certamente, bem menos graça viver a vida sem observar as coincidências "altamente demonstrativas do destino", a magia do "tinha que ser assim".

Todo mundo precisa um pouco do misticismo para levar a vida. É difícil saber que tudo depende só de você. Ou que nada depende... É preciso confiar em poderes extrassensoriais capazes de atuar e fazer justiça. O imponderável é parte fundamental da vida de homens e mulheres. Onde quer que se expresse.

domingo, 8 de agosto de 2010

4 anos da Lei Maria da Penha: em defesa da sua aplicação.

Vivi uma experiência particular ontem, quando se completaram 4 anos da Lei Maria da Penha.

Sou vizinha de um troglodita que, não raras vezes, põe-se a berrar com a mulher que vive com ele. Ele a xinga, agride verbalmente, ameaça, intimida, grita grita grita. Não tenho como saber se ele já a agrediu fisicamente, mas não duvidaria. Eu também não sei ao certo de onde vem o barulho, qual o apartamento, nem qual a cara dele.

Ontem, liguei pro 190, narrei o que estava acontecendo, e, em pouco mais de meia hora, uma viatura estava no condomínio.

Acontece que o agressor percebeu que a polícia viera por ele. E calou-se. A polícia tocou e tocou o interfone, e nada de o homem atender. Então, o policial me ligou:

- Ele não atende e nós não podemos subir lá. Qual a denúcia que a senhora fez?

- Ele estava gritando muito, xingando, ameaçando ela. Ele pode agredi-la fisicamente!

- Ah, mas então ainda não aconteceu o crime?

- Meu senhor, de acordo com a Lei Maria da Penha, violência psicológica, patrimonial e moral é crime sim senhor!

- Ok, vou contatar a delegacia e ver como proceder.

Ele foi embora, sem falar com o denunciado e sem dar mais satisfações à "denunciante".

Provavelmente, essa situação vai voltar a acontecer. Pretendo chamar a polícia quantas vezes se repetir o fato. Gritos, ameaças, xingamentos e afins são, muitas vezes, precursoras de agressões físicas ou manifestações ainda mais graves de violência. E mesmo se não for, as mulheres têm direito de viverem livres de todo tipo de violência, inclusive aquela que a humilha, que lhe causa dano emocional, ridiculariza-a, insulta-a.

Um dos avanços que a Lei Maria da Penha traz, inclusive, é tipificar os casos de violência, e classificá-los entre violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral.

Acontece que a Justiça e a Polícia precisam acompanhar esses avanços, e estar preparadas para aplicar corretamente a lei. Mais importante que punir um agressor é evitar que a violência aconteça.

Segundo a Ministra Nilceia Freire, da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal (SPM), em entrevista à imprensa sobre o caso de Eliza Samudio, “Não é bastante termos mais delegacias e juizados se as pessoas que lá trabalham não estiverem capacitadas”, disse. Ela acrescentou que “muitos crimes têm acontecido porque os agentes públicos que atendem as mulheres subestimam aquilo que elas falam, acham que é apenas mais uma briga, desqualificam a vítima”.

De acordo com dados da SPM, a utilização do 180 - Central de Atendimento à Mulher - aumentou 112% no primeiro semestre deste ano em relação ao ano passado. Não significa que está havendo mais violência, mas sim, que está havendo mais denúncias. A lei encoraja que as mulheres reajam, mas isso não é suficiente.

Em tempo: violência psicológica represtava quase 6,5% das denúncias que chegaram à ouvidoria da SPM ano passado. E dos 9% dos crimes relatados ao 180 no mesmo ano foram dano emocional e diminuição da autoestima. Somem-se a eles 2% que denunciaram violência patrimonial; quase 2%, injúria; pouco menos de 1%, calúnia; e quase 6%, difamação. Isso dá um universo de quase 26,5% de denúncias de violência psicológica ou moral. Ameaças chegaram a 22%. Isso mostra que as mulheres sabem que não podem ser expostas a esse tipo de violência, que não é normal, elas não precisam aceitar e devem pedir ajuda.

Celebremos os 4 anos da lei na pressão por sua correta aplicação, e no envolvimento integral das autoridades que devem fazê-lo para que o direito das mulheres de viver sem violência seja, efetivamente, garantido.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma queda

Pra uma florzinha que anda murchinha,
mas jajá fica vigorosa outra vez.

Cássia era uma menina forte, bonita, cuja companhia parecia agradável a quase todo mundo. Um dia, junto com seus amigos, ela saiu andando por aí. Andavam em direção à utopia que estava no horizonte, e a cada passo que davam, ela se afastava um pouco. Caminharam e seguiram caminhando, até que, uma hora, Cássia caiu.

Todo mundo ficou preocupado. "Meu Deus, o que houve com ela?", ninguém sabia. Mas pessoas fortes também caem, porque a queda não tem como única causa a fraqueza. Muitas coisas podem fazer a gente cair. Cássia caiu.

Teve medo por ter caído e não queria levantar por enquanto. Todos respeitaram, esperaram. Não interromperam a caminhada, só adiaram um pouco, porque havia uma amiga que não podia andar.

A queda causou feridas que mudaram sua aparência, e ela não gostou de si mesma. Chorou.

Mas também, depois, quando ela levantou, as feridas secaram e ela ficou bonita como sempre foi. Andou devagar nos primeiros passos, para se certificar. Logo voltou a andar no ritmo normal. Seus amigos e amigas a acompanhavam. Daqui a pouco, estavam correndo. E a utopia ainda se afastava, fazendo-os andar mais...

E mesmo quando cansados de correr, sabiam que entre eles havia uma joia tão valiosa que foi capaz de levantar depois de cair, mesmo com todo o medo que tinha, e mesmo não se reconhecendo no espelho. E a partir daquele dia, pra todo mundo que participava da andança, Cássia parecia uma heroína que ensinava seus companheiros de jornada que a gente sempre cai, e tem quedas que doem mais que outras, e comprometem mais que outras. Mas quando a gente levanta depois, nada mais é capaz de jogar a gente no chão. E a caminhada segue.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Aborto no "Fantástico": sensacionalismo e superficialidade

O "Fantástico" de ontem (01/08) exibiu uma péssima reportagem sobre a prática clandestina de aborto no Brasil. Sem pé nem cabeça, a matéria serviu mais pra alimentar a desinformação do que contribuir para um debate tão importante. Muitos aspectos foram deixados de lado e, para garantir seu posicionamento de propaganda antilegalização do aborto, a reportagem tornou-se um imenso emaranhado de informações que não se relacionaram entre si.

Diante de um problema de enorme complexidade, o programa resolveu abordar apenas a ponta do iceberg: a existência de clínicas clandestinas no Rio, em Salvador, em Belém; e a venda de Citotec no "mercado paralelo". Com câmeras escondidas, adentrou as clínicas, questionou médicos(as) e atendentes sobre o procedimento, sobre o número de abortos realizados por mês, sobre riscos e preço. Exibiu rostos e nomes de médicos(as) e pessoas que trabalham nesses locais. Nenhuma mulher foi entrevistada - apenas uma que fez uso de Citotec há um mês.

A reportagem optou por não relacionar nitidamente dados expostos por ela mesma: de um lado, as clínicas existem, e as mulheres procuram por elas. Há riscos importantes para a mulher, provenientes das condições inseguras em que o aborto é realizado nesses locais. De outro lado, pesquisa realizada pela Universidade de Brasília aponta que uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já fez aborto; e que a mulher que faz aborto no Brasil é absolutamente normal: tem religião, é trabalhadora, às vezes é casada, às vezes já até tem filhos. Poderia ser vizinha, prima, amiga, irmã, colega de qualquer telespectador(a) do "Fantástico".

Nenhuma palavra sobre o fato de ser exatamente a criminalização que gera essa clandestinidade e, por consequência, os riscos aos quais as mulheres estão expostas. A não legalização as leva a buscarem métodos caseiros improvisados e clínicas clandestinas sem nenhuma condição de higiene e segurança. Ambas as "alternativas" submetem essas mulheres à possibilidade de prisão, de sofrer sequelas profundas ou mesmo de morrer. Muitas acabam no SUS, para finalizar o procedimento mal feito, e são tratadas com crueldade por médicos e enfermeiros. Porém, certamente, há clínicas clandestinas bem equipadas, onde o aborto pode ser realizado com segurança e higiene. A essas, somente tem acesso quem pode pagar caro. Isso significa que a criminalização do aborto no Brasil é uma hipocrisia tão grande que condena aos riscos mencionados especialmente as mulheres mais pobres. Disso, a reportagem não tratou.

Uma reportagem, no mínimo, razoável, daria mais espaço à antropóloga da UnB que dissertou sobre os resultados da pesquisa mencionada do que os míseros 30 segundos a que ela teve direito; e com edição menos "malandra". A reportagem poderia ter falado da experiência de países que têm o aborto legalizado (por exemplo, mostrar que é fantasiosa a ideia de que a prática de aborto aumenta com a legalização) ou das diferenças que há entre um aborto realizado com segurança e outro, o clandestino.

A responsabilidade por evitar uma gravidez indesejada é integralmente da mulher: é ela quem deve tomar pílulas anticoncepcionais; é ela quem tem dificuldade de negociar com seu parceiro o uso da camisinha; são dela todos os ônus de eventuais falhas de métodos contraceptivos; é dela a vida que mais muda com o nascimento de uma criança, muitas vezes, sem pai. Apenas uma coisa não é dela: o direito de escolher levar a cabo ou não uma gravidez. A matéria também não falou disso.

Ou seja: a resportagem do "Fantástico" tratou a questão do aborto com superficialidade, sensacionalismo e preconceito. Falou do tema como se as mulheres que sofrem essas consequências fossem vítimas de profissionais mal-intencionados, e não da hipocrisia e do anacronismo. Se o aborto fosse legalizado, não haveria mercado clandestino. Aquelas que têm religião e crença poderiam segui-las livremente. Aquelas que optam por interromper sua gestação, também teriam liberdade.


***
Conheça o conteúdo da pesquisa da UnB clicando aqui.

A "revista eletrônica" dominical global deu um show de jornalismo rasteiro, mais do que de defesa de uma opinião conservadora. Não foi além de uma pseudo-denúncia e abordou muito mal o tema que escolheu tratar.

Para quem quer saber mais sobre aborto e criminalização, sugiro o filme "O aborto dos outros", de Carla Gallo. Trailer abaixo.

terça-feira, 27 de julho de 2010

CQC: Originalidade na expressão do senso comum

Volta e meia aparece uma "novidade" na TV, pretensamente original, imparcial, inteligente. Particularmente, poucas vezes vi uma promessa dessas se confirmar.

Na TV Band, o CQC apresentou-se com essa embalagem: formato inovador, repórteres-comediantes, abordagens interessantes para temas conhecidos. Mas, parece-me - e posso estar enganada por não ser uma telespectadora assídua -, recorre a elementos já bem conhecidos do grande público para consolidar sua audiência. Acaba, portanto, tentando fazer o novo a partir do velho. Uma contradição em termos?

No programa de ontem, houve uma mensagem de saudação à aprovação, na Argentina, do reconhecimento do casamento gay. Um repórter foi às ruas mostrar que o preconceito é firme e forte. Outra repórter entrevistou celebridades que, esboçando alguma contradição ou não, felicitaram a decisão de nossos hermanos, em defesa da livre orientação sexual. Porém, entre um quadro e outro, ou dentro de cada quadro mesmo, as piadas que desqualificam os homossexuais - como imputar ao outro o qualidade de "viado" numa tentativa de diminuí-lo, de afirmar que ele é inferior - continua dando o tom. Uma contradição em termos?

Outra. No início do programa, Marcelo Tas fazia o discurso democrático da necessidade de dar espaço a todos os candidatos que disputam a presidência da República. Para demonstrar que pratica o que prega, a repórter Mônica Iozzi entrevistou, entre outros, o candidato do PCB, Ivan Pinheiro.

Talvez a jovem repórter não faça ideia de que falava com o representante de um partido de quase 90 anos. Partido que fez parte dos principais momentos da história do Brasil nesse período, e que expressa uma tradição internacional importante. Ivan Pinheiro e o PCB foram apresentados ao lado de Eymael e Levyr Fidelix, caricatos por opção, não simplesmente por abordagem da imprensa.

A repórter destacou 3 pontos da plataforma de Pinheiro: controle social da mídia, regulamentação do sistema financeiro e a defesa de um sistema político unicameral. Referiu-se a esses temas, em especial, aos dois primeiros, como questões ultrapassadas ou malucas mesmo. O fato de o candidato ter poucos segundos para falar de qualquer um desses temas deu um tom geral de deboche, de mundo da lua.

Talvez ela - e o programa - não faça ideia de que se tratam de temas muito discutidos e aprofudados pela esquerda brasileira. Propostas reais e exequíveis, que, infelizmente, não contam com tempo na grande mídia, que discorda politicamente delas, para serem apresentadas e disputadas.

O CQC, portanto, engrossou a mesma ladainha de que controle social é censura, e que moderno mesmo é a "livre" circulação de capitais, "livre" mercado, "livre" especulação. Mostrou ignorar que qualquer processo democrático que se preze (e nem precisa ser muito de esquerda para ver) inclui um marco regulatório para a atividade da imprensa, e o contrário disso sim é que é ditadura - a ditadura da mídia, dos poucos que a possuem. Não aceitou debater a existência de um Senado, essa Casa que remete aos imemoriais tempos imperiais, e cuja atuação, não raro, é motivo de vergonha para alguns homens e mulheres sérios que ali tentam trabalhar.

O CQC tratou o candidato Ivan Pinheiro como qualquer outra emissora de TV que finge que sua candidatura não existe. Contradição?

E, assim como todo veículo da grande imprensa, reforçou um rótulo de que a esquerda é jurássica, autoritária e até engraçada por isso. O que tem de novo?

Ah, sim. A vontade de fazer tudo isso parecer original.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Construir democracia plena

Virou um bafafá a confusão em torno ao programa da Dilma. As diretrizes aprovadas pelo PT em seu 4º Congresso foram registradas junto ao TSE e imediatamente substituídas por um texto mais brando, dado o rebuliço que as propostas petistas geraram na grande imprensa.

Eram temas importantes os que foram excluídos do texto oficial: jornada de trabalho de 40 horas semanais, controle social da mídia (que insiste que ninguém pode controlá-la e que ela deve fazer qualquer atrocidade impunimente), legalização do aborto, taxação de grandes fortunas. A imprensa explorou a contradição, e muitos e muitas que votarão em Dilma ficaram descontentes por perceber que aquilo que lhes é caro, o programa do PT, é facilmente negociado para que não se perca a simpatia (e será que ela existe?) de quem sempre foi seu adversário político.

Aqui, quero incluir um ponto a mais entre os que não têm tido atenção suficiente da campanha petista, e que poderiam ser carros-chefe da chamada da população a defender nas ruas sua candidata e seu programa: democracia participativa.

O PT sempre se orgulhou de ter a participação popular entre seus princípios de governo. A experiência de diversas administrações municipais foi tão exitosa que a direita, ao reconquistar o poder, não pôde simplesmente interromper. Foi obrigada a adaptar até conseguir descaracterizar processos de participação.

Agora, o partido está diante de uma possível terceira experiência à frente do Governo Federal, com a possibilidade de radicalizar uma experiência democrática, construindo novas formas de exercício do poder. Porém, se essa poderia ser uma consequência do caminho trilhado até aqui, para alguns, dentro do próprio PT, não parece que está claro. No 4º Congresso do partido, uma das polarizações que tiveram lugar foi justamente no tema democracia participativa, em diretrizes de programa de governo. Foi um debate limitado, aquém de debates acumulados anteriormente no PT.

Os limites da democracia representativa são conhecidos. As críticas que o PT formulou ao longo dos anos abarcam os vícios do poder nessas esferas, como o clientelismo, o coronelismo (em suas mais diversas modalidades, atualizadas, inclusive), a formação de currais eleitorais, a corrupção e a subordinação de escolhas que deveriam ser públicas a uma lógica privada, ditada pelos "de sempre".

O Estado precisa ser mudado, e de forma democrática. Sabe-se bem qual foi a dificuldade de se discutir uma reforma política no Congresso Nacional neste último mandato do presidente Lula. A não prioridade dedicada ao tema, o não consenso em torno dele são reflexos de um poder que não pode (e não quer) se autorreformar. Na convenção nacional do PT, em que foi oficializada candidata, Dilma afirmou que priorizará esse tema, e incluiu a participação popular e o combate aos vícios tradicionais entre os resultados que quer obter do processo.

O conservadorismo hermético da forma como o poder político é exercido no Brasil precisa perder hegemonia, para se construir uma democracia plena, que definitivamente supere o período de autoritarismo que se viu na história recente, mas também, os séculos de autoritarismo velado que os brasileiros e brasileiras vivenciaram.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A lama e os inteligentes

- A mãe dela a abandonou em tenra idade. O pai dela, segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é estuprador. Olha o histórico dessa moça? Ela era atriz pornô, trabalhava em produções pornográficas, era profissional do sexo. Não estou jogando lama em ninguém, só estou mostrando a pessoas inteligentes o argumento defensivo.

Essa fala, de acordo com o portal do jornal "O Globo", é de Ércio Quaresma, advogado de Bruno Fernandes, goleiro do Flamengo, e de mais cinco acusados por envolvimento no caso.

Não vou eu, aqui, analisar desde um ponto de vista jurídico o encaminhamento das investigações. Certo é que os indícios são inúmeros de que a garota foi morta de forma fria e cruel, e, aparentemente, porque o milionário pai de seu filho não queria garantir o que era direito dela e da criança.

Desqualificar a vítima - a mulher assassinada sem direito a defesa e por motivo fútil - por meio de afirmações levianas sobre a vida dela, que, verídicas ou não, nada têm a ver com a história de sua morte, aponta o caminho que a defesa de Bruno vai trilhar: a mesma truculência que matou Eliza. O mesmo machismo. Machismo que deveria remeter a comissão de ética advogados que se utilizam dele para confirmar suas teses.

Por "pessoas inteligentes", no discurso do ilustre jurista, entenda-se: aqueles homens que sabem que quando uma mulher é violentada a culpa é, evidentemente, dela mesma, não do agressor cretino e covarde.

Por "lama", entenda-se: informações difamatórias que podem ou não ser verdade, ninguém nunca vai saber e em nada mudará a história em caso de confirmação. Mas essa "lama", jogada sobre uma Eliza que não tem como contratar advogado para defendê-la, tem papel fundamental na desqualificação da vítima, do caso, no argumento de que sua vida não vale nada ou de que sua moral seria tão questionável que morte dela pode ser um grande engano! Isso, se não livrar a cara de seu cliente, atenuaria a gravidade do ato praticado por ele, expressa no tamanho da sua pena. Um nojo, não é?

No mais, sou da tese de que mulher que se prostitui não é criminosa. Criminoso é quem prostitui as mulheres. Mais um ponto contra os defendidos por Quaresma.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma velha história

Nos anos 80, a luta contra a violência contribuiu para fortalecer e consolidar o feminismo no Brasil. As mortes de Ângela Diniz (1979) e de Eliane de Gramond (1981) por seus ex-maridos chocaram o Brasil. Eram mulheres que puseram fim a seus casamentos, e, além da brutalidade dos assassinatos, os dois casos envolviam pessoas conhecidas da opinião pública, o que lhes conferiu ainda mais “notoriedade”. "Quem ama não mata" era a resposta dada pelas feministas àqueles que sugeriam que os homens matavam “por amor”.

Mas não tardou a tentativa de transformar as vítimas em rés, “compreendendo” o criminoso, que teria “perdido a cabeça” por ação delas. Organizadas, as mulheres repudiaram o machismo que levou Ângela e Eliane à morte, e que, depois, buscou incessantemente justificar essas mortes com base na conduta das vítimas. A tal defesa da honra dos homens era reivindicada. O movimento de mulheres não se calou e colocou em questão as insígnias do "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ou a ideia de que "um tapinha não doi".

O tempo passou e, em 2000, a própria mídia foi pano de fundo para um crime análogo. A jornalista Sandra Gomide foi morta pelo ex-namorado, Pimenta Neves, então diretor de redação de O Estado de São Paulo. O assassinato aconteceu precisamente porque o namoro acabou. Por conta disso, ela sofreu agressões físicas e verbais, perdeu seu emprego, foi perseguida. Neves chegou a ameaçar de retaliações qualquer pessoa que oferecesse trabalho a Sandra. Pela mídia, a moça chegou a ser tratada como "aquela que namorou com o chefe para subir na vida".

Em 2008, outro episódio de violência contra mulher gerou comoção nacional. Eloá Pimentel, com seus 15 anos, praticamente foi assassinada ao vivo e em rede nacional pelo ex-namorado, que a sequestrou e a manteve em cativeiro por cinco dias. A agonia da menina foi acompanhada em tempo real, e ao se tornar a personagem central de uma história dramática, ela, como as já citadas, teve sua vida exposta e sua conduta julgada, apresentada como principal fundamento do comportamento agressivo de seu assassino.

Há poucos meses, a vítima foi Maria Islaine, cabelereira, morta pelo ex-marido diante de câmeras que ela mesma mandou instalar no salão onde trabalhava, julgando que essa atitude a protegeria da violência anunciada. Dias atrás, tivemos a infelicidade de testemunhar o advogado do assassino defendendo seu cliente com o bom e velho “ela provocou”, espaço oferecido por Ana Maria Braga.

Eliza e Mércia

Agora, a mídia tem apresentado as histórias de Eliza Samudio e de Mércia Nakashima como se fossem romances policiais. Convida-nos a acompanhar cada momento, provoca comoção, sugere respostas, vasculha a vida das mulheres mortas e as expõe a julgamento público, sem direito de defesa. A tragédia é exaustivamente explorada, e no final, a lição que fica é: elas procuraram.

Mércia morreu, aparentemente, porque rejeitou seu ex-namorado. Cometeu o desaconselhável equívoco de querer sua vida para si mesma, de não aceitar perseguições, sanções ou intimidações. Entretanto, tem-se falado em traição e ciúmes. E lá vem, de novo, a conversa fiada (e retrógrada) da defesa da honra. Mas é Mércia quem não está mais aqui para defender a sua.

De Eliza, disse-se de tudo: maria-chuteira, garota de programa, abusada, oportunista. Acontece que não importa. Não importa se ela foi garota de programa, se era advogada, modelo, atriz, estudante ou deputada. Ela está morta. Teria morrido qualquer que fosse sua profissão, qualquer que fosse sua atitude. E morreu, aparentemente, porque o pai de seu filho não queria arcar com as obrigações legais e éticas de tê-la engravidado.

Ela nunca vai poder se defender das acusações póstumas. Não vai ao “Superpop” defender sua versão ou sua história. Não vai estampar a capa de “Contigo”, acompanhada de frases de impacto entre aspas. Ela está morta, e o que ela fez ou deixou de fazer, pouco importa agora. E seria prudente, inclusive, evitar julgá-la pelo crime que a matou.

Mais uma vez, a história se repete. Mulheres são mortas por homens com quem se envolveram. Assassinos frios, esses homens tiraram a vida de mulheres confiando na impunidade, porque há quem os “compreenda”. A morte de Eliza e de Mércia parece ter sido calculada e premeditada. E mesmo assim, segue ecoando a ideia de que a culpa é delas, que elas procuraram, que elas provocaram. Assustador.

O espetáculo da violência


Infelizmente, histórias como as de Eliza, Mércia, Eloá, Maria, Sandra, Ângela e Eliane são muito mais comuns do que se imagina. E antes de culminar em assassinato, outras formas de violência foram praticadas contra cada uma delas, como acontece com muitas – as que morrem e as que se salvam.

A espetacularização promovida pela mídia, no entanto, faz parecer que são histórias ímpares e distantes do cotidiano da vida real. Como se o perigo não morasse ao lado, como se muitas não dormissem com o inimigo. Na sua família, na sua vizinhança, no seu local de trabalho, no seu círculo de amigos, certamente há casos de violência contra mulheres, e certamente você ouviu falar de pelo menos um deles. Em recente levantamento, a ONG Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos apontou que uma mulher é agredida a cada 15 segundos no Brasil, e uma em cada quatro afirma já ter sofrido violência. Há que se considerar também que existem as que não afirmam – por medo ou vergonha.

Essas mulheres não são co-autoras de seu assassinato. É recorrente a trama montada para torná-las rés, para justificar suas mortes nas ações delas mesmas, para tolerar a violência. “Que sirvam de exemplo”, parece que dizem.

Num mundo em que a desigualdade entre mulheres e homens se expressa visivelmente desde na divisão das tarefas domésticas até no controle dos corpos delas pela Igreja ou pelo Estado, passando pela realidade de violência e pela discriminação no mercado de trabalho ou por serem tratadas como objetos descartáveis na rua e na TV; ninguém pode dizer que não sabia; nem fazer piadinhas que celebram os casos. São mulheres de carne e osso, não são personagens de novela.

Os criminosos são homens, esses que as mataram. E são cúmplices todos os que a toleram ou que buscam subterfúgios no comportamento da vítima para declará-la culpada por sua própria morte. São cúmplices silenciosos, igualmente, aqueles que fingem que machismo, discriminação e opressão são peças de ficção.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Polvo alemão hesitou bastante antes de escolher vice de Serra

Do blog da revista Piauí. Hilário e imperdível.

OBERHAUSEN – Fritz Sbeltzlarger, empresário do polvo alemão que acertou todos os resultados da Alemanha nesta Copa do Mundo, revelou ontem que foi procurado há uma semana por Sérgio Guerra, presidente do PSDB. De acordo com Sbeltzlarger, o senador estava visivelmente transtornado e afirmou que “pagaria qualquer preço para que o molusco resolvesse uma questão espinhosa do seu partido”. Guerra confessou que já procurara uma cigana em Cochabamba, um guru indiano e um pajé do Alto Xingu, mas todos teriam reagido com uma gargalhada. O polvo era a última esperança, “até porque ele não ri”.

Antes que Sbeltzlarger se pronunciasse, Guerra sacou do colete diversas fotos e pediu uma “consultoria”. Sbeltzlarger não quis revelar o valor do negócio, mas fontes sugerem que a transação girou em torno de 150 mil dólares mais um cargo comissionado na gráfica do Senado para Frida Sbeltzlarger, sua tia-avó que mora em Blumenau. Já o polvo teria sido conquistado com a promessa de passar sete dias em Fernando de Noronha com tudo pago.

As fotos de todos os possíveis candidatos a vice de José Serra foram divididos em quatro grupos. Os cabeças-de-chave foram Aécio Neves, Álvaro Dias, Rodrigo Maia e o próprio Sérgio Guerra. A partir das previsões do polvo, os vencedores de cada grupo avançaram para a fase de mata-mata. Na final, o favorito Aécio Neves disputou a vaga com o azarão Indio da Costa. Testemunhas contam que, nesta hora, o polvo hesitou bastante. Chegou a fingir-se de morto, mas Sbeltzlarger deixou claro que se o animal não fizesse logo a escolha iria para a panela. Como o polvo insistisse em não se mexer, o empresário fritou ali mesmo um dos filhotes do bicho.

Quando o tentáculo do cefalópode finalmente tocou na pele morena do deputado carioca, Sérgio Guerra ficou arrepiado e teve uma epifania. Na mesma hora, tweetou que a questão estava resolvida.

Em Belo Horizonte, Aécio Neves concedeu a Medalha do Inconfidente para o polvo, e já está pensando em lançá-lo para deputado federal. "Desde que dona Risoleta morreu, ninguém fez tanto por mim", disse o ex-governador.

Para ler a "matéria" em seu local original, clique aqui.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jabulani pra frente

Sexta-feira, o clima era de chateação geral na capital federal. Aposto que no Brasil inteiro foi assim. Frustração, desesperança, desconsolo, tristeza. Mas passa. Tristeza tem fim e felicidade também.

Eu não me mobilizo para torcer pelo Brasil, desde que me conheço por gente (a primeira Copa de que me lembro bem é a de 94). Não me mobilizo porque aquilo não me seduz, não me encanta, não me desperta sentimentos bons em relação ao esporte ou ao Brasil mesmo.

Não vou aqui criticar quem faz o contrário. Inclusive porque eu estaria me contradizendo. Pra mim, é simples assim: é um torneio internacional, muito bom de acompanhar, e eu escolho o time que eu quiser para torcer. O que eu gostar mais. Pra Holanda ganhar seu primeiro mundial. Pro Messi se consagrar de vez. Pro futebol bonito triunfar sobre a retranca. Sei lá. Não é automático que eu torça pelo Brasil simplesmente porque é o país em que eu nasci. E daí??? Faço muito mais coisas por ele do que torcer pela sua seleção de futebol. Mais do que muita gente que compra a camisa oficial, se esgoela de torcer e chora na eliminação. Mais do que os jogadores que compõem a seleção, apostaria.

Começa assim: vivo a contradição de ser uma feminista que gosta muito de um esporte praticado quase que exclusivamente por homens, discutido majoritariamente por homens, adorado por quase todos os homens. Obviamente, isso o torna, ainda, um esporte bem masculino, em que encontram eco as mais diversas manifestações de machismo que têm lugar na sociedade como um todo. Mas sabemos que há espaços em que se concentram mais.

A estúpida declaração de Felipe Melo sobre chutar bolas e mulheres, antes do início da Copa, foi apenas a pior delas nesse contexto de campeonato mundial. Mas nem precisa ir muito longe, basta olhar o tempo recente, para lembrar de causos como os que envolvem o "imperador" Adriano e suas famigeradas brigas com a mulher e seus percalços com a polícia carioca. Sem contar o suposto filho que Ronaldo não reconhece (no Japão?), a acusação a Robinho por tentativa de estupro (na Espanha?), declarações, declarações e mais declarações desastrosas, como a do Neymar - aquele mesmo, que não foi pra Copa -, que diz que não é negro. Recentemente, vimos chegar o cúmulo do absurdo de o goleiro campeão brasileiro ser suspeito de espancar uma mulher até a morte (com quem ele teve um caso extraconjugal e um filho clandestino).

Isso sem contar o que é parte do futebol em si. A presença avassaladora das empresas multinacionais nas equipes, os interesses privados, máfias que dominam campeonatos, as manipulações, os mercenários, as acusações de corrupção. São muitas e bem concretas, não são só especulação. Alguém não se lembra dos processos na Justiça, investigações da polícia, CPIs no Congresso Nacional?

Não vão me convencer a morrer de amores pela seleção e a organizar a minha vida em função disso de 4 em 4 anos. Não me dá vontade. Quem quer, que o faça, e - eu preferiria -, sem militar pela causa, sabendo que é só um campeonato de futebol. E sem vir tentar salvar a minha alma, me converter, essas coisas bem chatas. Eu também não estou pedindo pra ninguém deixar de torcer pra seleção brasileira. Afinal, isso implicaria em deixar de torcer para seus times também, em alguma medida - pra ser coerente.

Ninguém que venha me incomodar por não fazer a mesma opção. Não vou chorar a eliminação, não vou comprar briga que não é minha, não vou aderir a rivalidade tosca nenhuma. E vou torcer por quem eu quiser, sem compromisso prévio ou "natural". Minhas demonstrações de carinho pelo Brasil, prefiro executar de outra forma, por exemplo, lutando com dedicação pelo que acho melhor pro nosso povo e pra nossa soberania.

"Mas Ale, o povo fica feliz com a vitória". Tem muita coisa que é capaz de gerar felicidade coletiva, as pessoas não dependem apenas do futebol de 4 em 4 anos. Realmente, não me sinto culpada por não engrossar o côro dos contentes nesse âmbito. E, em hipótese alguma, vou choramingar ou concordar com quem choramingue que a ausência de "bad boys" levou o Brasil ao fiasco. Não sou lá muito a favor de dar chance boa a gente que já a tem de sobra, e só aproveita mal. Não me parece que o Brasil seja assim tão carente de bons jogadores a ponto de depender de quem dá demonstrações sucessivas de desvios de comportamento, de postura e até de caráter.

E, no mais, 2014 está aí. Para os superticiosos de plantão, os 190 milhões de técnicos de futebol, os das mesas redondas de boteco... assunto pra conversar, tem de sobra. Que volte o campeonato brasileiro. Que voltem os esportes todos à mídia. E que a seleção brasileira, cada um de seus jogadores, e que a Copa e todos os times brasileiros façam por merecer toda essa atenção e esse carinho das pessoas, daqui até 2014.