quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Como perder a fé na humanidade em uma manhã

Uma crônica sobre "um dia de fúria", que a constante percepção do egoísmo e falta de solidariedade é capaz de despertar... Boa leitura!

Por Juliano Medeiros

Crônicas não são o meu forte, quem me conhece sabe. Principalmente assim, escrita em primeira pessoa, como se o que eu dissesse ou escrevesse fosse coberto de relevância para terceiros. Quando eu achar que é, crio um blog.

Memos assim, hoje estou disposto a compartilhar minha indignação e perplexidade - e a crônica é uma aliada dos indignados.

A questão é: como perder, mesmo que temporariamente, a fé na humanidade. E quando falo em “fé”, me refiro à esperança de que, diante das maravilhas criadas pelo homem ao longo de sua existência e que trouxeram mais qualidade de vida, beleza e felicidade ao mundo, possamos viver uma existência plena de justiça e solidariedade, respeitando a diversidade.

Acordei às 5h da manhã. O vizinho do andar superior, corria, gritava, pulava e esbravejava contra, suponho, sua companheira. Não é a primeira vez que ele faz dessas. Outro dia, ele jogou as roupas da mulher pela janela (eles moram no quarto andar). Na ocasião, chamei a polícia, que rondou o prédio e foi embora.

Imaginem como acordei: irritado com o maluco do andar de cima, com sono e, por conta disso tudo, atrasado para o trabalho.

Mas eu passei alguns dias na linda Belém do Pará, e considerando o fato de que preciso viajar a Porto Alegre dentro de poucos dias, tomei a iniciativa de resolver aspectos da “vida prática” antes de sair de casa: levei minhas roupas sujas até a lavanderia, que fica na garagem do prédio, que é mais prático que ir a uma lavandeira no centro de Brasília. Mas a dita cuja não tinha um bom histórico: além de encolher minhas roupas mais de uma vez, sequestrou uma cueca, que está perdida desde tempos imemoriáveis. Pra confirmar o clima do dia que já não começara bem, me cobraram, por meia dúzia de roupas, a bagatela de R$60,00. Com certeza, isso é quase o mesmo que a prestação de uma máquina de lavar nas Casas Bahia. Mas não posso comprar uma máquina de lavar porque o apartamento onde moro é tão minúsculo que, para entrar a máquina de lavar, a geladeira ou o sofá teria que sair. Resultado: ficarei o resto dos meus dias em Brasília refém da máfia das lavanderias, que cobram uma fortuna pra lavar minhas roupas, encolhe-as e ainda deixa alguma peça pra trás.

Mas quando eu pensava que meu dia já tinha tudo pra começar errado, veio mais. Indo para o trabalho, parei num semáforo (sinaleira, para os gaúchos). Quando o sinal ficou verde, vi uma caminhonete – se não me engano, uma Ford Eco Sport, que não é nenhum carro popular –, e de dentro dela, sendo arremessada pela janela do passageiro, uma caixa enorme, cheia de comida. Não que a dimensão importe, mas chama a atenção quando alguém joga uma caixa de comida pela janela como se fosse um papel de chiclete. Foi a gota d’água. Acelerei o carro, buzinei, gritei e xinguei. A perua que estava dirigindo parecia não entender nada. Compreendi finalmente como se sentiu Michael Douglas em "Um Dia de Fúria".

Se eu tivesse um taco de beisebol certamente teria feito uma besteira. Talvez contra o louco do andar de cima, talvez contra a lavanderia, mas com certeza, contra aquele atentado à saúde pública, à higiene, à coletividade e à boa convivência. Como alguém pode pensar que a rua é uma grande lixeira? Como pode jogar uma caixa enorme pela janela do carro sem mediar as conseqüências? Imaginem se um motociclista estivesse na pista ao lado e fosse atingido!

Sou comunista. Todo comunista é movido por grande sentimento de amor pela humanidade, sobretudo os mais pobres, os excluídos, os miseráveis. Esforço-me todos os dias para evitar o distanciamento natural a quem não sente na pele as dores do povo e, assim, renovar meu compromisso com "os de baixo". Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças de qualquer espécie nem de me emocionar com a luta dos que sofrem. Nutro a esperança de que o povo pode ser senhor do seu destino, sem pátria nem patrão.

Mas devo admitir que, às vezes, bate um desânimo. Como tratar, no mundo que queremos construir, as pessoas que jogam lixo pela janela do carro? Ou os vizinhos que não respeitam o sono alheio e que resolvem seus problemas conjugais através de berros e ameaças? Sinceramente, não sei. Só sei que, pelo menos, as lavanderias poderão ser expropriadas...

Um comentário:

Não importa disse...

Bem, eu entendo a sua visão, Juliano. Também sinto vontade de partir pra violência qdo vejo essas coisas, mas sugiro q da próxima vez vc anote a placa do carro e denuncie a pessoa. Td bem q é possível q não dê em nada, mas vc pelo menos fez sua parte.
Gente q comete crime ambiental em plena luz do dia, na maior cara-de-pau, merece no mínimo uma humilhaçãozinha.