sábado, 19 de dezembro de 2015

Deja vu - Um conto de revéillon (parte 3)

Cansada dos preparativos, Carolina mal conseguia aproveitar a festa. Havia pequenas providências a tomar ainda, como repor a comida na mesa da ceia, receber os convidados e convidadas, recolher pratos e copos largados pela casa como se a casa fosse autolimpante. “Mas depois de meia-noite, eu não vou fazer mais nada, cada um que se vire”, preparava-se.

Ainda estava preocupada em indicar o banheiro para alguns e a geladeira para outros, quando se deu conta de que já era quase meia-noite. Foi à pista de dança, precisava fazer alguma coisa lá. Viu as pessoas dançando alegremente, algumas já embriagadas, o amigo DJ feliz por agradar. Alguns estavam com os olhos presos nos relógios.

- Daí, de repente, eu caio no chão.

- Eu hein, que história esquisita.

- Amanda... – e fez uma pausa pensativa, escolhendo palavras e recolhendo cacos de lembrança – Eu briguei com o Érico?

- Brigou?!

- Não sei, estou te perguntando!

- Ué, sei lá! Eu não vi não!

E apareceu Augusto a poucos metros dali, gritando por Amanda. Tinha acabado o papel higiênico do banheiro, e ele não sabia onde estavam os rolos.

- Irmã, a festa é minha, era para você se divertir, não trabalhar.

- Relaxa, Carol, cuida desses machucados aí, que jajá eu deixo você trabalhar sozinha de novo.

Amanda sorriu, e foi a única que ganhou um sorriso de volta de Carolina. Já se afastava em direção a Augusto quando a irmã chamou-a de volta:

- Você conhece esse moço, Augusto?

- Não conhecia, mas estou adorando conhecer! – ela respondeu, sorrindo maliciosa.

E saiu com o rapaz para abastecer o banheiro de papéis higiênicos. Que romântico.

Outra vez, Carol olhou para todos os cantos da festa em busca de explicações. Todos dançavam, bebiam, falavam, riam. Olhou para si mesma e viu cortes e hematomas. Sentia as dores da queda mais do que nunca. Foi quando seu ex-namorado se aproximou:

- Você está bem, Carol?

- Acho que sim – ela já não confiava nele o bastante para dizer que não se lembrava do que tinha acontecido.

- Você deveria ir ao hospital – ele aconselhou – Foi uma queda feia, poderiam ter acontecido coisas muito mais graves! Precisa ver se está tudo bem por dentro, se não quebrou nada, essas coisas. Posso te levar, se quiser...

O pânico de não lembrar o que tinha acontecido tinha sido desproporcional à necessidade de verificar em exames se estava tudo bem! Carolina estava prestes a cogitar ir ao hospital com Tito, quando Graça, do alto de seus oito meses de gravidez, veio se despedir.

- Você está bem, amiga?

- Estou, mas está doendo um pouquinho...

- Fiquei preocupada quando caiu, o que houve?

- Mulher, eu não sei. Quando me dei conta, estava no chão.

- Mas por que você subiu ao telhado?

- Então, eu... Eu acho que queria rezar. Não sei bem.

- Você passou por mim como uma flecha, acho que estava indo para lá. Era um pouquinho antes de meia-noite.

- Onde você me viu passando como uma flecha?

- Perto da pista de dança.

Havia umas vinte pessoas dançando, quase todas de copo na mão. A barriga pesava, e Graça afastou-se da pista para olhar de fora. Respirava de plenos pulmões e sorria pela alegria que aquela reunião de pessoas proporcionava: a festa estava mesmo ótima.

 Foi quando Carolina passou por ela, a passos firmes, rápidos e ríspidos, na direção do quartinho dos fundos. Talvez corresse apenas para ir a um banheiro. Teria certeza disso não fossem os olhos lacrimejantes da anfitriã.

- Eu estava chorando?

- Não, mas os olhos estavam úmidos.

***
Continua...

Nenhum comentário: