quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Deja vu - Um conto de revéillon (parte 7)

- Amanda, você é a única pessoa para quem eu falo tudo, por favor, me ajuda a entender se eu estou ficando louca ou carente demais.

- Lá vem.

- Estou sentindo um troço estranho aqui.

- Ai, Jesus, eu estou tendo um deja vu?!

- Você acha que não devo?

- Irmã, vou te levar urgentemente num psiquiatra. Ou numa mãe-de-santo. Ou num programador de sistemas. Já tive esta conversa contigo antes!

Chegou a sentir vertigem. As palavras de Amanda entravam atropeladas pelos seus ouvidos, Carol parecia ter perdido parte da capacidade cognitiva junto com a memória daquela fatídica noite que, agora, ela esquecia por opção.

- Ah, que bom que te achei, Carol, estou indo embora.

Beijou-o para testar a si mesma e a ele.

- Não quero que você vá encontrar a Liz amanhã.

- Ok. Não vou.

Ao redor deles, a maioria já estava embriagada o suficiente para não notá-los. Mas alguém, ao longe, prestava muita atenção, e ria-se sozinho observando aquele casal. Pensou em chegar mais perto para ouvir melhor, mas temeu a memória da moça que tinha perdido a memória. Saiu risonho, ainda observando, recordando. Vestido de azul.

A noite de ano novo é muito tumultuada. Certamente, a mais congestionada do ano. Todo mundo quer pedir, até quem diz não crer em nada. E a ânsia de pedir é tão grande que pedem pra qualquer coisa. Até para uma tigela de lentilhas, pedem. Alguns fazem pedidos genéricos, como saúde, paz, amor. Tem gente que especifica demais, quer o cargo X na empresa Y em determinada altura do ano. Mas aquele pedido foi diferente.

A mulher chorava contida, sentada sozinha no telhado do quartinho dos fundos de sua casa. Embaixo, ninguém notava: faziam já a contagem regressiva que traria o novo ano.

- Eu vou esquecer mesmo. Mas não vou esquecer só isso. Vou esquecer tudo, tudo! – e olhando para o céu, pediu miseravelmente em prantos – Por favor, me ajuda! Eu quero esquecer!

- Como assim?

A mulher se assustou quando me viu. Claro. Não esperava resposta. Já nesse momento, quase caiu do telhado, duvidando de seus próprios olhos. Segurei. Ela me mirou de cima abaixo, desconfiada, mas sem ter mais com quem contar.

- Quem é você?

- Que raio de pedido é esse?

- Não sei quem é você!

- Ou você me explica ou eu não vou poder te ajudar, moça.

- Você é um anjo?

- Eu não.

- Papai Noel?

- Tá louca?

- Peraí... Você estava na festa?

- Moça, diga logo o que quer e eu vou-me. Não tenho a noite toda pra ficar aqui em cima com você.

Ela respirou fundo e parou de chorar. Com a voz lacrimosa falando baixo e tremendo um pouco, como se aqueles quase trinta graus fossem somente dez, ela me olhou de novo e pediu.
Não tinha nada a perder.

- Eu queria voltar o tempo. Pra época que eu e o Érico éramos somente bons amigos.

- Moça, o tempo não é coisa que eu posso mexer não. Volta no que a senhora estava falando antes.

- Está bem – e respirou fundo, como diante de uma cesta de basquete onde arremessaria um tiro livre – Quero esquecer tudo o que houve entre a gente. Quero esquecer o que sinto por ele!

A gente não está aqui para avaliar caso a caso, nem para julgar as tristezas e necessidades das pessoas. As pessoas às vezes são meio esquisitas, mas temos que acreditar que quem sabe o que é melhor para elas são elas mesmas. Pensar que você sabe mais abre possibilidades perigosas de revogação do livre-arbítrio.

E assim sendo, foi do jeito que tinha que ser.

Foi um pouco pela minha ação em atendimento ao pedido, mas acho que foi principalmente um novo susto em meio ao estouro de fogos de artifício que fez a moça se desequilibrar e cair. Rolou telhado abaixo e foi ao chão. A queda foi feia, o lugar não era baixo. Podia ter se machucado, mas, por sorte, os danos foram os mínimos possíveis. Desci, quis saber se ela precisava de hospital, mas ela disse que não.

Como fui visto, fiquei um pouco mais por lá para não gerar suspeitas, depois fui cumprir o restante da jornada – que era longa. E vou lhes dizer: não chega a me surpreender ver a mulher, agora, depois de esquecer tudo, lembrar tudo ao refazer sem saber que já fez.

- Na noite de ano novo, você disse que duvidava de que eu fosse capaz de fazer alguma coisa para te chatear. Você se lembra disso? – ele perguntou.

- Sim.

- Lembra o contexto?

- Creio que foi ao me despedir de você... Quando você fez referência à tal briga que escapou da minha memória. Não foi isso?

- Foi exatamente isso.

***
Continua... Último capítulo amanhã!

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