terça-feira, 31 de março de 2009

Tristeza

Quando era diretora da UNE, 5 anos atrás, participei de um evento que homenageava diversos(as) lutadores(as) das décadas de 60 a 80, que combateram a ditadura militar no Brasil e dedicaram suas vidas à resistência e aos sonhos de novos tempos. Foi aquela, aliás, a última aparição pública de Lélia Abramo. Os homenageados, na realidade, não eram indivíduos, figuras que representavam uma trajetória particular, mas sim, organizações políticas, trajetórias coletivas - como a UNE.

Muita gente falou, aquele dia. Falas emocionadas, que recuperavam o sentido da luta por democracia; falas saudosas, que lembravam os tantos e tantas que tombaram no caminho até aqui; falas frustradas, lamentando que democracia ainda é pouco; falas de esperança, que destacavam que a luta do povo brasileiro nunca foi fácil e que, ainda assim, nós nunca deixamos de estar onde estivemos naquele momento e estaremos sempre: nas trincheiras.

A última fala foi do Zé Celso Martinez. Ele não falou, ele cantou. Disse que, naquele triste 1º de abril - sim, 1º de abril -, ele se lembrava de ouvir um samba que era sucesso na época:

TRISTEZA
(Haroldo Lobo/Niltinho)

Tristeza, por favor, vá embora
Minha alma que chora
Está vendo meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero, de novo, cantar


O Brasil passou 20 anos sob essa tristeza. Vinte anos que levaram a vida de muita gente que lutou, gente nossa. Vinte anos que machucaram a esperança equilibrista, que calaram a boca de tantos e tantas que tinham o que dizer. Vinte anos de censura, de estrangulamento da cultura, da arte, de controle da Universidade, das organizações.

A Folha de S. Paulo ousou chamar de "ditabranda". Hoje, há militares que comemoram o aniversário daquele dia. Sempre penso que não devia ser possível que, 45 anos depois, ainda isso aconteça. Eu não estava lá, mas essa história é minha também. A gente não esquece.

De nossa parte, da história da resistência do povo brasileiro, a lembrança é da luta. É dos(as) que perderam a vida pra conquistar liberdade e democracia. E socialismo. Mas a lembrança é também dos(as) que aqui estão, que seguiram em frente e construíram partidos, movimentos, sindicatos, organizações quaisquer com o objetivo de escrever outra história. Temos esse legado até hoje. O PT é filho direto disso aí. A CUT, o MST, tantos movimentos, tantas lutas. Esse legado que a luta contra a ditadura nos deixou, devemos celebrar. À memória dos que gostaríamos que estivessem aqui pra ver o que fizemos com o que eles nos deixaram, todas as saudações. Porque nós sabemos que não teve nada de "brando" naqueles 20 anos de opressão do povo brasileiro.

Engraçado, mas temos que disputar, a todo momento, a referência daquele momento histórico. Não foi brando, não é festejável, não se esgotaram as bandeiras. Torturador não pode ser anistiado. Militante não é terrorista.

E se hoje é outro Brasil, outro mundo, outras pessoas, continua havendo muito ainda por que lutar, por que dedicar a vida. As contradições, os medos, os obstáculos são diferentes. Mas todo mundo sabe que existem. Só que a ditadura matava as pessoas. E nós, nós estamos vivos.

A família de Alexandre Vannucchi Leme (estudante de Geologia da USP, morto pela ditadura em 1973, hoje dá nome ao nosso Diretório Central dos Estudantes), quando dos atos políticos que marcaram os 30 anos da morte dele, mandaram ao DCE uma linda carta, em que recomendavam: "levem nos seus sonhos os sonhos dele". Celebrar a democracia que o sangue e o suor daqueles lutadores e lutadoras conquistaram deve significar isso mesmo. Sem mais tristeza. Sem se conformar. Aceitemos o desafio. Acumulemos sonhos. Juntos dos nossos, novos, e dos próximos que inventaremos, também levemos conosco os sonhos deles. É isso que fará viver sua memória, e que seguirá oxigenando a nossa luta inesgotável por justiça.

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