segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre 15 de março de 2015: quero ver o vendaval, quero ver o carnaval

Helenira Rezende
Somente agora, após respirar ar puro e ter o silêncio necessário para ouvir o pulsar do meu próprio coração, é que eu posso escrever alguma coisa sobre ontem.

Não me surpreenderam os números. Li, vi e ouvi os principais veículos da grande mídia convocando diária e efusivamente essas manifestações. Está claro o esforço da oposição derrotada nas urnas e de parte do próprio governo em construir o desgaste da presidenta e de seu partido. Pelos ônibus e carros de som colocados à disposição dos manifestantes, também se nota com certa tranquilidade que a ação era menos "voluntária" e "espontânea" do que se afirma.

Não me surpreenderam os dizeres asquerosos de determinadas faixas e cartazes de conteúdo misógino, reacionário, violento. E, por que não dizer?, também não me surpreendeu a burrice contida em discursos e frases prontas. Estava tudo anunciado no ódio despolitizado que vem sendo construído há tempos, muito bem vestido nas altas grifes do reacionarismo que não só pretende combater um processo em curso, mas até revertê-lo.

Não me surpreendeu que o grande símbolo erguido por essa galera tenham sido bandeiras do Brasil e camisas da seleção. Primeiro, porque fazem essa confusão o tempo inteiro mesmo. Segundo, porque
Zumbi dos Palmares
sempre tiveram essa prática de privatizar o Brasil, e um dos motivos de estarem aborrecidos agora é que o monópolio deles sobre o país foi, minimamente, questionado. Terceiro, porque a direita brasileira é a cara do time do Felipão que tomou 7 x 1 da Alemanha em julho último: tem complexo de vira-lata, é covarde e sem nenhuma estratégia criativa.

Seguimos sem surpresas: a pauta é a mesma das eleições passadas. A direita está na rua com a mesma agenda da campanha de seu desqualificado candidato, talvez com outra tática e novos aliados. Mas o ódio é o mesmo, e parece estar aprofundado. Porém, não colocou projeto algum em disputa, não apresenta propostas para os problemas que aponta (ou melhor, que esperneia), e está na lógica do "ganhem mas não levem". Uma pena. Prefiro debates honestos.

As respostas para a crise, entretanto, não mudaram também. Não mudaram porque não foram testadas. Reforma política, democratização da comunicação, política de alianças coerente com o programa, não com o tempo de TV das propagandas em eleições.

Margarida Alves
A flor que vai romper o asfalto é nosso programa de mudanças estruturais. Sempre foi. É precisamente por isso que nós não podemos, de forma alguma, nos eximir de levantar nossas bandeiras neste momento. E aqui, não estou falando necessariamente de bandeiras institucionais. Essa turma que liderou as ações de 15 de março carrega no estômago o ódio e o autoritarismo, mas deveria saber que muita gente morreu e/ou foi torturada para garantir que hoje eu erga minhas bandeiras, bem como que outros as combatam. Mas travando a boa luta. Sem golpe e sem violência.

Eu estou pronta, mais do que nunca, pra falar do vermelho das minhas ideias, da luta da esquerda brasileira por liberdade, por democracia, por igualdade. Ninguém vai me sujeitar a trancar no peito a minha paixão. Eu ainda acho SIM que grandes fortunas devem ser tributadas; eu ainda acho SIM que os impostos no Brasil precisam ser progressivos; eu ainda quero muito mais políticas de distribuição de renda e de combate às tantas desigualdades que há entre nós; e quero MUITO que haja espaços
democráticos onde eu possa, com os meus, disputar essas ideias. Reforma política e fim da concentração dos meios de comunicação são condições elementares. Repensar nossos métodos de abordagem, de interpelação e de debate também. Repensar nossa relação com a institucionalidade é urgente.

Paulo Freire
Nada disso é novidade, nem surpreendente, nem invenção da roda. Eu sempre tive certeza de que somente o exercício real da nossa vocação transformadora será capaz de nos conferir maioria de verdade para atingir a governabilidade tão buscada nas linhas tortas.

#NãoVaiTerGolpe

PS 1: Ninguém vai me convencer a ficar braba com setor nenhum da esquerda neste momento.

PS 2: Claro que a boçalidade não era uma característica generalizada de quem esteve nas ruas ontem, é importante saber disso. Porém, as pessoas de mente sã que saíram ao lado daqueles precisam avaliar ao lado de quem querem estar. E em nome de quê.

PS 3: Você pode até dizer que não foi só a "elite branca" que esteve nos maiores atos de ontem. Mas você precisa saber que foi ela quem os dirigiu. Sinto muito.


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