segunda-feira, 8 de julho de 2013

Conto de Areia...

Clara Nunes gravou "Conto de Areia", de Romildo Bastos e Toninho Nascimento, em 1974. Foi a partir dessa música que ela definitivamente tornou-se uma estrela do samba e da música popular brasileira. O álbum Alvorecer, que "Conto de Areia" integra, vendeu mais de 300 mil cópias - recorde absoluto e feito inédito para uma mulher.

Eu sempre fui apaixonada pela música, muito antes de saber dessa história, muito depois de ela ter sido composta. A chamada do cavaco no começo, a presença forte do mar, a história da moça de olhos morenos que ficou a olhar os veleiros, esperando o amor que não mais iria voltar... A energia inconfundível, incomparável. Sempre me perguntei por que as rodas de samba não costumavam tocá-la. E foi, basicamente, assim que eu comecei a cantar.

- Toca "Conto de Areia"?

- Não sabemos a letra.

- Eu sei, deixa comigo.

- Qual o tom?

- Sei lá, faz igual à gravação.

O público sempre respondeu de imediato. Há os trechos que todo mundo canta junto. A música fabrica sorrisos. As pessoas gostam. E eu peguei gosto pela coisa.

Desde que comecei a cantar, "Conto de Areia" nunca deixou de estar numa set-list. E a alegria de cantá-la é a mesma da primeira vez, é a mesma de quando eu pedia pra cantar em rodas de samba onde não conhecia ninguém, é a mesma de sempre. Digo que é minha música.

É minha música, mas é música de Toninho e Romildo - cuja parceria se desfez há muitos anos já. Ontem, na roda de samba do Espaço Cultural Coqueiro, no bar Grão, em Brasília - que adoro -, eu pedi pra cantar essa. Vi que uma cantora que tinha me antecedido - que maravilhosamente tinha cantado "Corra e olha o céu" (Cartola), e "Nasci pra cantar e sonhar" (D. Ivone Lara) - estendeu o braço com um telefone ligado, como que mostrando a música para a pessoa do outro lado da linha.

Depois, ela veio até mim e disse: "botei o Toninho Nascimento, compositor da música, para te ouvir cantar". Eu gaguejei tanto que não consegui falar nada. No máximo, deu pra proferir um "o quê?!!!". E ela ainda ligou de novo. Estendeu-me seu telefone dizendo: "Fala com ele".

Ora, o que eu teria a dizer? Gaguejei ainda mais, não disse nada com nada, fiz exclamações perdidas e joguei algumas reticências, acho. Desliguei o telefone sem lembrar de uma palavra que eu disse ou que ouvi, de tão nervosa. "Eu devia ter dito apenas obrigada", pensei. Mas como você pode resumir tanto? Quão sucinta você deve ser para dizer o que você nunca esperou que tivesse chance de dizer? Dizer o quê, afinal?!

Eu, que não posso dizer que componho porque as coisas só existem de verdade quando extrapolam você, tenho profunda admiração por quem articula palavras em notas musicais. Tenho o hábito de dizer, no palco, quem são os compositores de cada canção que interpreto - pois, em geral, os/as intérpretes é que ficam conhecidos/as por ela. E já que não consegui dizer nada para o compositor da minha música predileta na vida, eu só posso é continuar cantando a honra de participar da imortalidade de "Conto de Areia" - ano que vem, ela completa 40 anos, e, com certeza, muitas e muitas gerações de brasileiros(as) embalarão sua alegria ao som dela.


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