domingo, 12 de outubro de 2014

O relacionamento - 4 de 7

Confira aqui as partes 1, 2 e 3.

Altivez, Teresa, altivez. Teve de superar de imediato a falta de dignidade, que nem uma pessoa que, ao tomar um susto brabo, cura a bebedeira num segundo. E como estava meio bêbada ainda, até pensou em sair dançando. Abordar um desconhecido qualquer e tacar-lhe um beijo na boca.

- Teresa, ao vê-la aqui, assim... Eu não posso me conter... Não há ninguém, eu disse aquilo para te afastar da minha vida, porque eu tenho medo do que sinto por você. Relacionamentos à distância são dolorosos, trazem muita insegurança, saudades. Não vou saber lidar com isso. Vou sentir medo de te perder e vou te atormentar, e você vai se chatear e eu vou te perder da mesma forma. E vou sofrer como já estou sofrendo agora.

Oh...

Foi quando Teresa notou: não são mais que oito da manhã. Não pode ser o Gentil acordado a esta hora na lagoa. Perder a dignidade tudo bem, mas perder o juízo já é vandalismo. Saiu andando, com um saco de meio quilo de camarão na mão. Precisava urgentemente encontrar um lugar para descansar.

Entrou na primeira pousada barata que lhe apareceu e dormiu cheirando a mar. Acordou porque o camarão começou a cheirar mais forte. A cabeça ainda doía. Gentil ainda não estava lá.

- Vagou que nem zumbi até de manhã? Teresa, você está precisando que alguém sacuda tua cabeça? – indagou Romeu.

Tomara que ele não viesse com aquela conversa de “ele não te merece”.

- Ô maluca, você poderia ter sido assaltada. Vê não faz a mesma merda hoje.

E ela voltou a beber, porque todo mundo sabe que a gente bebe pra esquecer.

Teresa ficou sentada ao balcão do bar lotado, com olhos perdidos na imensidão do nada, e um copo de vodca à sua frente. No fundo do copo, dava para ver a cara do Gentil. Tão bonito ele.

Não tardou a aparecer gente querendo prosa. Veio um e sentou-se ao seu lado, começou a puxar conversa. Ela não estava fazendo nada mesmo, então, respondia. Lacônica, no começo. Mas como a presença do outro começasse a lhe interessar, passou a responder melhor. Ele era comissário de bordo, e somente no dia seguinte voltaria ao Pará, onde vivia.

Comissários de bordo são os marinheiros da modernidade, ela pensava. Aquilo de um amor em cada porto. Sempre longe de casa, conhecer muitos lugares, passar boa parte do tempo no céu. Um amor em cada aeroporto, sem se apegar demais a nada nem a ninguém. Ah, se eu fosse comissária de bordo.

Quando algumas horas se passaram, Teresa já tinha contado ao novo amigo todas as razões que a levaram a Florianópolis e toda a ardência que seu peito sentia.

- Não devia sofrer tanto, ele não te merece. – sentenciou o homem.

Hum.

Enfim, resolveu contar algumas vantagens para se sentir menos ridícula. Disse a ele do prêmio que estava disputando no Rio de Janeiro, por um desenho produzido para a capa de um livro infantil. Também contou da viagem a Machu Pichu, feita antes de desgraçar sua vida ao conhecer Gentil – coisa de uns dois meses antes.

- Dois meses?! – ele se espantou – Do jeito que me disse, pensei que era coisa de ano!

- Ora, cale-se. A gente pode se apaixonar com uma semana e passar dez anos fingindo gostar de alguém.

Essa consideração inaugurou um assunto de horas sobre gostar, apaixonar, casar. Sabe-se bem como termina esse tipo de conversa quando é desenvolvida por um casal que acabou de se conhecer.

Saíram juntos do bar, sob olhares de chacota de Romeu.


***
Continua...

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