domingo, 4 de dezembro de 2011

Domingo de não-futebol

Não sou uma dessas pessoas que se sensibiliza com a morte de pessoas que nem conheço, e nem acho que morrer deve ser tão ruim assim. Detesto essa coisa da imprensa de ficar que nem urubu acompanhando a agonia de quem, como diz o Chicó de Ariano Suassuna, vai se encontrar com o único mal irremediável. É simples assim: se o tempo nos leva tudo, para o bem e para o mal, por que não haveria de levar o corpo? De novo chamando Suassuna, tudo que é vivo morre. Eu não acho que seria legal se todo mundo fosse eterno.

Mas, poxa, o Sócrates bem que podia ficar mais um pouco hein? Pra escrever mais, pra emprestar seu brilho pra esse opaco e mesquinho futebol brasileiro. Pra sempre nos lembrar da seleção de 1982 e o que deveria ter sido e não foi. Pra criticar as estupidezes fartas que se veem na cartolagem. Pra ser um lampejo de sobriedade - sim! - no meio dessa normalidade mórbida e acéfala. Pra gente poder imaginar que vai ser diferente. Pra gente perseguir isso.

Não vou me alongar. Só queria também me despedir do Doutor. Baita figura. Queria que ficasse mais tempo por aqui. Lembrei ontem, em conversa com amigos, de uma frase que li ainda criança, e nunca esqueci. "O mundo, depois de ti, há de ser algo melhor, porque tu viveste nele". Obrigada, Doutor. Por nos oferecer a melhor referência de que as coisas não precisam ser como são.


Pro Doutor

Ei doutor
Se a gente não se encontrar
A turma manda avisar
Que ninguém aqui desistiu da peleia

Quem sabe
Num passe de calcanhar
A gente consiga lançar
A fagulha que incendeia


E fazer tremer a arquibancada
Um lindo lance, uma bela jogada
Democracia não tem carta marcada
O jogo é vivo e o sangue está na veia


Ei doutor
Os refletores do estádio embaralham a vista
E talvez a gente não te veja mais
Nem possa te ler nos jornais
Mas sempre segue o show do artista

O que está feito não se perde
As palavras, gestos e gols
Tudo o que você começou
A gente sabe que prossegue


Vamos comemorar
Até o que nunca foi
O título de 82
O dia em que vamos derrotar
Aqueles que não nos deixam sonhar.

E na sua despedida
Nós vamos brindar:
Ainda bem que estiveste com a gente
E vamos levar, daqui pra frente
Nos nossos sonhos, seus sonhos também.

Se a gente não vai se ver
Nem escrever novas histórias
A gente guarda o que tem
Num bom lugar da memória
O que é imenso
Pra ser só um minuto
Pra ser só silêncio

Ei doutor
Eis o apito, a partida acabou
Mas a gente continua a conversa no bar
Xingar ou saudar
Pra comentar
Pra resistir
E ao fundo, ouvir:
A música ao vivo são harpas chorando.


O mundo, hoje, ficou um bocadinho pior.

4 comentários:

Antonio Gueiros disse...

Lindo. Tô desde ontem meio engasgado com a morte de Sócrates. O seu lamento, Alessandra, foi o meu lamento. O sentimento é o mesmo: esse cabra vai fazer uma falta danada.

Daniel Hatanaka disse...

Parabéns! Belas palavras, para resumir um grande ser humano...

Daniel Hatanaka disse...

Parabéns! Belas palavras, para resumir um grande ser humano...

Fernando Amaral disse...

Bonito, Alê.