"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia."
(Marina Colasanti)
(Marina Colasanti)
A publicidade nunca se notabilizou por ter qualquer capacidade de contribuir para transformar relações de desigualdade e intolerância, corrigir distorções, superar contradições. Muito antes pelo contrário. Na maioria esmagadora das vezes, ela se vale justamente de estereótipos preconceituosos, do medo, de constrangimentos, para vender seus produtos com "eficiência".
Para as mulheres, a mensagem dirigida, muitas vezes, é: "para não ser feia, encalhada, indesejada, você deve usar este cosméstico". Ou ainda: "para dar conta de trabalhar, cuidar dos filhos, do marido, da casa, e ainda ser gostosa, você deve usar este produto de limpeza". Isso não é a exceção. Difícil é fugir desse padrão.
E mesmo estando habituadas a sermos tratadas dessa forma, ainda nos espanta quando esse reacionarismo todo atinge níveis elevados, como aconteceu com a tal peça da Hope na TV, com Gisele Bundchen estrelando. Uma das mulheres mais poderosas e midiáticas do país coloca-se em posição de plena submissão e ensina que não se devem dar "más notícias" vestida.
Ora, vejamos: as más notícias a que ela se refere são episódios como acidente de carro e limite de cartão de crédito estourado. Nada de novo. Nada mais batido, senso comum e estereotipado que acusar as mulheres de serem más motoristas e boas gastadoras. Nada mais senso comum, também, que afirmar que uma mulher só é respeitada por seu "sex appeal".
O problema é que a gente não precisa, não pode e não deve se acostumar a ser vista e exibida dessa forma. Sempre que possível, é preciso sim denunciar o machismo contido nesse tipo de abordagem, porque se a gente não fala nada, quem vai falar? E se ninguém falar, nunca essa baixaria toda vai parar. Vai se fortalecer e continuar alimentando o conjunto da desigualdade que encontramos na nossa sociedade, que se expressa, com mais visibilidade, em tantos casos de violência doméstica, sexual, discriminação no mercado de trabalho e etc. Tem uma bitola nos olhos quem não vê que tudo isso está tremendamente relacionado.
Hoje, boa parte dos que mais se autodeclaram temerários à censura estiveram do lado de lá quando ela foi aplicada em regime de exceção no Brasil. Quando havia censura à arte, à informação, à livre circulação de ideias, à liberdade de expressar opiniões.
É uma nítida demonstração de retórica da ameaça, na proposição de Albert Hirschman, sugerir que a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal não possa cobrar um posicionamento do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), porque isso seria "censura". Nada pode ser mais infantil que corroborar com essa afirmação. A SPM está cumprindo seu papel, e deve fazê-lo. Por que a gente precisa aceitar?
Esse pessoal que adora temer a "censura" faz parte do seleto grupo de proprietários da mídia e seus financiadores, que censura impiedosamente qualquer tentativa de debate (eu disse: de debate) sobre a democratização da comunicação e sobre o combate dos excessos cometidos diariamente pelos veículos de mídia. Essa retórica toda é só pra, mais uma vez, tentar nos disciplinar. Mas uma ordem que me subjugue, não quero não, obrigada.
Portanto, um viva à liberdade de criticar o que nos oprime, à liberdade de expressar nosso desconforto, e de disputar para que seja diferente. Porque de mau uso e de subversão da liberdade de expressão, o mundo já está saturado.
* Alessandra Terribili, jornalista, mestranda em Ciência Política pela UFRGS.
3 comentários:
Resposta clara com argumentos sólidos, sem cair nas inúmeras armadilhas que sempre espreitam as feministas. Uma beleza. Ale!
Excelente, Alessandra, tem toda razão. Vou reproduzir este artigo. Um abraço.
Sabe qual é o problema? As pessoas estão confundindo e achando que liberdade é licença para tudo. Licença demais é o mal desse país. No qual é extremamente difícil punir até mesmo réu confesso. Onde se acha aceitável qualquer grosseria, qualquer abuso. E ai de quem se sente ofendido, aí é que "pega" mesmo.
Postar um comentário