Música, feminismo, diálogos, política, futebol, crônica e poesia convivendo no mesmo espaço. E sem conflito.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Os cúmplices da homofobia assassina
Lembro que quando eu tinha menos de 20 anos, minhas duas irmãs, que estudavam no mesmo colégio de padres onde eu estudara - Agostiniano Mendel, na zona leste de São Paulo -, foram impedidas de se rematricular de um ano para o outro na escola. Motivo: queriam fundar um grêmio estudantil, e colocaram-se contra a escola num ato institucional de homofobia.
Havia um garoto homossexual, amigo delas, muito jovem. O garoto se apaixonara por um colega e, assim, declarou-se. O colégio tratou o ocorrido como uma afronta à sua autoridade. Queria expulsar o menino. Lembro que a Folha de S. Paulo, em seu "Folhateen", publicou matéria sobre o caso, abordando como preconceituosa a atitude do colégio. Lembro também que foi assim que minhas irmãs conheceram a militância do PT, que prontamente se dispôs a fortalecer a justa briga contra a direção.
Na época, eu pensava assim: poxa, eu vejo um monte de meninos incomodando com seu assédio um monte de meninas, e eles não são expulsos. Ou um monte de meninos adolescentes machistas e mimados que já naquela ocasião, recém-saídos das fraldas, exercitavam sua capacidade de humilhar e descartar meninas, tratando-as como simples bonequinhas de luxo, e nunca lhes foi dirigida uma palavra de repreensão.
Era evidente que se tratava de homofobia. Não lembro bem o desfecho do caso, mas sei que o colégio propunha-se a expulsar o garoto, e que minhas irmãs, com outros e outras colegas, não aceitaram a evidente discriminação. Sobrou para os solidários também.
Anos depois, já feminista, outra ocasião. Estávamos entre diversos militantes da juventude do PT num bar ao lado da sede do partido. Conversávamos, cantávamos, discutíamos política e curtíamos a presença uns dos outros. Havia duas meninas namorando.
Em certo momento, um troglodita metido a machão começou a incomodá-las. Elas não estavam fazendo nada demais, estavam juntas, abraçadas, beijavam-se vez ou outra. O homem passou a disparar gracejos grosseiros contra elas, naquela lógica de que "tem que apanhar pra aprender". Não cessava. Um amigo, homossexual, indignado, pediu que o sujeito parasse e respeitasse as meninas. Em resposta, o assediador mostrou um revólver que se encontrava sob a sua camisa ao meu amigo - que, óbvio, assustou-se muito. Soubemos que o homem era policial.
O troglodita passou a seguir meu amigo pelo bar, a ponto de ir atrás dele ao banheiro. Lembro que fui junto, e que, deixando o banheiro, propus que fôssemos embora. Levei meu amigo à sua casa naquele dia; o caminho todo, ele muito assustado, chorando um pouco, e dizendo em voz soluçante que corre risco de morrer, todos os dias, apenas por ser como é.
A intolerância violenta de animais que circulam pela Avenida Paulista - a mesma que recebe, todos os anos, a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo - ou em muitos outros cantos do país é legitimada por escolas que corroboram com a homofobia, por policiais que tratam com displiscência situações de discriminação, por homens que se julgam poderosos o suficiente para julgar quem merece ou não ser respeitado neste mundo. E muito mais gente. Sabe aquela piada de viado que você adora reproduzir em situações de descontração? Devia parar. Sabe os olhares assombrados para homens que dão a mão a homens e a mulheres que beijam mulheres na boca? Também devia parar. Faz, tudo, parte do mesmo ciclo.
Só existe uma intolerância legítima: a intolerância contra a violência. Ninguém pode aceitar, de tamanho nenhum, em espaço nenhum, de forma alguma. Se você é contra o casamento gay, problema seu. Não se case com alguém do seu sexo. Mas não queira normatizar a vida dos outros. Isso é, um pouco, o que dá coragem a esse bando de marginais para agredir pessoas na rua simplesmente porque demonstram carinho e afeto por outra pessoa. Nada pode ser mais cruel.
Não, eu não quero equiparar a sua piadinha homofóbia, ou a sua disposição de cantar palavras de ordem homofóbicas no estádio de futebol, à tentativa de assassinato que alguns empreendem contra outros por serem homossexuais. Eu só quero dizer que a sua atitude faz parte da mesma lógica. E que devia parar.
***
PS: A foto acima foi tirada há poucos dias, numa atividade acontecida na Universidade Católica de Brasília, contra o machismo, a homofobia e a intolerância. Foi um dia de exibição de filmes sobre os temas, debate e, ao final, um ato político dos estudantes. As faixas levavam palavras de repúdio à violência e em defesa da liberdade de amar. A imagem é bonita porque exibe um símbolo de união e solidariedade pra enfrentar a violência.
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13 comentários:
Maravilha, querida! Muita gente não homossexual deveria ler seu texto, como formação, sabe? Enquanto a arrogância de supor que seu modo de viver é o único, ainda teremos que escrever muito para o povo entender: cada um cuida da sua vida!
De resto, continuaremos gritando, sempre que necessário, que não irão nos matar porque amamos quem queremos amar.
"Se você é contra o casamento gay, problema seu. Não se case com alguém do seu sexo. Mas não queira normatizar a vida dos outros."
Isso é que não entra na cabeça dos intolerantes... Aliás, vale o mesmo para o aborto.
Muito bom.
Agora, não sei até que ponto devemos minimizar as piadas a lá "Zorra Total" e os gritos nos estádios de futebol... Isso é tão ou mais violento quanto as propagandas de cerveja com gostosonas. Também temos que pensar pq quase desapareceram piadas racistas da TV, e quando há racismo no futebol o caso é levado com o mínimo de seriedade... agora com viado pode??? Não sou do tipo legalista, mas já demorou a aprovação do PLC122 que iguala os crimes homofóbicos aos crimes de racismo.
Vamos todos respirar fundo contar até dez e..Ah, fala sério , não dá mas para esperar, para ter paciência para ponderar, relevar...A intolerância passa pela minha vida todos os dias com frases do tipo : "Ah, que desperdício, tão feminina...
Que desperdício para quem? E quem se este como bem entende, anda como bem entende, tem que ser punido?
Querida histeria coletiva chamada sociedade: Parem de se envolver com os sentimentos de quem foge às suas normas...Seja flexível e menos cruél, eu já perdi a paciência faz tempo!
errata: onde está escrito quem se este, leia-se QUEM SE VESTE...
Grata!!
Muito bom o texto, Ale.
O que mais me incomoda nessa discussão é que o que as pessoas odeiam em você não é uma atitude, um comportamento, uma ideologia, ou qualquer outra coisa. É a sua própria existência...você se transforma em algo que não deveria existir. Sou capaz de entender que uma pessoa odeie outra, por um motivo X. O que não entra na minha cabeça é o ódio generalizado, é odiar (e violentar)anônimos, desconhecidos, simplesmente por esses representarem algo que, de alguma maneira, me agride.
É curioso como a gente passa a vida inteira bombardeado pelo ideal do amor romântico. Como devemos conhecer alguém que nos ame e que nós amemos, e como devemos viver eternamente felizes juntos. Porém, só isso não basta, pq dependendo de quem for esse alguém, o amor deixa de ser válido. Acho muito triste que seja negado o direito de amar, ao mesmo tempo que vende-se que a felicidade depende do amor.
Enfim, a luta contra a homofobia, pra mim, é uma luta pelo direito de existir e de amar - que deveriam ser direitos básicos, não apenas do cidadão, mas antes disso, do humano. Estamos todos e todas cansados(as) de sermos desumanizados(as).
Texto perfeito! Não falta nada e diz ainda mais um pouco, com uma linguagem que transcende a mera necessidade da comunicação! Vou postar no meu Facebook.
Saudações e sucesso de quem sofreu bullying no Ensino Médio e na mesma época conviveu com mais três casos de bullying homofóbico na mesma sala!
Ale, parabéns pelo texto, vou repassar para todos os meus contatos. E lembrei de um cartaz que a moçada do Identidade - Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual, espaço de base no qual milito em Campinas, portavam em várias manifestações: "A PIADA MATA TANTO QUANTO A BALA". Beijão e vamos em frente, quem um mundo novo vem aí.
Alessandra, parabéns pelo texto e pelo belíssimo blog. Você autoriza a publicação deste seu texto em nosso blog?
Caso positivo nos responda pelo e-mail agencialivre@hotmail.com
Muito bom, Alê!
Que saudades!
Gostei muito do texto. Juntas, mais fortes, contra homofobia, machismo, racismo e todas as correntes que nos prendem.
beijo grandãozão
Julian Rodrigues
Texto muito bom. Sou lésbica e me lembrei de um dia que estava com um amigo tambem gay caminhando para um curso que faziamos na epoca. Estavamos andando conversando como qualquer dupla de amigos quando um homem passou pela gente e falou "É gay é, é bicha" muito grosseiramente. Como é uma situação cotidiana (alguem te xingar de bicha, gay, ou sapatao na rua) continuamos andando, quando olhei pra tras esse homem estava parado, olhando pra gente com uma cara feia. Quando ele viu que olhei começou a caminhar atras da gente, puxei meu amigo e comecei a andar mais rapido. Ele veio atras de nós até pararmos num lugar bastante movimentado. É triste porque nao surpreende ninguem, como disse, é cotidiano. Você tem que sair pela rua preparada pra alguem te agredir no onibus, no bar, na escola, na rua e por ai vai. E o governo não faz nada realmente efetivo por sempre ceder a pressao dos fundamentalistas, muito revoltante isso. Hoje com casos mais graves NA MIDIA estao sendo tomadas novas medidas e iniciadas novas discussões, mas quantos mais vao precisar acontecer?
Agradeço muito por todos os comentários, e um beijo especial no Julian e no Mariante, companheiros que são grandes referências de luta pra mim!
Muito bom, Alê. Vou divulgar no fb. Beijos! Su
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