quarta-feira, 11 de agosto de 2010

As mulheres no humor: só o objeto da piada?

Não conhecia a comediante Dani Calabresa, da MTV. Vi-a no programa de Jô Soares ontem, terça. Não sei onde ela atua, nem que tipo de humor é seu estilo. Mas chamaram-me a atenção dois pontos da entrevista.

Ao ser perguntada sobre como descobriu seu talento para o humor, ela remeteu-se à infãncia. "Na peça da escola, minha irmã bonita era a Branca de Neve e eu era Dunga, o anão mudo". Ela completou contando que a família destacava a "beleza diferente" de ambas, e que cabia à irmã o rótulo da bela, a que corresponde aos padrões de beleza tão propagados pela TV. Deduzi que, a ela, coube ser a engraçada, para chamar a atenção.

Interessante, porque esse padrão é colocado para as meninas desde muito cedo, e Dani fez menção a isso: diz-se nas entrelinhas que as mulheres bem-sucedidas são as desejadas. É um festival de mulheres-fruta hoje, como já foi de dançarinas de axé em um momento atrás. Elas se colocam como referência também para crianças e adolescentes, porque são essas as mulheres veneradas na mídia. E dá-lhe tiazinhas, feiticeiras, assistentes de palco, dançarinas, modelos, manequins. Quem não é bonita e gostosa, que vá descobrir um "outro" talento.

Depois, Jô Soares lhe perguntou em que ela não acha graça. Respondeu certeira: mulheres seminuas em programas humorísticos da TV. Bingo.

Na faculdade, meu humilde trabalho de conclusão de curso se propunha a analisar o discurso do humor na TV sobre as mulheres. Não é difícil notar a quantidade de mulheres seminuas que desfilam por esses programas, praticamente objetos de cena. Sem contar o quanto tentam arrancar risadas a partir de velhos esteriótipos como a mulher burra; a gostosa que é o prêmio para o mais esperto; a fútil; a adúltera (porque, afinal, as mulheres "tentam" os homens independentemente de qualquer coisa, como Eva).

Esse é o humor mais fácil de se fazer: o que tem base em preconceitos e esteriótipos. E agora, que tantos comediantes têm a chance de discutir o grau de influência de suas piadas sobre a vida das pessoas, por causa da proibição de apresentarem caricaturas de políticos (da qual discordo, registre-se), podemos pautar: será que piadinhas são inocentes?

Nunca são. Elas reproduzem a desigualdade e a opressão, e fazem-nos rir disso como se fosse "natural". É o velho "rir de si mesmo". Mas não tem graça. Não sei vocês, mas pra mim, piadas como essas entre amigos também não têm graça.

Existem muitos exemplos, na TV, no cinema, no teatro, na literatura, de que é possível fazer humor sem apelar para o mais fácil, que é reforçar esses esteriótipos preconceituosos. Afinal, quando você assiste a uma esquete ou a um quadro na TV, está relaxando e assimilando conteúdo de forma acrítica e desarmada. E quem aqui ainda acha que uma piada não tem significado?

Significados não são desprezíveis. Por isso que eu gostei da Dani. Ela não parece ficar satisfeita em ser só o objeto da piada.

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o seu texto, a sua análise. Em meio a tanta futilidade feminina, uma humorista, reconhecida pelo talento, é de admirar e aplaudir. Parabéns pela página!

Marcinha disse...

Achei seu post muito interessante, concordo totalmente com o q vc disse.

Acredito que existe uma linha muito tenue entre a censura ao humor e o bom senso, e qualquer critica acaba sendo mal vista, mesmo que as custas da perpetuacao do preconceito.

Mario disse...

Alessandra,
Quando falei que ia comentar aqui, minha intenção era (particípio passado do verbo "não vai dar") fazer uma diatribe um pouco mais consistente, citando Lisístrata, Contos de Cantebury, Decamerão e Megera Domada, entre outros. Infelizmente, vou ter que ser conciso.
Acho que é uma generalização muito grande dizer que a mulher é apenas objeto das piadas, mesmo na TV atual. Vou pegar apenas uma vertente bastante comum: a adúltera. Nesse tipo de piada, a mulher é sujeito e agente, o objeto e motivo de chacota costuma ser "o corno". Nem sempre, é verdade, mas em geral, não há uma valoração moral da traidora, e sim uma esculhambação do marido traído. A mulher, em grande parte das anedotas, aparece como alguém cheia de esperteza e expediente, para conseguir realizar o seu desejo. Não consigo ver isso como machismo, nem como estereótipo.
Um abraço,
Mario Abramo

ProjetandoArte disse...

Gostei! Teu ponto de vista, tua reflexão aborda um tema que poucos discutem. Sabe que vc me fez lembrar que até no "ingênuo" espetáculo do circo colocam a "Mulher Barbada" como a figura mais feia e abominável do planeta sendo motivo de risos e chacotas da platéia e para a bailarina trapezista que se equilibra nos cavalos com suas roupinhas "bonitinhas e sensuais" aplausos e beijinhos...Sei lá lembrei-me do quanto eu já detestava quando criança o que faziam com a "pobre mulher barbada"Bjus, Lucia

Ariely Castro disse...

Tenho que reafirmar e defender o posicionamento da Alê, em relação a piadas de mulheres adulteras. Por mais que se faça referência ao homem, enquanto "corno", quando se fala em traição feminina, se fala da relação de propriedade e controle do homem sobre a "sua mulher". O homem que foi traído teve a sua "dignidade" ferida. Para refletir sobre isto, basta fazer uma análise simples, quase clichê, é só comparar a aceitação social da traição feminina versus traição masculina.

Shirlei Romano disse...

Ahhh, os nossos velhos e conhecidos paradigmas...A mulher é isso , o homem é aquilo...Feio deve agir assim, os belos assado. Como é delicado viver em sociedade...Ou pelo menos nesta sociedade que possui parâmetros de aceitação que se dizem modernos, mas fazem referencias a moral dos anos 20.

Gosto quando vejo escritas como a sua , que critica o óbvio, sem o medo de parecer cansativa, porque por mais que digamos BASTA, parece que nunca gritamos alto o bastante. Sempre tem um Iatobá para atolar, como interpretava Elis...

Abraços e sucesso nas suas realizações!

Anônimo disse...

Não olhe agora, mas a ex-estudante da Uniban, a do vestido curto, está seguindo exatamente o caminho que Dani condena...