quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Quando negar o preconceito vira o ato mais preconceituoso

Milito há modestos 12 anos. E desde o começo, continua me intrigando a necessidade que algumas pessoas têm – militantes, às vezes – de negar a existência de preconceito e discriminação. Intriga-me e incomoda um bocado.

Normalmente, são homens, brancos, heterossexuais, de classe média. Do alto de seu pertencimento ao padrão “acima de qualquer suspeita”, vêm esses arvorar-se o direito de, da arquibancada, analisar e julgar o que pode e o que não pode ser considerado um ato de preconceito, ou uma expressão da dominação que se estabelece sim entre homens e mulheres, entre negros(as) e brancos(as). Simplesmente abominável.

Abominável porque também isso é preconceito. “Ah, não exagera, vai”; ou “Você está nervosa, por isso está amplificando as coisas”; no mínimo – isso pra não chegar num “Não seja histérica, xiita, ou coisa que o valha” – é corroborar e legitimar a opressão. Porque quem não sofre o preconceito na pele não deve desqualificá-lo classificando-o como “exagero” ou “histeria”. Isso é julgar que a pessoa que sofreu o preconceito é “fraca” e se fosse “forte” encararia a situação com tranquilidade. Ou seja: além de ser uma pessoa de segunda categoria – porque é isso que o preconceito afirma –, ainda é desequilibrada(o).

Discriminação, preconceito, opressão, discriminação não devem ser tratados com tranquilidade ou naturalidade. Muito menos com imparcialidade! Desequilíbrio não é reconhecer e se queixar. Desequilíbrio é não se indignar com o mundo desequilibrado – uns valem mais que outros.

Ou então, quem nega tão veemente as expressões do machismo ou do racismo que há por aí, pode ser porque se enxerga na reprodução desses valores de desigualdade... sim, porque não pensem que os homens, os brancos não se beneficiam da opressão das mulheres e dos negros. Beneficiam-se sim, e, muitas vezes, é difícil abrir mão da posição de “alto da pirâmide”...

Por isso, espero que as mulheres, os negros e as negras, os(as) homossexuais, e todos os que são historicamente excluídos, marginalizados, não se envergonhem de apontar o preconceito e queixar-se sim. Não para as paredes: Pro autor. Pra Justiça. Pro mundo ouvir.

Por que este ataque histérico?

Duas situações motivaram-me esta breve reflexão. Pedro Bial – sempre ele –, ao dirigir-se ao único negro selecionado para o lastimável BBB indagou: “Racismo é acusação grave, você acha mesmo que sofreu preconceito?”. As palavras não foram exatamente essas. Mas após uma série de “indicações”, por parte do participante eliminado, de que era, ali dentro, tratado com desigualdade, o tom do apresentador foi de “está exagerando, está se autovitimizando”, e, no limite, um julgamento de que aquela seria uma forma de autopromoção. Um nojo.

Outra. No blog da deputada federal Manuela D’Ávila, quando ela fala do machismo embutido na “análise” de FHC acerca da candidatura de Dilma Rousseff, comentários de leitores marcam a posição de que “não, não é preconceito, veja bem, é política”.

A política mal-feita apropria-se sim do machismo para desqualificar uma candidata mulher. É sutil, às vezes, mas espera-se que quem tem antena ligada perceba com mais facilidade e menos máscara. Não precisa ser tão atento assim pra perceber que o tratamento dispensado a Dilma é diferente do dispensado a Serra. Não por política. Não só por manutenção ou não do projeto representado por Lula. Mas porque, às mulheres, é dispensada uma forma particular de desqualificação. E isso é SIM machismo. Ofendam-se ou não.

Já viram “O Diabo Veste Prada”? A garota diz: “Dizem que ela é um monstro; mas se fosse um homem, diriam que ele só está cumprindo seu papel”.

Daí vem o discurso... “estão se autovitimizando”... “estão, de maneira oportunista, aproveitando-se da situação”. Como se as pessoas gostassem de se “autovitimizar”! Como se fosse agradável, confortável, ser vítima! Como se o natural fosse exatamente aceitar o papel de vítima que séculos de exploração sustentam! Dirão: sim, afinal, as vítimas conquistam a misericórdia das pessoas...

Nós não queremos misericórdia. Queremos igualdade. Nem mais, nem menos.

4 comentários:

Isis Costa disse...

Cara Alessandra, concordo em gênero, número e grau com suas colocações e afirmações, no entanto, esta questão do apresentador do BBB questionar se foi racismo, não entendo como "estás exagerando". De fato é algo grave, sujeito à detenção. Acredito ser um cuidado da emissora, já que se o eliminado declarasse ter sido vítima de discriminação racial a emissora teria que eliminar, certamente, a garota.

Maria da Penha disse...

Alessandra, querida, você monta um blog lindo desses e nem avisa a galera? É mais uma trincheira de luta contra a ignorância que gera injustiças e preconceitos, seu/nosso espaço de abrir o verbo e o coração na eterna luta por um mundo mais justo e solidário. Parabéns!

Anônimo disse...

Minha querida:
Gostei muito da análise. Concisa, tenaz, inteligente e, principalmente, bem posicionado. Quanto à diferença de tratamento oferecido à Dilma e Serra, tens toda razão. Lembro como, na campanha de Heloísa Helena, em 2006, esta foi compara aos demais candidatos (todos homens) pela grande imprensa: a "mal-amada", a "feiosa da blusinha branca" e outros epítetos nada politizados. E uma nova eleição vem aí. Que fiquemos de olhos bem abertos.
Um beijo,
Juliano.

Anônimo disse...

Parabéns pela análise, o texto está realmente muito bom. Aproveito a oportunidade para divulgar uma discussão que tambpém estou propondo sobre a discriminação:

http://concretudesimprecisas.blogspot.com

GRande abraço.