sábado, 13 de fevereiro de 2016

Uma chamada

- Alô?

- Oi, tudo bem?

- (murmurando, um pouco brabo) Poxa, Lívia, já não pedi pra não me ligar quando eu estiver em casa?

- Pediu, mas não encontrei um motivo razoável para não fazê-lo.

- Eu estou com minha família, caramba!

- E daí? Você me liga quando eu estou com meus amigos, e eu atendo.

- Que comparação esdrúxula, Lívia.

- Esdrúxulo é que, em pleno século XXI, as pessoas se subordinem a um conceito atrasado como o de família! É uma instituição que acorrenta as pessoas, como se sentimento e convivência pudessem ser coisas coercitivas. Não me venha com essa conversa fiada de que família é um templo sagrado, hein. Pra muita gente, é o espaço da violência e da repressão, sabia?

- (quase implorando) Lívia, por favor, agora não posso falar com você...

- Tem que ser agora sim, Carlos Roberto! Liguei porque quero falar com você, e se você não quer me atender, que arrume uma justificativa melhor que “estou com minha família”.

- Meus filhos e minha mulher estão aqui!

- Seus filhos são adultos, Carlos Roberto!

- A Amanda!

- A Amanda? Aquela sonsa-monga que se faz de mais sonsa ainda para te manter aprisionado, com teus medos e tuas culpas pesando que nem aquelas bolas de ferro? Ora, francamente, Carlos Roberto. Arrume justificativa melhor.

- Eu passo muito tempo fora, eu só...

- (interrompendo) Você passa tempo fora porque é fora de casa que encontra as realizações que seu casamento de fachada não te dá. Em vez de se sentir culpado por isso, deveria buscar formas de se libertar. Você tem uma vida pra viver, deveria ir ser feliz. E deixar a pobre da Amanda ser feliz também, em nome de Jesus!

- Que absurdo você dizer isso!

- Absurdo, Carlos Roberto??? Deixe de hipocrisia, rapaz! Se esse seu casamento fosse bom, você não saía por aí dando suas escapadinhas! Ora! Pronto, falei.

- (sussurrando de novo) Você sabe que a vida não é essa simplicidade antropológica que você vive pregando, já falamos sobre isso. A gente casa, a gente forma uma família, a gente tem que ter responsabilidade com as decisões que se tomam. Ninguém aqui é adolescente mais.

- Claro que não. Adolescentes são curiosos e corajosos, e você é um covarde. Que conversa é essa de "responsabilidade com as decisões"?! Toda decisão humana é reversível. Ainda mais essas que precisam de contrato para se firmar. Amor não precisa de contrato não, Carlos Roberto. Nem de testemunha.

- (suspirando, rendido) Ok, Lívia. O que você quer.

- Te mandei um e-mail com dois relatórios para mandar para a matriz, um enxuto e um bem completo. Preciso que você leia os dois, sugira o que achar conveniente em cada um deles, veja o que falta e opine sobre qual enviar. Ainda hoje!

- Ok.

- Aguardo então. Beijão, bom fim de semana!

Nenhum comentário: