Eu não tinha ouvido falar dele, mas, como vocês devem supor, o nome me chamou a atenção. Em tempos de pós "Primavera (?) Árabe", o filme ganha ainda mais atualidade. A história se passa numa pequena comunidade islâmica, situada em local desértico entre o norte africano e o oriente médio. Sob um olhar superficial, as mulheres se rebelam contra os homens, porque cabe a elas o trabalho pesado de ir buscar água para abastecer a vila, sem nenhuma ajuda de seus maridos, pais e irmãos.
Entretanto, o enredo se apropria dessa "limitada" questão para lançar luz sobre muito mais. A protagonista da história, a jovem Leila, é das raras mulheres que sabem ler e escrever. Ao lado da experiente Velho Fuzil, as duas questionam a interpretação que se faz do Alcorão, alegando que Alah espera que homens e mulheres sejam iguais. Denunciam que as mulheres realizam todo o trabalho, enquanto os homens somente as exploram. Mobilizam as demais e se organizam para enfrentar a situação por meio de uma greve de sexo, que atinge enorme repercussão. Muitas mulheres acabam estupradas pelos maridos, sofrem violência, inclusive diante dos filhos, sem ter a quem recorrer. Em meio a tudo isso, a omissão da Igreja e a corrupção das autoridades.
Leila é perseguida pela sogra, que demonstra discriminá-la pelo fato de ser estrangeira. Ao mesmo tempo, o marido, professor, dos mais intelectualizados da aldeia, procura apoiar sua luta, mas recua muitas vezes. Teme que as mulheres queiram ir além de conquistar ajuda no ato de ir buscar água.
Num diálogo entre homens, que se reúnem para encontrar solução para o impasse, alguém se lembra que a tarefa, executada pelas mulheres, deveria ser garantida pelo Estado. Porém, pouco ou nada fazem para fortalecer a luta feminina - que, a princípio, buscara a divisão da tarefa com os homens. Os mais conservadores sugerem explicitamente que elas sejam controladas por meio de violência. Porém, destemidas, elas seguem com sua luta, utilizando de todos os poucos artíficios de que dispõem.
Engana-se quem assiste ao filme com desprendimento científico. Ali, fala-se sobre um local perdido entre o norte da Árica e o Oriente Médio, e sobre a religião dos muçulmanos. Entretanto, respeitadas as proporções, aquela é a realidade de todas as mulheres do mundo. A divisão sexual do trabalho, que responsabiliza exclusivamente as mulheres pelo trabalho doméstico e de cuidados, continua escravizando milhões delas em todo o mundo, seguidoras de todas as religiões. A violência é um meio de controlá-las em toda a parte. O estupro dentro do casamento é uma cruel realidade global. A organização das mulheres no feminismo continua sendo combatida por muitos, por meio da desqualificação política e da truculência. A liberdade ainda não é uma realidade, e a luta feminista continua necessária.
As falas e as músicas cantadas por Leila e Velho Fuzil são, muitas vezes, emocionantes. Não porque rebuscadas ou carregadas de metáforas, pelo contrário: exatamente porque falam de coisas concretas de forma literal, com inteligência e coragem.
Um belo filme, uma boa história, uma importante lição: as mulheres não vão aguentar caladas a opressão que sofrem.
LE SOURCE DES FEMMES
Diretor: Radu Mihaileanu
Elenco: Leïla Bekhti, Hafsia Herzi, Biyouna, Sabrina Ouazani
Duração: 135 min
Ano: 2011
Em Porto Alegre, o filme está em cartaz no Unibanco Arteplex
13:30 16:10 18:50 21:30
5 comentários:
Olá, Alessandra!
É a primeira vez que leio algo sobre o filme e, é claro, senti-me seduzida a assistí-lo.
Agradeço por ter compartilhado com tão ricos detalhes, mas ao mesmo tempo sem desfechar a trama.
Certamente assistirei e voltarei ao seu blog.
Cheiros feministas,
Lilian Lira
Que bom Lilian! Depois socialize também o que vc achou... Grande abraço!
Parabéns pelo excelente texto. Adorei!
Cheiros,
Lilian
Gurias...também fiquei curiosa...e como sou apoixanada pela telona, tô indo daqui a pouco é só saber onde está passando em Brasília...
Bem bom seu texto mesmo Ale...
Beijos,
Ane Cruz.
Querida Anne! Depois conta o que achou do filme... obrigada pelo comentário. :-)
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