terça-feira, 30 de junho de 2009

Racismo, machismo, e outras coisas nojentas

No bojo de Grêmio x Cruzeiro, que vem aí, ainda imerso na polêmica da partida anterior, quando o volante cruzeirense Elicarlos denunciou o atacante gremista Máxi Lopez por racismo, deu hoje no portal Globo.Com: "Kléber discorda do amigo Souza: ‘Futebol é para homem, mas não para racismo’".

Quer dizer... machismo pode???

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Contra o golpe em Honduras

ATO CONTRA O GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS!
AMANHÃ, DIA 30 DE JUNHO ÀS 10 HORAS
EM FRENTE AO CONSULADO DE HONDURAS EM SÃO PAULO,
RUA DA CONSOLAÇÃO, 3741 (entre a Rua Oscar Freira e Estados Unidos).

Convocam: Marcha Mundial das Mulheres, MST, CUT, UNE, entre outras forças sociais.




Confira a nota da MMM e REMTE:

Somos todas Honduras! Estamos em resistência!

A Marcha Mundial das Mulheres e a Rede Latinoamericana Mulheres Transformando a Economia nos unimos a todas as organizações feministas e do movimento social de Honduras para condenar e repudiar veementemente o golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya Rosales, dirigido pelas Forças Armadas e pelo presidente do Congresso Nacional, Roberto Micheletti, com apoio dos meios de comunicação controlados pela oligarquia deste país.

Executado pelas forças armadas às 5 da manhã do domingo, 28 de junho, o golpe truncou as aspirações democráticas da população, que se preparava para realizar uma consulta à sociedade hondurenha, para verificar se estava de acordo em convocar uma Assembléia Nacional Constituinte, com o objetivo de elaborar uma nova constituição. Além disso, o golpe militar colocou na presidência Roberto Micheletti, fantoche da oligarquia hondurenha.

Apoiamos a resistência pacífica do povo, em particular das feministas hondurenhas, que estão mobilizados/as em vigílias e greve geral em apoio ao Presidente Zelaya e à restituição da democracia hondurenha, e nos somamos a todos os movimentos sociais para exigir:

- O restabelecimento da ordem constitucional, sem derramamento de sangue.

- Que o Exército não reprima a população de Honduras que exige o retorno da democracia.

- Que se respeite a integridade física das feministas e demais dirigentes sociais, que estiveram a frente da consulta.

- O retorno do Presidente Zelaya a suas funções em Honduras, e o rechaço a Micheletti por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA).

- Que as autoridades garantam o direito da população ao pleno exercício da democracia através da consulta popular.

Denunciamos o papel dos meios de comunicação comerciais, utilizados pelas oligarquias hondurenhas como ferramenta para frear a vontade popular e intermediar, encorajar e justificar o golpe, o que os torna cúmplices.

Conclamamos todas as pessoas, organizadas em movimentos ou não, em nível nacional e internacional, a se manifestarem contra esta agressão aos direitos do povo hondurenho e a divulgar este pronunciamento. Convidamos também a socializar informações produzidas pelos meios populares como a Rádio ELM (www.radioeslodemenos.org) e a Rádio Mundo Real (www.radiomundoreal.fm).

Além disso, convocamos os movimentos sociais a protestar frente às representações diplomáticas e comerciais de Honduras, e a enviar cartas de repúdio ao golpe de Estado às embaixadas em cada um de seus países.

Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

29 de junho de 2009.

sábado, 27 de junho de 2009

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— Ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

(Mário Quintana)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Democracia? Racial? No Brasil? No futebol?

Um bom texto do meu amigo Bernardo Cotrim sobre um assunto que deveria ter muito mais espaço do que tem tido na nossa democrática mídia brasileira. O racismo que inunda os campos de futebol do Brasil e do mundo, e que segue sendo, infelizmente, muito atual. Me lembrou o glorioso Graffiti, ex-São Paulo, cuja polêmica teve um desfecho mais razoável. Boa leitura.


O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
(Bernardo Cotrim)

Na noite da última quarta-feira, jogaram Cruzeiro e Grêmio, pelas semifinais da Copa Libertadores da América. O que tinha tudo para ser mais uma noite de futebol na TV ganhou contornos dramáticos: ainda no primeiro tempo, uma confusão envolvendo o argentino Maxi Lopes, do Grêmio, e os brasileiros Elicarlos e Wagner, do Cruzeiro, teve seu desfecho após o jogo, numa delegacia de polícia.

Vendo as imagens, fica claro que Maxi Lopes falou alguma coisa que ofendeu profundamente os dois jogadores do Cruzeiro. Após o jogo, Elicarlos revelou a ofensa e registrou queixa na delegacia do Mineirão. Segundo o volante brasileiro, que é negro, o atacante gremista o chamou de macaco.

Não é a primeira vez que uma confusão nos gramados envolve manifestações de racismo. No passado recente, casos como o da torcida organizada fascista da Lazio, time de Mussolini, imitando sons de macacos cada vez que um dos brasileiros negros da rival Roma tocava na bola, ou do camaronês Eto’o, do Barcelona, que ameaçou abandonar o campo durante uma partida do campeonato espanhol devido aos insultos racistas da torcida adversária, ganharam grande repercussão pública e motivaram uma campanha internacional da Fifa contra o racismo no futebol.

A novidade, neste caso, foi o comportamento da imprensa esportiva brasileira. Em uníssono, todas as resenhas do dia seguinte reprovaram o comportamento do jogador cruzeirense, responsabilizando-o por criar um “clima de guerra” para o próximo confronto entre as duas equipes, justificando que o ambiente de um jogo de futebol “é assim mesmo”, e que muitas ofensas acontecem durante a partida, e que Elicarlos não deveria trazer para fora do gramado os problemas que lá acontecem.

Confesso que fiquei escandalizado. O que seria, para o jogador ofendido, uma solução dentro do gramado? Engolir a humilhação, baixar a cabeça e aceitar como “parte do jogo” que um adversário cometa um crime? Agredi-lo fisicamente, colocando em risco sua permanência dentro da partida e prejudicando a própria equipe? Responder ao racismo com xenofobia, igualando-se ao agressor?

É trágico como a mesma imprensa brasileira que propaga que o racismo no Brasil não existe é a mesma a fechar os olhos diante da ação covarde e criminosa sofrida pelo jogador brasileiro. O que têm a dizer os detratores das ações afirmativas neste caso? Também me impressiona a semelhança entre o argumento de que “os problemas do jogo devem ser resolvidos no próprio jogo” com o velho ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” – sempre invocado para negar solidariedade às mulheres vítimas de violência doméstica.

É preciso reafirmar a mais ampla solidariedade ao volante Elicarlos. Se cada jogador vítima de racismo tiver a coragem do brasileiro e enfrentar o problema de frente, maiores serão as chances de combatermos preconceitos vis, que não devem ter espaço nem nos gramados, nem em lugar algum.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Uma frase

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, aquieta e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

(Guimarães Rosa)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Pronunciamento da direção da FFLCH-USP

Diante da gravidade dos acontecimentos ocorridos no campus da USP, na tarde de 09/06/2009, a Direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, as chefias de Departamentos e as Presidências das Comissões Estatutárias, reunidas em 10/06, vêm a público para manifestar o seguinte:

1. Por volta das 17hs, mesmo com a tentativa de mediação da direção da FFLCH junto ao comandante do efetivo da PM, bombas de efeito moral foram atiradas sobre o estacionamento do prédio de Geografia e História, tendo seus gases invadido o edifício, onde se encontravam muitos professores, alunos e funcionários de nossa unidade.

2. Independente das causas que tenham originado tal atitude, esta se constituiu numa agressão física e moral à Faculdade. Não podemos aceitar passivamente um ato violento que agrida um espaço que foi constituído para o pensamento e reflexão.

3. Inquieta-nos o fato de ser a primeira agressão direta sofrida pela faculdade desde 1968. Acreditamos ser urgente encontrar formas de reabrir o diálogo de modo a permitir que os meios tradicionais e próprios da comunidade universitária de resolver conflitos se imponham sobre a força.

4. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas em seus 75 anos de história conseguiu se transformar num patrimônio cultural do Brasil. É responsabilidade de todos nós, professores, alunos e funcionários da USP, encontrarmos meios de afastar todas as formas de violências do campus para preservar a Universidade como um espaço plural e democrático de geração e transmissão do saber.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Sobre os escandalosos acontecimentos da última semana na USP

Recebi o e-mail abaixo dos amigos e amigas que compõem o "Ivo 60", um coletivo teatral de que gosto muito, formado por ex-alunos da ECA-USP, onde também me formei em Comunicação. A iniciativa deles é muito bem-vinda - posicionar-se e circular seu posicionamento. Anexo, vem um relato de um professor sobre os horrorosos acontecimentos da semana passada na USP.

Alessandra


Dando uma pausa no informes de nossas atividades (temos intervenções dias 20 e 21 no Parque da Luz às 16h), gostaríamos de nos posicionar contra a brutalidade que está ocorrendo na USP, berço do grupo que ano que vem completa 10 anos.

O IVO 60, coletivo teatral profissional ligado à Cooperativa Paulista de Teatro, formou-se no ano de 2000, reunindo estudantes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Tendo em vista os últimos acontecimentos ocorridos dentro do Campus da USP, as atrocidades decorridas da violência empregada pelos policiais militares contra os estudantes, funcionários e professores organizados em caráter de assembléia de greve na Universidade, não poderíamos nos omitir de tornar público nosso repúdio à presença da Polícia Militar dentro da USP (por requerimento da própria reitoria da instituição) e à maneira truculenta com que o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Paulistas), Suely Vilela (reitora da USP) e o Estado têm lidado com a organização dos movimentos sociais dentro da universidade.

Colocando-nos ao lado de diversas entidades (incluindo a Cooperativa Paulista de Teatro e a ADUSP – Associação dos Docentes da USP – que, inclusive pede o afastamento imediato da reitora), manifestamos nossa discordância plena com as atitudes que, de forma absolutamente autoritária e repressora, cerceiam os direitos civis garantidos por nossas leis.

Esperamos que esta mensagem propicie, ao menos, o acesso às informações referentes aos acontecimentos e pedimos que os amigos e colegas juntem-se a nós divulgando-a.

Obrigado,
IVO 60


Segue o depoimento do Prof. Dr. Pablo Ortellado, que narra em primeira pessoa a situação e demonstra a gravidade dos fatos:



Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores haviam deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação,que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para
presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.

Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de “efeito moral” porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido
interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas).

Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício
cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.

Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado). Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo
ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira
pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira) , autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário. Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais.

Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.

Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Carta aberta ao Presidente Lula

Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
DD Presidente da República


Sr. Presidente,

Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia, com a aprovação final, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Os objetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública e combater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do País e os interesses da maioria de sua população.

Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feita às avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra a preservação da floresta e o compromisso que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra os esforços para conter o aquecimento global.

O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal.

Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o Procurador Federal do Estado do Pará, Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagem de terras”.

Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virá mais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastação ambiental.

Sendo assim, Senhor Presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, não condizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheiros que deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Jósimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro – por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional – que regaram a terra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.

Em memória deles, Sr. Presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nosso sonho de um País justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458, que estão discriminados abaixo.

Permita-me também, Senhor Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiais na regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação da implementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenha assegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos do movimento ambientalista e do movimento popular agrário.

Por tudo isso, Sr. Presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; o artigo 7º e o artigo 13.

Com respeito e a fraternidade que tem nos unido, atenciosamente,

Senadora Marina Silva

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sem mais delongas

Por: Alessandra Terribili, Ana Cristina Pimentel, Angélica Fernandes, Maria de Fátima, Rosane Silva, Rosângela Rigo e Vera Soares.

A próxima reunião do Diretório Nacional do PT está cercada de expectativas acerca de uma pauta que já nos trouxe desgastes indesejáveis, e sobre a qual precisamos encaminhar conclusão, sob pena de não levarmos a nós mesmos a sério. Trata-se do relatório da comissão de ética que averigua o comportamento de dois parlamentares petistas – Luís Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC) – que, há muito, vêm encaminhando publicamente posições contrárias às do partido no que se refere à luta das mulheres, em particular, pela legalização do aborto. Henrique Afonso, inclusive, costuma se colocar contra posicionamentos históricos do PT no que se refere à luta pela livre orientação sexual.

Muito já foi dito, no debate interno, sobre o que representam as ações desses deputados, tendo como referência as resoluções aprovadas em instâncias legítimas do PT, bem como a militância das mulheres petistas nas últimas 3 décadas. Soma-se a isso o fato de que países sabidamente conservadores e de maioria católica, como é o caso de Portugal e do México, deixaram a hipocrisia de lado e travaram um debate nacional que culminou com a legalização do aborto.

A comissão de ética do partido já encaminhou a oitiva das testemunhas tanto dos dois deputados quanto da Secretaria Nacional de Mulheres, autora do pedido de comissão de ética. Nesse espaço foi dito, por aqueles e aquelas que defendem uma severa punição ao claro desrespeito às instâncias, às resoluções e à militância partidárias, que os dois deputados não apenas manifestam publicamente posições contrárias às deliberadas no interior do PT. Mais que isso, colocam-se como líderes de movimentações nacionais em afronta a essas resoluções.

Mulheres em movimento
As mulheres do PT, as mulheres dos movimentos que sempre caminharam lado a lado com a construção histórica que nosso partido representa, não aceitaremos , no caso de contradições com a agenda feminista – como a legalização do aborto -, que se aceite flexibilizar a “ética” partidária de fidelidade às definições internas.

No caso de Luís Bassuma, após a instalação da comissão de ética, sua situação ficou ainda pior. O deputado é o proponente de uma “CPI do Aborto”, que visa a levar ao extremo a criminalização das mulheres e retroceder nos direitos já conquistados por elas nesse âmbito. A tal CPI está parada na Câmara, já que apenas 3 partidos indicaram seus representantes para integrá-la.

Por outro lado, o movimento contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto ganha força. A Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, composta por entidades do movimento de mulheres, social, estudantil e sindical, tem construído ações em diversos estados, propondo debates e ampliando o conhecimento das pessoas acerca do tema. Vale destacar que o partido recebeu dezenas de manifestações favoráveis à punição dos dois deputados, e saudando a iniciativa de questionar seus posicionamentos públicos. Entre elas, posicionaram-se a Marcha Mundial das Mulheres, a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, a CUT e a UNE – estas duas que vêm encaminhando agendas internas de luta pela legalização do aborto com ampla repercussão em sua base social.

Sendo assim, nós, mulheres petistas, seguimos alertas em defesa das mulheres e da luta pela legalização do aborto, compromisso do PT reafirmado no seu último congresso. Portanto, entendemos que a comissão de ética, em cumprimento dos prazos regimentalmente colocados para sua atuação, deve apresentar já à próxima reunião do DN a conclusão de seus trabalhos, que, esperamos, recomende a expulsão dos parlamentares.

Ética e compromisso militante
Não poderia ser outra a conclusão da comissão, pois está claro que o que vem sendo encaminhado por Bassuma e Afonso se trata explicitamente de embate contra definições partidárias históricas e importantes. Deixar essa decisão para ser tomada adiante significaria permitir que ela se contaminasse pelas disputas inerentes ao nosso processo interno de eleições, o PED, e traria contratempos para todos.

É importante para a luta das mulheres em todos os espaços da militância que o PT apresente uma definição coerente com suas bandeiras históricas. É preciso que seja estabelecida uma referência para tratar desse assunto, a fim de não autorizar que outros petistas passem a adotar a indisciplina diante de resoluções do partido como comportamento padrão.

Na próxima reunião do Diretório Nacional, esperamos ver definida essa questão, com a preservação da ética petista que deve ser coroada com a aprovação do Código de Ética. Uma ética que, para além do republicanismo necessário no trato com a coisa pública, seja pautada pelo respeito e pela valorização das definições coletivas do partido e da luta de mulheres e homens que nos levou aonde chegamos até agora.

Alessandra Terribili, Angélica Fernandes, Maria de Fátima, Rosângela Rigo e Vera Soares são integrantes da Secretaria Nacional de Mulheres do PT. Rosane Silva, petista, é secretária nacional da mulher trabalhadora da CUT, e Ana Cristina Pimentel, petista, é diretora de mulheres da UNE.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Os verdadeiros urubus

texto de Carol Moreno, publicado no blog 300.

Aconteceu mais de uma vez, durante o ano de 2007, quando eu fui repórter de geral em um jornal local. Acontecia geralmente quando me mandavam cobrir algo para as páginas que levavam a palavrinha “polícia” no cabeçalho. Mas sempre acontecia quando os envolvidos eram da classe média para cima.

Foram mais de 150 reportagens, mas um dos casos mais marcantes foi a morte de um pai e dois filhos (três policiais) quando um grupo de homens tentou assaltar a chácara deles, no interior de São Paulo. Foram feitos reféns, sabiam que seriam mortos se os criminosos descobrissem sua profissão e acabaram reagindo e morrendo. A cena era das mais tristes que já vi com meus próprios olhos, ainda que, infelizmente, não tenha sido a mais triste de todas: uma grande sala de velório com três caixões, um ao lado do outro, separados por um metro e meio. O pai no meio, os filhos nas pontas.

Eu não queria estar ali. Eu queria estar seguindo as várias pautas que, no fim, acabaram na gaveta depois que eu me demiti. Histórias sobre urbanismo, mobilidade urbana, os estudos que estava fazendo com os dados da Comissão Municipal de Direitos Humanos para debater o acesso da população aos direitos básicos, uma compilação sobre as ONGs que recebiam dinheiro do município, a investigação do possível envolvimento de fiscais da prefeitura no suborno de camelôs. Eu queria ajudar as velhinhas que ligavam no jornal pedindo ajuda para conseguir que a CDHU lhes pagasse finalmente o dinheiro do terreno que havia expropriado. Ou o senhor que fiscalizava o posto de saúde perto da sua casa e denunciava que os medicamentos ficavam expostos ao sol.

Mas me mandaram cobrir o triplo assassinato com requintes de crueldade, heroísmo e drama familiar.

Cheguei ao cemitério antes de qualquer outro jornalista. Éramos eu, o motorista do jornal, que precisou ficar no carro, e uma multidão de “parentes e amigos” entre aspas, composta em sua maioria por curiosos que estavam à toa, moravam ali perto e queriam ver com os próprios olhos a tragédia. Carpideiras e carpideiros em igual porcentagem.

Não entrei na sala do velório nem só porque não era necessário, mas também porque ela estava abarrotada. Eu, com meu metro e cinqüenta e cinco, subi na ponta dos pés para observar o comportamento das pessoas e descobrir quem eram os parentes ou amigos próximos o suficiente para fornecer informações precisas, mas distantes o suficiente para estar emocionalmente apto para a tarefa de contar brevemente alguns detalhes sobre as três vítimas (a parte mais importante do crime). E sair de lá o mais rápido possível, rumo à delegacia para conseguir o resto dos detalhes da investigação.

Atrás de mim, me pergunta um homem:
- Você é jornalista?
- Sim. (Não preciso fingir que sou carpideira nem “parente ou amiga”, nao estava ali investigando ninguém.)
- De que jornal?
- Jornal Tal.
- Conheci um repórter policial que trabalhou lá. O nome dele é Fulano. Você o conhece?
- Já ouvi falar. Ele era de antes da minha época.
- Pois ele era repórter policial. Mas, ao contrário de você, ele era ético.

Eu era novata, mas esperta o suficiente para saber que a única resposta era “o senhor tem o direito de ter sua opinião, eu só estou fazendo o meu trabalho”. Poderia ter perguntado onde está escrito que todas aquelas pessoas estavam ali unicamente porque conheciam os mortos e vieram velar por eles. Ou tê-lo processado por difamação e o obrigado a provar onde, no código deontológico do jornalismo, está escrito que é proibido entrar no cemitério ou até na sala do velório ou qualquer outra norma que eu, ali longe e quieta, estivesse transgredindo. Ou perguntado o número exato de histórias de velórios que este amigo dele contou nas muitas mesas de bar.

Mas o que eu queria mesmo é dizer que eu estava ali contra a minha vontade simplesmente porque amanhã, as pessoas que, como ele, compram o meu jornal, vao querer ler sobre esse caso. E que, se ele não conhecesse esse pai e esses filhos, ou se estivesse longe do cemitério para ver o caso com os próprios olhos, era por culpa dele que eu estaria ali, contra a minha vontade, tendo que escrever sobre o triste fim desse pai e de seus filhos. No fim, chegou outro repórter e, como fazemos nessas situações, nos juntamos, esperamos até encontrar quem poderia falar conosco, e saímos de lá o mais rápido possível para continuar nosso trabalho.

Quem me mandava para esses lugares era o pauteiro. A tarefa do pauteiro é passar a pauta para o repórter no começo do dia, para que a matéria, no fim do dia, estivesse na página e o jornal fosse comprado. Se o jornal não é comprado, os anunciantes não anunciam, e o jornal perde receita, e o jornal fecha. E o jornal é comprado principalmente porque tem fotos insinuantes de mulheres, páginas e páginas de esportes, insultos ao partido político que você nao gosta e elogios ao que você dá seu voto… E casos chocantes como o dos três policiais, um pai e dois filhos, assassinados ao tentarem reagir a um assalto. Como o empresário que havia perdido a mulher num acidente de avião e morreu em outro acidente de avião, um jatinho particular. Ou o fato de o quarto sucessor ao extinto trono brasileiro estar no vôo que caiu na costa brasileira.

Talvez eu deva ter mais tolerância com o senhor que tentou me humilhar no cemitério que as pessoas que agora tentam humilhar quem está cobrindo o acidente aéreo da vez. Afinal, ele pode muito bem ter sido amigo do pai ou de um dos filhos, estava revoltado com a tragédia e descontou em mim sem querer. Mas aposto que você leu sobre esse caso. Ou pelo menos se lembra do acidente bizarro em que caiu o pneu do ônibus e matou um homem que estava no ponto esperando a condução. Pois é, também me mandaram cobrir essa pauta.

Um acidente aéreo tem mais destaque que o acidente de ônibus da equipe do Sertãozinho por dois motivos, um válido e outro inválido: os acidentes ganham importância de acordo com o número de mortos, e de acordo com o envolvimento de pessoas da classe dominante. O motivo válido quem provoca são as circunstâncias. A culpa do motivo inválido é toda sua, classe dominante. Porque é você que compra o jornal, e é para você que os jornalistas escrevem.

Você, que está pouco se lixando para assuntos muito sérios, mas depois tenta mobilizar a blogosfera com uma campanha contra a operadora de telefonia que te tratou mal.

Você, que sabe o nome do único tripulante do avião que tinha nacionalidade brasileira. Que criticou a futura notícia que fariam com os passageiros que iam pegar esse vôo, mas por vários motivos se salvaram. E que depois leu essa notícia do começo ao fim. Sinto dizer, mas os jornalistas, nesse caso, não são os urubus. Você é o urubu que terceiriza o trabalho da busca pelos detalhes sórdidos que tanto te atraem. Está na hora de todo mundo começar a assumir sua responsabilidade.

Quer solucionar esse problema? A palavra-chave é uma só: boicote. Não compre o jornal. Leia pela internet só as notícias sobre política, cultura e, vá lá, pode ler sobre o seu time de futebol. Mas não clique na manchete do jornal. Faça com que o quadro com as notícias mais lidas do seu portal preferido esteja limpo do nome “Air France”. Durante a rodinha no bebedouro, se alguém mencionar o acidente, mude de assunto, em vez de repetir o que acabou de ler, muitas vezes com algum dado errado (porque rigor jornalístico só se aplica a jornalistas, os fofoqueiros estão isentos, certo?).

Faça com que os jornais tenham que se redesenhar e repensar seu conteúdo. Para que a próxima novata que chegue ao jornal e proponha uma pauta que investigue para onde foram todas as pessoas despejadas de terrenos privados, mas abandonados, pela Prefeitura, no último ano, nao tenha que escutar dos chefes a seguinte resposta: “fizemos um extenso focus group com assinantes do jornal e eles disseram que nao se interessam pelos problemas habitacionais da classe baixa”.

Eu me demiti para salvar a minha alma. Para poder dormir à noite. Por culpa das 90% de pautas que o leitor me forçava a cobrir, abandonei os 10% de pessoas que eu realmente ajudei. Como a esposa de um pintor que foi assassinado em uma chacina supostamente praticada por policiais, porque estava fora de casa na hora errada. Pai de sete filhos, o mais velho tinha 12 anos e por pouco não morreu junto.

Também me enviaram ao velório do pintor (chacina é coisa de pobre, mas rico adora ler sobre elas). Uma sala minúscula, abarrotada de gente, com muito menos “parentes e amigos” entre aspas, porque todos naquele bairro já tiveram um parente ou amigo morto dessa forma e já não necessitam de detalhes sórdidos. Quando eu me preparava para ir embora, a esposa do pintor me pegou pelo braço e disse: “muito obrigada por vir até aqui, vocês são as únicas armas que nós temos”.

A sorte das esposas dos pintores é que nem todos os jornalistas são tão fracos como eu.