Uma respiração daquela não podia ser de dia de Carnaval. Alheia ao mundo ao redor, ela só dialogava com um mundo que não estava ali, e nem estava em lugar nenhum. Porque o mundo que ela procurava nem existia, existiria só depois, depois no tempo. Era um diálogo etéreo com esse mundo, que nem se fosse sobre uma mesa branca às avessas.
Branco estava o dia, aliás. Os deuses também pareciam alheios ao Carnaval. E, andando tão devagar como estava, e sem uma referência aonde chegar, branco era o seu caminho.
Os passos eram leves. Pensava na noite que viria, esse mundo que nem existia. Precisava construir aquela noite inteira, moldá-la, emoldurá-la, preenchê-la de si mesma. Se ela já tivesse pronta a história da noite, a ansiedade e o medo a consumiriam menos. Mas isso era engano.
Porque, afinal, quando se tem uma história fechada para preencher um tempo vindouro, todo mundo sabe que ela, caprichosamente, não se aplicará. Tudo sairá errado, desviará do caminho já colorido, bolhas e mais bolhas de vento aparecerão. E por causa disso, é como se o sangue passasse por veias e artérias ora quase as explodindo, ora numa má vontade tamanha que dá até pra sobrar ar.
É que tem duas coisas que parecem desinteresseiras, mas que funcionam como derradeiras vilãs a produzir melancolia: subterfúgio e esperança. E, normalmente, eles se associam para aprofundar a luz do dia, quando o dia é branco e claro o suficiente para não se poder ver.
Esperança, quando é boa, é sempre acompanhada. Mas andando sozinha, ela se enamora de um subterfúgio e dão à luz uma frustração, filha não planejada.
Mas era aí que estava o grande trunfo da moça: ela tinha aprendido a enganar a esperança. Estava, pelas ruas do centro, caminhando leve, respirando meio sequencialmente e olhando para um ponto tão distante que nem existia. O mundo ao redor não estava lá. E ela tramava a noite como quem planeja um assalto, mas sem mão armada. O planejamento dela, não é que incluía a hipótese do desvio. O desvio era a única hipótese.
Então, quando o branco do dia se converteu em cinza e o céu se descuidou a ponto de chover, a noite já estava combinada com a moça, e seria uma noite, em essência, errada. Deixou, um pouco, a chuva molhar seu rosto, o caminho se coloriu de cores escuras, e agora já havia um ponto próximo pra olhar e seguir. Lá foi ela rumo à sua noite errada. Carnaval seguia sem existir.
Deu tudo errado na noite. A noite errada deu errado, e acabou certa. O Carnaval saiu, discreto, e quando a manhã furou o cerco, o desvio se rendeu a um caminho colorido, conforme o organizado clandestinamente em porões trancafiados do fundo do coração. O planejamento oficial fora derrotado.
Era tudo uma questão de estratégia. E o Carnaval-discreto nem foi o contexto, foi o exército-surpresa - do outro.
E aquela respiração, que não era de Carnaval, até que era. Mas, no começo da história, ninguém sabia. O Carnaval, afinal, passou, conformado com a discrição. Mas algumas das cores saíram dele pra colorir o caminho. E o dia. Um dia branco é pra ser preenchido.
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