quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Léo e Verônica - parte 4 de 10

Confira aqui as partes UM, DOIS e TRÊS.



Reencontrar a futura ex-mulher depois de passar a noite com Verônica não fez bem a Léo. Sentiu-se culpado, mal conseguiu olhar nos olhos de Laís. Sempre procurara ser ético, agir corretamente segundo os códigos de conduta informalmente acordados por toda a humanidade, sob a mediação de algumas instituições que hoje zelam por esses códigos e mediam também a aplicação das punições a quem sai da linha.

Quando baixou a adrenalina, a empolgação ficou ofuscada por esse terrível sentimento de culpa. Isso não lhe alterava a certeza do divórcio, ao contrário: talvez fosse a única saída. Afinal, não cometera um adultério comum, mas sim, a paixão que ora o seduzia era verdadeira, vinha de longa data e o redimia de qualquer erro de encaminhamento. No céu, alguém havia de considerar que aquele não era um crime doloso.

Não esperava que sua musa lhe respondesse a mensagem enviada ainda pela manhã. Habituou-se a intuir automaticamente que ela lhe era inatingível. Mas ela respondeu no meio da noite. “Estou bocejando até agora, mas valeu a pena. Outros beijos”. Aí mesmo que o olhar de peixe morto deu lugar ao de um cachorro labrador que reencontra o dono depois de dias.

Acontece que precisaria controlar todas essas expressões de estado de espírito que lhe assaltavam a face. Estava em casa, com Laís e a vida real. Pensar nisso fez com que, pouco a pouco, o peixe morto e o labrador se condensassem num gorila bem idoso.

Ainda bem que não tinham filhos, pensava. Nunca fora um desses ansiosos pela paternidade. Laís também não fazia disso o centro de suas expectativas. Estava concentrada em evoluir na carreira, e sua jornada estava apenas no início. Ambos tinham concordância na ideia de postergar o caminho “natural” de todo casal que se junta em matrimônio: procriar.

- Vocês ainda trabalham na mesma agência? – perguntou Verônica, no encontro seguinte.

- Sim, mas ela não pára no escritório, costuma visitar clientes.

Embora não se sentisse suficientemente à vontade para perguntar-lhe que justificativa apresentou à esposa por não ter dormido em casa, Verônica sabia que essa resposta lhe indicaria o caminho por onde pensar sobre qual lugar aquela relação teria na sua vida.

- A mãe de Laís está bastante doente, ela tem ido visitá-la sempre que pode...

- Vai hoje?

- Infelizmente não.

Despediram-se, e Léo dirigiu-se ao lar de sua sobriedade.

Sentiu ainda mais culpa naquela noite. Encontrou-se com a amante, beijou-a fielmente, sentiu o corpo todo ser percorrido por uma sensação de paixão que há tempos não o visitava, para, em seguida, voltar para casa e para sua esposa. Não poderia fazer aquilo com Laís, sua companheira de sete anos.

Certamente viveram muitas coisas boas, mas agora, ele só sabia se lembrar do momento atual. Era injusto. Deixava que as brigas por nada, a grosseria, a má vontade, a rotina, a ausência de frio na barriga se sobrepusesse à beleza do que viveram, que, nos sonhos românticos do início do namoro, deveria se desdobrar em mais belezas por viver. Mas não: a falta de planos para o verão lhe pesava sobre os ombros. Não havia mais o que pensar juntos para amanhã. Deitou-se e sentia o peito apertado, como anunciando que uma história muito importante encontrava seu final. Chorou em silêncio na cama, sem que a mulher notasse. Ela já não notava muito, mesmo.

Falou com Verônica na manhã seguinte. Anunciou que se separaria da mulher.

Porém, vendo-se obrigado a equilibrar sentimentos variados sobre uma colher presa entre seus dentes ao caminhar sobre a corda bamba, ele pediu que ela esperasse um pouco. Preferia não vê-la até que tudo estivesse resolvido.

- Sei que não é simples. Faça como achar melhor.

Verônica sabia que não se tratava de coisa fácil, desfazer um casamento. Quando Léo perdera o pai, foi Laís quem ficou ao seu lado em tempo integral, ajudando o filho único a tomar as providências cabíveis e acalmando seu coração. Foi um com o outro que viajaram para fora do país pela primeira vez. Dividiram alegrias de sucessos e frustrações de fracassos. Era uma vida inteira.

Em meio a mudanças importantes, rupturas e definições, Verônica hesitava. Rejeitava o papel de pivô de uma separação, até porque mal sabia o que sentia por Léo ou o que esperava daquele reencontro. Não queria que muita responsabilidade lhe retirasse a leveza. Ele dizia que a separação era coisa anunciada, e que ela não tinha responsabilidade alguma.

- Não posso mais segurar minha vontade de te ver, podemos nos encontrar?

Ele rompeu sua própria decisão num final de semana que Laís foi passar com sua mãe. Inventou desculpas esfarrapadas para não acompanhá-la, ela não insistiu. Àquela altura, a conversa sobre a separação já estava em andamento nas entrelinhas.

Pela situação em que se encontravam enquanto casal, não seria surpresa para ninguém que terminassem. A última tentativa de oferecer respiração boca a boca ao velho sentimento não fora bem-sucedida. Passaram dez dias de verão na Bahia, sem preocupações de nenhuma ordem e sem contar tempo. A viagem foi ótima, mas o regresso a Brasília não.

- Eu acho, inclusive, que ela está mais tranquila que eu. – informou Léo à namorada, quando perguntado. Tal percepção aliviava sua tensão, que era evidente.

Divórcio é coisa que dá trabalho e traz chateações de todas as ordens. Precisa encaminhar burocracias, precisa fazer as malas, recolher as coisas, separar bens. Precisa decidir quem vai ficar com o cachorro. Precisa encontrar onde morar e acertar de forma sensata como lidar com a ex-companheira no ambiente de trabalho e no círculo social em comum.

Eram muitos os amigos em comum. Léo trabalhava na agência havia quase oito anos. Laís chegou depois, como estagiária. Interessaram-se um pelo outro nos happy hours que os colegas costumavam programar, e em encontros nem tão casuais pelos corredores. Ela era mais jovem que ele e viera do interior de Goiás para estudar. Surpreendia-se com tudo que conhecia na capital federal, e Léo se sentia viril ao apresentar-lhe o mundo.

Enquanto isso, Verônica, aos poucos, aceitava se deixar levar pela paixão que o velho amigo sentia por ela. Ele a contemplava como quem está diante de uma deusa, com tamanha admiração que ninguém jamais lhe havia dedicado antes. Léo era a melhor companhia que ela poderia ter naquele momento, ainda que não estivesse certa da profundidade e da extensão de seus próprios sentimentos. Talvez fosse mesmo o caso de dar uma chance à vontade que ele sempre tivera de fazê-la feliz.

Numa noite fresca de fim de outono, ele a procurou pelo telefone, voz um pouco embargada:

- Acabou, Verônica. Acabou tudo.

***
Continua...

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