Encanto era pouco. Nunca se esquecera da tarde em que ela lhe bateu à porta, linda, molhada de chuva, tremendo um pouco de frio. "Não tenho outro lugar pra ir, posso ficar aqui?”, perguntou, fingindo-se desprotegida. Sabia dos sentimentos dele, aproveitava-se disso por vezes. Não por crueldade, talvez mais por oportuno descuido.
Naquela tarde, Verônica terminara seu conturbado relacionamento. Viviam brigando, até em público, mas também em público gostavam de demonstrar sua paixão tão intensa quanto frágil. “Quem faz tanta questão de mostrar pros outros é porque precisa provar para si mesmo”, havia quem dissesse. Léo sofria um pouco diante daquele exibicionismo, e nem chegava a alimentar esperança quando o casal se desentendia. Só em sonhos.
Quando ela entrou em sua casa, naquela tarde, sua consciência o alertava de que era mais um rompante de ódio em meio a uma tendência louca para folhetim mexicano. E, no fundo, até achava que o que ela queria era provocar ciúmes no tal fulano. Só no fundo, porque, na superfície, seu coração saltitava diante da garota de olhos cor de mel, rosto meigo e temperamento intempestivo.
A jovem choramingou até, gradativamente, começar a se insinuar, sutil. Assim que ela chegou bem perto e apontou-lhe os lábios desmascarados como se fossem um AR-15, ele não pensou duas vezes: beijou-a apaixonadamente. Passado um tempo incontável, ela se levantou de súbito, esfregou os olhos quase friamente, respirou fundo e sussurrou:
- Eu preciso ir embora, antes que faça uma besteira.
Mas que besteira?!
É que ela, na realidade, sabia que aquela situação era momentânea. Temeu não ser perdoada. No fundo, Léo sabia. Na superfície de sua pele, esperava que aquela fuga fosse apenas um sinal de que a entrega daquele momento fora verdadeira, porque escapada. A partida repentina poderia ser produto do susto, sabe-se lá. Foi pega de surpresa por um sentimento inesperado e avassalador. Não é fácil para ninguém.
E depois de um romance-relâmpago sintetizado em beijos descontrolados, Verônica partiu, e já não chovia. Lá fora, pelo menos.
Acontece que a vida de Léo piorou depois desse dia. Se antes era capaz de conhecer mulheres, sair com algumas, ainda que seu amor platônico pela amiga sobrevivesse a tudo, agora sim que ele não conseguia mais se interessar por ninguém. Ela, claro, mais uma vez retomou seu romance exibicionista com o fulano. Ele ficou sozinho, cheio de expectativas frustradas e um enorme vazio dentro de si.
O tempo passou, botou ele mesmo um fim nesse sofrimento do pobre coração de Léo. Afastaram-se, porque é da vida que as pessoas se afastem quando não estão caminhando para o mesmo lugar. Léo, finalmente, conseguiu relacionar-se com outras mulheres, namorou uma delas, casou-se.
Depois de muitos anos, certo dia, em profunda crise em seu casamento, o destino, esse fanfarrão, fez com que Léo encontrasse Verônica por acaso. E justamente no bar aonde ele fora encontrar amigos para desabafar os problemas do amor.
- Amor é assim mesmo, Léo – aconselhava um – Briga, separa, volta, se ama, se afasta...
- Não, não – outro opinava – Tem vezes em que o sentimento acaba e pronto.
A verdade é que ele não sabia bem qual das situações estava vivenciando, precisava pensar. Foi elucubrando assim que, de longe, avistou seu antigo grande amor. De imediato, gelou-lhe a espinha, seus olhos ficaram vidrados, a boca ficou seca, incapaz de produzir qualquer palavra numa só tacada, e foi difícil escapar das indagações dos amigos: “O que foi, Léo?!”.
Acumulou quase uma hora de encorajamento. Tanto tempo tinha se passado, tanta coisa tinha mudado, e ele ainda sentia esses calafrios. Foi até ela, como se estivesse passando à toa.
- Quanto tempo! – ela se levantou e pareceu feliz em revê-lo.
***
Continua...
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