domingo, 27 de dezembro de 2015

Ressuscita-me!

Talvez, quem sabe, um dia, por uma alameda do zoológico, ela também chegará. Vai olhar tudo em volta como uma criança fora do seu lugar. Mais ainda: como uma criança que era adulta, numa trajetória parecida com a de Benjamin Button. "O que eu estou fazendo aqui?", perguntar-nos-á.

Ninguém saberá explicar. Ela é tão bonita. Olharão estupefatos, estavam todos ocupados gritando entre si sem se ouvir, dizendo bobagens, fazendo bobagens, agredindo, elaborando ridículas teorias sobre assuntos que solenemente desconhecem. Agora, estarão parados, paralisados, porque não sabem lhe responder o que ela está fazendo aqui. Ela é tão bonita, que, na certa, eles a ressuscitarão.

Talvez, o susto vem daí: se ela estava morta, o que estará fazendo aqui, entre nós, justo nós, que gritamos agressivamente tão alto?

Antes que voltemos a gritar, antes que voltemos para essa sanguinária batalha do cotidiano, gente querendo ditadura, gente querendo matar as pessoas,  gente querendo segregar, gente querendo tudo para si e merda para o resto; finalmente sentiremos o coração destroçado pelas mesquinharias. E então, o século XXX vencerá. É de lá que ela vem. Vem para anunciar que agora vamos alcançar tudo o que não pudemos amar na vida.

Alguns corações serão atingidos, e a tristeza, a raiva, o ódio, os gritos, a violência darão lugar ao pranto doído. Nada novo se constrói sem dor.

Arrependidos e cheios de remorso, olharemos para cima e veremos o estelar das noites inumeráveis. E então perceberemos que a nossa passagem pelo planeta é tão miúda que nada nos restará se nossa presença por aqui não servir para alguma coisa boa.

Então ainda haverá gente gritando, ofendendo, desfilando preconceitos e intolerância, agredindo, esbanjando sua arrogância e sua vaidade de nada, porque não é nada, jamais poderia ser alguma coisa se mal sabe do que está falando. Não sabe o que é a política e a odeia. Não sabe o que é o mundo e o odeia. Não sabe quem é o outro e o odeia. Gente que encontra o Chico Buarque na rua e diz que ele é um merda. Gente que cospe em seres humanos que dedicaram a vida a fazer alguma coisa boa para quem chegar depois. Gente que caçoa e pisa em quem julga ser "menor".

Enquanto isso tudo ainda estiver acontecendo, ela gritará: RESSUSCITA-ME! Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro... Mais não somos, mais jamais seremos. Mas quem anseia o futuro é que mais merece viver. Quem não se rende ao presente, quem não se prende ao presente, quem não se limita ao presente. Lindos planos coletivos de que amanhã será melhor. Amanhã vai ser maior. RESSUSCITA-ME, ela segue gritando.

Pois se o pai é, pelo menos, o universo, e a mãe é, no mínimo, a Terra; então o sangue não me divide de ninguém, o ar que eu respiro, antes, me une. Inclusive àquele que até agora está gritando e agredindo. Mas eu também não posso querer ser nada, e à parte isso, trago em mim todos os sonhos do mundo. Vamos viver, vamos viver.

RESSUSCITA-ME!

Que reviva a Esperança. E se ela, de novo, se atirar do alto do décimo segundo andar do ano, outra vez será encontrada incólume. Risonha, caçoando de quem pensou que ela estava morta. Brincando de dar susto, que nem criança. Viva viva viva, Esperança. No final de tudo, eu sei que terá valido a pena passarmos por tudo isto.


Com amor por Caetano, Maiakovski, Fitzgerald, Fernando Pessoa, Mário Quintana e Cândido Portinari.

Nenhum comentário: