segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Deja vu - Um conto de revéillon (parte 5)

A memória que lhe fora roubada não era de um período tão recente assim. Segundo Amanda, isso acontecera havia coisa de uma semana.

Ficar com Érico não lhe fazia sentido algum! Como seria possível que não lembrasse, ou pior, que sequer pudesse se imaginar nessa situação?! Não poderia ter ficado com Érico porque não correspondia a atração à qual o amigo sucumbiu certa vez, e detestava a ideia de se arriscar a machucá-lo. Será que falara para a irmã sobre outro Érico? Mas não se lembrava de outro Érico também!

A situação era desesperadora. Quando Tito se aproximou de Carolina de novo, puxando-a pela cintura intimamente como fazem os casais, estranhou sua expressão repleta de dúvidas. Já não havia contexto para aqueles abraços.

A cabeça doía. Um galo de briga lhe crescia no lado direito para além da testa, acima da orelha. Provavelmente, aquele seria o líder dos galos que tecem manhãs e não lhe permitiria dormir. E quem dorme com um barulho desses? Sem contar que a quantidade de arranhões e feridas tornava difícil a mera tentativa de encontrar uma posição confortável para descansar. Alguma lesão muscular certamente ocorrera.

Acordou de supetão, seis horas depois. Teve pesadelos com supostas consequências da queda, sentiu-se prisioneira em seu corpo. Doía muito, o galo cacarejava estridentemente e sem parar. Queria ir para o hospital. “Será que quebrei a porra duma costela?!”, pensava, temendo a resposta. “E se der hemorragia?” – a cabeça, quando quer produzir motivos de se incomodar, funciona como uma máquina desenfreada.

Tudo por causa de uma queda que ninguém sabia como ocorreu. Talvez tivesse subido ao telhado para rezar, pedir, agradecer, procurar estrela cadente. São bons motivos para levar alguém ao telhado numa noite de revéillon.

- Mulher, eu estou começando a ficar preocupada contigo.

Pelo telefone, a irmã não deu maiores esclarecimentos. Somente reafirmou o que já havia dito na noite anterior. Carolina estava impressionada com a amnésia, e não havia remédios ou testemunhas para resolver a situação.

Precisava falar com Érico. Era a ele que recorreria, claro. Mas, como se sua amnésia fosse do tipo alcoólica naquela manhã de 1º de janeiro, lembrou-se de repente de que brigara com Érico – na verdade, lembrou que lhe disseram isso, mas ainda não se lembrava de briga nenhuma. Lembrou que a irmã lhe revelou que tinha ficado com o amigo, mas não se lembrava de alguma vez ter sentido atração dessa natureza por ele.

Carolina, então, pôs-se a chorar. Nem isso sabia bem: por que estava chorando. Secretamente, tinha pensado que, ao dormir, toda aquela confusão se desfaria no ar, mas isso não aconteceu. Quando acordou, tudo estava exatamente no mesmo lugar. Olhar os escombros da festa não ajudava a lembrar, mas desesperar-se a afastava da compreensão de qualquer coisa. Precisava se acalmar, sabia disso. Só não sabia como fazer. Ou talvez soubesse sim.

Telefonou para Érico com a voz ainda um pouco chorosa.

- Eu não sei o que está acontecendo, acho que bati com a cabeça e esqueci uma parte da festa! – disse, o medo transbordando de suas palavras trêmulas – Preciso ir pro hospital, Érico...

- Você só se esqueceu de mim, né Carol? Aliás, acho aproveitou e também esqueceu que tinha terminado com Tito.

Érico acusava a amiga de nutrir uma amnésia seletiva. Mais do que isso, demonstrava não levar a sério os males que a estavam atormentando. Como podia não se importar com os riscos que ela ainda corria por ter caído do telhado sem nem saber como? Como podia ser insensível a tal ponto?

Triste, Carolina cortou o assunto, desligou o telefone e resolveu deixar aquilo como estava mesmo. De agora em diante, assumiria para si que nunca teve mesmo nada com ele, e que a história contada por Amanda provavelmente era um engano tremendo. O ano era novo e a vida seguia para frente. Que a queda do telhado, a briga na pista de dança, a costela, o galo, que ficassem todos para trás. Que Tito ficasse para trás também, o ano era novo. Que viessem erros novos.

Foi para o hospital sozinha, relatou o pouco que sabia sobre a queda, fez os exames que julgaram necessários. Nenhum mal físico lhe havia acometido. A médica explicou que uma pancada forte na cabeça pode resultar em amnésia, e recomendou que Carolina ficasse sob observação para saber se novos sintomas se revelariam. Aparentemente, nada lhe danificara o cérebro, mas ela deveria ficar atenta caso sentisse excesso de sono e enjoo.

Voltou para casa um pouco mais tranquila. Estava tudo bem. Um dia, perguntaria a Érico que história era aquela de briga na pista de dança. Um dia, depois que passasse a chateação causada pela atitude dele naquele primeiro dia do ano.

***
Continua...

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