Greve Geral contra a flexibilização da CLT - nov/1999 |
Eu comecei a militar no movimento estudantil. Fiz parte do CA da ECA (Escola de Comunicações e Artes) e do DCE da USP. Na minha primeira semana de universidade, algumas turmas ficaram sem aula porque faltavam professores. Faltava dinheiro, diziam.
Mas à Faculdade de Economia e Administração não faltava dinheiro. Ah tá, eles tinham o dinheiro de fundações privadas que, como sanguessugas, atuavam no espaço da USP, usando o nome da USP, professores da USP (que acabavam não cumprindo adequadamente suas obrigações com a graduação) e repassavam uma parte da grana à faculdade. Mas isso não é privatização?
Calma. Greve, vamos fazer greve. Todas as estaduais, USP, Unesp e Unicamp. Não podemos aceitar a privatização da universidade pelas beiradas, não podemos aceitar esse sucateamento! Morríamos de medo de acordar, um dia, com data marcada para o leilão das universidades. A gente resistia, resistia. E quando a gente resistia, vinha a polícia e descia o cassetete na gente. Eu mesma já tomei uma porrada tão grande no braço que passei dias usando somente blusa de manga comprida, para que minha mãe não se preocupasse ao ver a marca. A gente fazia passeata, a polícia jogava spray de pimenta. A gente parava a Paulista, a polícia batia na gente. O governador mandava, era política de governo bater na gente, desmontar a USP.
Porto Alegre, Fórum Social Mundial - jan/2002 |
Não podia fazer greve, mas a gente queria disputar a universidade. Não dava, a gente não podia votar pra reitor. Nada no mundo é mais autoritário que a USP, cujo reitor é eleito somente pelo seu Conselho Universitário, um universo minúsculo, que tinha, na sua composição, menos de 10% de estudantes. Queríamos eleições diretas, queríamos voto paritário, queríamos democracia na universidade, nós também queremos falar! Aí, cercávamos a reitoria em dia de eleição, para pedir democracia, e vinha a polícia e batia na gente de novo.
Ao lado da USP, tinha a comunidade São Remo, com quem diversos trabalhos de extensão eram realizados. Mas eles lá, nós aqui. Os filhos das famílias da São Remo não estudavam na USP, não estudavam em universidade alguma. Havia os muros da universidade, havia um mecanismo excludente e elitista de seleção, havia acesso nulo a políticas sociais e de geração de renda e havia uma polícia truculenta para impedir que essa turma entrasse na universidade, em qualquer sentido de “entrar”. Nós achávamos que o espaço da USP era público, de toda a comunidade. Nós queríamos que as pessoas da São Remo também pudessem estudar na USP.
A gente lutava, uma luta de resistir. Passávamos finais de semana em reunião, apanhávamos da polícia em protestos, tínhamos propostas, ideias. Nas férias, fazíamos os congressos estudantis. Não podíamos permitir que as universidades públicas fossem privatizadas. Todos os dias, a gente acordava para impedir que a universidade fosse privatizada, fosse num leilão, fosse por mecanismos camuflados de privatização.
Belém, fev/2000: ato do Cobrecos pela democratização da comunicação denunciando os "festejos" da Globo e do governo FHC de 500 anos do Brasil. |
Infelizmente, meu estado continua sob poder do PSDB. Completaram vinte anos de governo. Alckmin, só ele, já foi governador três vezes, vai para a quarta gestão. No início deste ano, acompanhei com muita tristeza as notícias sobre a “falência” da USP. Acentuaram-se os problemas da universidade, manteve-se a repressão.
Enquanto isso, em âmbito federal, outra realidade passou a ser vivenciada. Afastou-se o fantasma da privatização, houve concursos públicos, ampliaram-se as vagas, novas universidades foram criadas, inclusive, pelos interiores, implementaram-se as cotas, aproximando o ensino superior de gente que, até pouco tempo atrás, nunca imaginou que estudaria numa universidade pública. A pós-graduação passou a contar com muito mais recursos do que sempre, a ponto de, minha turma de mestrado na Ciência Política da UFRGS, quase toda ela era contemplada com bolsa. Os doutorados oferecem possibilidade de vivência e estudos no exterior, investe-se na formação. Sem falar no Prouni.
Eu sinto uma dor amarga de ver o que aconteceu com a USP desde que eu a deixei. Ao mesmo tempo, sinto um orgulho danado de ver, no âmbito federal, serem implementadas políticas pelas quais eu e muitos lutamos, e não apenas lutamos, também fomos parte do processo de elaboração, em tantas manhãs, tardes e noites que perdemos aos vinte e poucos anos, quando a opção mais fácil teria sido curtir nossa juventude em dias de lazer.
Esta ficou famosa: greve das universidades federais, set/2001. |
Óbvio que existe ainda muita luta para fazer. Mas não é mais uma luta de resistir, é uma luta de avançar. Eu jamais vou deixar de me indignar, de lutar, porque aquela menina de dezenove anos ainda não encontrou todas as respostas, ainda não resolveu todos os problemas. Não deixo de lutar porque devo isso a ela, àqueles e àquelas que fizeram esse enfrentamento, às famílias da São Remo, a todos os que lutaram antes de mim para ver as mudanças acontecerem, e, principalmente, a todos que ainda virão.
Que as nossas lutas sejam sempre para avançar. Chega de lutar para somente se defender. É por isso, e para festejar um Brasil que combate o elitismo, a privatização, o sucateamento das instituições públicas, a repressão, que dia 26 de outubro, com toda certeza, eu sou DILMA 13. Por uma universidade pública, gratuita e de qualidade para todos e todas.
Minha turma no CALC (Centro Acadêmico Lupe Cotrim), calourada em março/1999. Saudades. |
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