UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
Ora, mas é claro! O rapaz da lata de cerveja na praia de madrugada!
- Sim, foi uma boa dica! – sorriu para o desconhecido – Mas tenho uma ideia melhor para eliminar os danos definitivamente.
Teresa puxou o homem pelo braço para uma área do salão absolutamente visível para qualquer um que estivesse do lado de fora. Ele não entendeu o movimento, quando notou... Teresa tascou-lhe um beijo de cinema. Ao fim da cena, ele, ainda um pouco zonzo, olhou a mulher num misto de surpresa e graça. Esfregou os olhos com leveza, voltou a si e, parecendo ter entendido, só então lhe cochichou ao ouvido:
- Era aquele de laranja o responsável pela dor da noite de sexta-feira?
- O irresponsável da dor da noite de sexta-feira, você quer dizer.
- E fazendo isto a gente devolve a dor para ele?
- Ahan.
O desconhecido virou-se para seus amigos e deu uma piscadela. E Teresa outra vez o beijou ardentemente. Atrás do balcão, Romeu não entendeu nada. Os amigos do rapaz tentavam controlar o riso. Gentil investigava pelo canto do olho, estranhando, um pouco desconfortável. Imaginava que o show era para ele.
Teresa, beijos finalizados, deu a mão para o desconhecido e encaminharam-se até a mesa onde estavam os amigos dele.
- Amor, não me mate, estou praticando uma boa ação – disse o moço em direção a outro rapaz.
- Tomara que dê certo, pra que esse chifre horroroso que vocês cometeram sirva para alguma coisa! – o outro homem ria muito.
Teresa se surpreendeu mais por encontrar um namorado tão compreensivo que pela informação de que eles eram gays.
Gentil durou pouco mais de meia hora no bar. Ao entrar para acertar sua conta, teve de testemunhar mais alguns beijos de cinema. Fingiu não ver, mas até os paralelepípedos de Santo Antônio de Lisboa estavam embasbacados. Romeu fechava a conta do moço usando um olho, e com o canto do outro observava Teresa: conversava alegremente com seus três novos amigos, mal se dava conta da presença de Gentil.
Depois de se certificarem de que ele partiu mesmo, todos brindaram e gargalharam. Teresa sentiu-se aliviada. O peito murchou não como uma flor que murcha, mas sim como se antes ele estivesse artificialmente inflado, e, ao atingir seu limite, em vez de estourar como balão de festa, por ter sido cutucado, fura e esvazia-se até deixar um coração flácido no lugar daquele que já quase tinha explodido.
Com Romeu também à mesa, Teresa contou-lhes toda a história entre ela e Gentil. Ao narrar, revivia aqueles dois meses, recompunha fatos e expectativas, já sem lembrar com precisão a ordem cronológica. Em alguns momentos, a sensação era de muito barulho por pouca coisa. Em outros, ela se compreendia e se perdoava. Mas ainda tinha aquele restinho de tristeza melancólica guardado em algum canto do peito murcho, que se acendia nos espaços de tempo em que não havia nada a dizer.
Jonas e Paulo também contaram como se conheceram e o que viveram até chegarem até ali. Sem grandes obstáculos entre eles, os obstáculos quem lhes impôs foi o mundo, que, com essa idade, ainda não aprendeu que o amor entre as pessoas não deveria ser um fator de incômodo para ninguém. E se for, ué, que os incomodados se mudem.
Foi no sofá da casa de Jonas e Paulo que Teresa passou a última noite daquela pequena temporada em Florianópolis. Pensou que demoraria em conseguir dormir, porque fora um intenso final de semana, mas o cansaço era a maior das sensações naquele momento, seguido de perto pelo medo de perder o voo.
- Se prometer nunca mais agarrar meu marido, te esperamos para uma próxima visita! – brincou Jonas na manhã seguinte, antes que Teresa partisse de volta ao Rio de Janeiro.
O trajeto de volta não teve lágrimas, altivez ou déficit de dignidade. Entre os sentires, o que mais a ocupava era um bastante confuso: por onde será que tanta tristeza saiu? Superar uma paixão, esquecer uma história vivida, ou pior, esperada, com alguém é que nem equação logarítmica: quando te dizem o que fazer, parece impossível. Mas você resolve, e aí, parece que foi fácil. Como é que eu não tinha feito isso antes? A verdade é que fiz, e quem haverá de dizer que não foi no tempo certo?
O peito ainda estava murcho, parecia consequência do cansaço do corpo e da alma. Teresa não dormiu no avião, ficou observando as nuvens passarem, tentando enxergar o oceano lá embaixo. Era grande demais. Vai saber o que ele liga e o que ele separa.
No Rio de Janeiro, esperavam-lhe os alunos e algumas telas vazias. Resolveu pintar uma para Romeu, outra para Jonas e Paulo. Levou-as a Florianópolis no réveillon, foram muito bem recebidas pelos novos donos. Romeu pendurou no bar mesmo. Paulo emocionou-se com o presente. Era ótimo ser hóspede na casa daqueles dois, eram generosos, hospitaleiros e bem humorados. Sem contar que moravam numa chácara no Pântano do Sul, dava para ir a pé até a trilha da Lagoinha do Leste. Era perfeito, aquele encontro parecia coisa do destino mesmo.
***
Um comentário:
Ê Teresa... Que dedo podre você tem mulher!
O primeiro te abandonou.
O segundo é mambembe.
E o terceiro tem dono.
kkkkkkkkkk
Muito bom Alessandra. PARABÉNS!
Beijo.
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