quarta-feira, 24 de agosto de 2016

No quesito IGUALDADE, o Brasil ainda está longe do pódio

Talvez, a principal frustração da torcida brasileira nas Olimpíadas Rio 2016 tenha sido a ausência de nossa carismática seleção feminina de futebol no pódio de premiação. Sobre nós, prevaleceram as equipes de, respectivamente, Alemanha, Suécia e Canadá.

O time do Brasil começou a competição muito bem, com vitórias, garra, alegria de jogar e muitos gols; o que rendeu às nossas meninas comparações com sua equivalente masculina – que iniciou o torneio deixando a desejar em todos os quesitos mencionados. Porém, essa não é uma comparação justa, por três motivos: 1) Fora Temer; 2) Ao terminar as Olimpíadas, concretizou-se um resultado previsível, mas que parece desabonar o feito de nossas meninas pelo tamanho das expectativas geradas sobre elas, expectativas essas desproporcionais aos investimentos e à atenção da mídia ao longo dos últimos quatro anos; 3) Para comparar Marta a Neymar e a seleção masculina à feminina, seria necessário que todos tivessem igualdade de condições, o que está deveras distante de acontecer.

No Brasil, o futebol ainda é um esporte muito masculino. A desigualdade na distribuição de recursos é gritante, e um pouco disso pode ser atribuído aos níveis diferentes de desenvolvimento: basta lembrar que a primeira partida oficial disputada pela seleção brasileira feminina aconteceu em 1986, quando a masculina já tinha 72 anos de chão. Mas não é só isso. Há as abissais diferenças salariais. Mas não é só isso. Como atestou uma reportagem do jornal inglês The Guardian, de 2006, a partir da experiência da jogadora chilena Dania Cabello no Santos:

“‘Durante os treinos, tínhamos que esperar em nossos quartos na hora do almoço. Enquanto os jogadores almoçavam no refeitório, recebíamos bandejas. Era como se recebêssemos sobras’, contou Cabello, lembrando ainda que o time vestia uniformes masculinos usados e precisava treinar nas areias do balneário paulista porque o campo de treinamentos era ocupado por um dos times juvenis do Santos.

Ironicamente, o time foi extinto em 2011, como parte de um pacote de cortes feitos pela diretoria do clube para tentar custear a presença de Neymar - ele acabou sendo vendido pelo Santos ao Barcelona em 2013”. (1)

Mas não é só isso. Para se referir à prática de um esporte que, no Brasil, ainda é tão masculino, é preciso levar em consideração um aspecto fundamental: as barreiras impostas às mulheres para se inserir num mercado tão dominado pelos homens, parte integrante de um universo absurdamente machista.



Ouro, prata e bronze

Por exemplo: na Suécia, medalha de prata em futebol feminino, há políticas de incentivo ao combate de estereótipos contidos na separação de brinquedos e de cores entre meninos e meninas, para enfrentar o machismo desde o berço. No Brasil, o discurso obscurantista busca limitar a participação das mulheres no espaço público, e iniciativas medonhas, como a Lei da Mordaça, visam a proibir que professores e professoras desconstruam em sala de aula os estereótipos de gênero.

Segundo o primeiro-ministro Stefen Lofven, o governo sueco é feminista. O gabinete é paritário: 12 ministros e 12 ministras. No parlamento, 44,7% são mulheres (2). No Brasil, as mulheres não chegam a 10% da Câmara dos Deputados. Na Suécia, homens e mulheres dividem o trabalho doméstico e de cuidados, graças a muito investimento público no combate à desigualdade. Atualmente, estudam-se formas de intervir na composição do comando das empresas, para que mais mulheres alcancem os postos mais altos também no setor privado (3).

No Canadá, país que nos derrotou na disputa pelo bronze, o parlamento é composto por 26% de mulheres, e há paridade na composição do governo. Ao ser perguntado sobre por que ter metade de mulheres no Ministério, o primeiro-ministro Justin Trudeau não titubeou: “Porque é 2015”. Enquanto isso, no Brasil, uma mulher legitimamente eleita, e contra a qual não pesa acusação alguma, foi cassada por um golpe parlamentar que entregou o poder a um governo inteiramente masculino, conforme noticiaram alguns dos principais veículos internacionais de informação.

Na Alemanha, medalha de ouro em futebol feminino, já há cotas de mulheres na direção das empresas desde 1998. No Brasil, muita gente se queixa do mecanismo de cotas, por desafiar seus próprios privilégios. O Parlamento alemão é composto por 36,5% de mulheres. Lá, busca-se representar linguisticamente as identidades, como forma de combater a desigualdade: artigos científicos e acadêmicos devem usar uma gendergerechte sprache, ou seja, uma linguagem igualitária entre os gêneros. No Brasil, há quem se ofenda pelo uso da flexão presidenta, presente em dicionários de Língua Portuguesa desde antes de eu e Carmen Lúcia nascermos.



Ser mulher

Segundo entrevistas com 370 especialistas ouvidos pelo TrustLaw, da Fundação Thomson Reuters, em 2012, entre os países que integram o G-20 (20 maiores economias do mundo), o Canadá é o melhor país para se ser mulher. A Alemanha vem em segundo lugar. O Brasil lidera a metade inferior da lista: 11º lugar. Tal ranqueamento foi estabelecido a partir de critérios de políticas públicas de promoção da igualdade, de combate à violência e à exploração, aliadas ao acesso a educação e saúde.

O Global Gender Gap 2015, relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial – percebam: Fórum Econômico Mundial – mediu a igualdade entre homens e mulheres a partir de indicadores em quatro áreas: educação, oportunidade e participação na economia; saúde e sobrevivência; e empoderamento político. No ranqueamento, entre 145 países, temos: 4º Suécia; 12º Alemanha; 30º Canadá; 85º Brasil.

Por fim, vale mencionar que, num debate caro ao movimento de mulheres no que se refere à autonomia sobre o próprio corpo e a própria vida, nosso país também não sobe ao pódio: Alemanha, Suécia e Canadá têm o aborto legalizado em seu território desde os anos 70; enquanto, no Brasil, os obscurantistas procuram, cada vez mais, restringir até extinguir o acesso das mulheres aos poucos casos de aborto legal que a lei permite.

A paixão nacional brasileira é um esporte que, até outro dia, era praticado somente por homens, em cujo campo uma mulher que adentra como árbitra ou bandeirinha está sujeita a agressões e assédios que, em entrelinhas, afirmam que ela não é bem-vinda. Só por isso, Marta, Cristiane, Formiga e companhia já são verdadeiras heroínas: elas duelam com o machismo diariamente para se concretizarem como referências no país do futebol.

Não é possível falar da prática do futebol feminino no Brasil sem levar em consideração que, embora tenhamos avançado, nosso país ainda guarda sérias dificuldades em assegurar a autonomia das mulheres e igualdade de condições. Se com tantos obstáculos, chegamos aonde chegamos, imagine só aonde as mulheres podem levar este país se rompermos as barreiras da discriminação, da opressão e da exploração que ainda nos dividem.

(1) Extraído de matéria da BBC Brasil, que pode ser encontrada em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-37028976.

(2) Os dados sobre composição de Parlamentos neste artigo foram retirados de Global Economy.

(3) Com informações da Revista 2. Matéria disponível no portal Geledés:
Como a igualdade de gênero fez da Suécia um país mais rico - http://www.geledes.org.br/como-igualdade-de-genero-fez-da-suecia-um-pais-mais-rico/

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