quinta-feira, 18 de junho de 2015

A morte do celular

Meu telefone móvel veio a falecer e levou consigo minhas memórias. Uma meia-dúzia de fotos dessas que a gente tira quando o superego já está altamente flexibilizado. Aquelas risadas exageradas, que, depois, você vai descobrir que tinham motivo torpe. Umas que você estava guardando para sacanear alguém na hora certa.

Também, uma lista de músicas favoritas de Chico Buarque. Como eu não brincaria com poesia, cada esboço de verso que ali estava já tinha morada fixa, no papel ou no computador: eu jamais os abandonaria num veículo tão pouco confiável como o celular.

E claro: toda a minha agenda, que teimo em recompor a cada troca de aparelho. Não tem problema, chance de atualizar o círculo de amizades, quem foi embora, quem chegou... É interessante notar os telefones que se tonaram imprescindíveis desde a última atualização da agenda, e aqueles que você nem utiliza mais. Parece que foi de repente. Mas foi não.

A série de exercícios da fonoterapia ("você tem algum problema com celulares, não é?" - observou sabiamente minha querida fono). Aqueles convites para festas e sambas que eu guardava para ver depois - quase todos vencidos, mas com valor sentimental em voga ainda. Os memes que eu guardava na expectativa de serem oportunos.

Aquela conversa gravada no zap, nunca apagada porque você gostava de sentir o frio na barriga que ela provocava. O sorriso bobo guardadinho num diálogo. A conta do cara que você precisa pagar; a gravação original do "Pagode Caboclo", em meio às risadas das felizes testemunhas daquela criação pelos dedos do outro amigo.

Não adianta chorar, lamentar. É bola pra frente. Superar as irreparáveis perdas, despedir-se das velhas memórias e comprar um outro aparelho para gravar as memórias novas. E deixá-las ali, charmosamente suscetíveis a desaparecer a qualquer momento. Porque memória não foi feita pra ser física. Eu gosto do gostinho da nostalgia impresso no desbotado da foto mental.

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