Eu lembro quando eu era adolescente e morava na Vila Formosa, atrás de um clube. O quarto da minha mãe tinha uma sacada e dava para esse clube, e a melhor parte disso era que não havia prédios ou outro empecilho que me impedisse de olhar o mais longe que minha vista pudesse alcançar. Se prestasse bem atenção, dava pra ver as antenas de TV piscando lá bem longe, na Avenida Paulista.
Gostava de fazer isso porque, como já lhes confessei, me agrada a sensação de ser pequena. Eu me atirava no azul profundo do céu, e era melhor ainda quando era o azul escuro da noite. Era um mergulho, eu nem sei aonde eu ia parar, mas a sensação era boa. A vida toda pela frente. O horizonte todo pra ser mergulhado. O céu todinho pra se atirar.
Ontem, eu sentei diante do mar num dia chuvoso. O céu, entre o branco e o cinza. O mar verde verde, aquele verde escuro que me fez lembrar o escuro do céu visto da sacada do quarto da minha mãe, tantos anos atrás, uma outra eu. Você olha até o fim e não vê fim. Lá no fundo, caía um lindo temporal, que não ofuscava a beleza de tudo e não metia medo. A sensação era plena de paz. Aquela imensidão ali, olhando pra mim calmamente. Não lembro quando tinha sido a última vez que eu mergulhei.
Ainda estou embriagada por aquela imensidão. A mim, ela diz: calma. Quem tem uma certeza bonita como a eternidade, não se prende ao instante. A gente não tem, mas também devia fazer isso. Pra ser mais feliz. Pra ser mais forte.
A vida ainda é longa, o horizonte ainda convida para o mergulho, o céu continua profundo. A vontade de se atirar reaparece - ou é reativada. O coração transborda tão infinito quanto tudo isso. Só pode ser de amor.
Os tempos são turbulentos. Mas eu não. E se eu puder oferecer minha paz para vencer a guerra, meus braços já estão abertos.
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