Um bom texto do meu amigo Bernardo Cotrim sobre um assunto que deveria ter muito mais espaço do que tem tido na nossa democrática mídia brasileira. O racismo que inunda os campos de futebol do Brasil e do mundo, e que segue sendo, infelizmente, muito atual. Me lembrou o glorioso Graffiti, ex-São Paulo, cuja polêmica teve um desfecho mais razoável. Boa leitura.
O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
(Bernardo Cotrim)
Na noite da última quarta-feira, jogaram Cruzeiro e Grêmio, pelas semifinais da Copa Libertadores da América. O que tinha tudo para ser mais uma noite de futebol na TV ganhou contornos dramáticos: ainda no primeiro tempo, uma confusão envolvendo o argentino Maxi Lopes, do Grêmio, e os brasileiros Elicarlos e Wagner, do Cruzeiro, teve seu desfecho após o jogo, numa delegacia de polícia.
Vendo as imagens, fica claro que Maxi Lopes falou alguma coisa que ofendeu profundamente os dois jogadores do Cruzeiro. Após o jogo, Elicarlos revelou a ofensa e registrou queixa na delegacia do Mineirão. Segundo o volante brasileiro, que é negro, o atacante gremista o chamou de macaco.
Não é a primeira vez que uma confusão nos gramados envolve manifestações de racismo. No passado recente, casos como o da torcida organizada fascista da Lazio, time de Mussolini, imitando sons de macacos cada vez que um dos brasileiros negros da rival Roma tocava na bola, ou do camaronês Eto’o, do Barcelona, que ameaçou abandonar o campo durante uma partida do campeonato espanhol devido aos insultos racistas da torcida adversária, ganharam grande repercussão pública e motivaram uma campanha internacional da Fifa contra o racismo no futebol.
A novidade, neste caso, foi o comportamento da imprensa esportiva brasileira. Em uníssono, todas as resenhas do dia seguinte reprovaram o comportamento do jogador cruzeirense, responsabilizando-o por criar um “clima de guerra” para o próximo confronto entre as duas equipes, justificando que o ambiente de um jogo de futebol “é assim mesmo”, e que muitas ofensas acontecem durante a partida, e que Elicarlos não deveria trazer para fora do gramado os problemas que lá acontecem.
Confesso que fiquei escandalizado. O que seria, para o jogador ofendido, uma solução dentro do gramado? Engolir a humilhação, baixar a cabeça e aceitar como “parte do jogo” que um adversário cometa um crime? Agredi-lo fisicamente, colocando em risco sua permanência dentro da partida e prejudicando a própria equipe? Responder ao racismo com xenofobia, igualando-se ao agressor?
É trágico como a mesma imprensa brasileira que propaga que o racismo no Brasil não existe é a mesma a fechar os olhos diante da ação covarde e criminosa sofrida pelo jogador brasileiro. O que têm a dizer os detratores das ações afirmativas neste caso? Também me impressiona a semelhança entre o argumento de que “os problemas do jogo devem ser resolvidos no próprio jogo” com o velho ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” – sempre invocado para negar solidariedade às mulheres vítimas de violência doméstica.
É preciso reafirmar a mais ampla solidariedade ao volante Elicarlos. Se cada jogador vítima de racismo tiver a coragem do brasileiro e enfrentar o problema de frente, maiores serão as chances de combatermos preconceitos vis, que não devem ter espaço nem nos gramados, nem em lugar algum.
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