domingo, 31 de maio de 2009

A luta é dura, mas só ela muda a vida

Tem uma amiga minha que tem uma frase que eu gosto muito: a luta é dura, mas só ela muda a vida. Uma frase simples e tão completa. Tão verdadeira.

A gente luta porque não gosta do mundo como ele está – outra frase que gosto, de Paulo Freire: “o mundo não é, o mundo está sendo”. A gente acha que tem que ser diferente, que pode ser diferente, que é mentira que é natural.

A gente luta pra mudar as coisas que a gente acha que estão erradas. A gente luta pra convencer mais gente de que as coisas estão erradas e isso não é natural. A gente luta pra mais gente lutar também.

A luta é bonita. Mas ninguém disse que ela é fácil... cada tempo histórico traz dificuldades diferentes, inclusive. Lembro da Ermínia Maricato, num debate, respondendo a um companheiro de longa jornada na luta, que falava que sua frustração com o momento atual lhe doía mais do que a ingrata tarefa de sobreviver à ditadura. Ela bradava: “Não! A ditadura matava as pessoas! E nós estamos vivos!”

Mas são muitos os perigos desta vida. Ainda que hoje não haja uma ditadura que mate as pessoas. Lutar ainda é difícil, porque lutar ainda é ir contra a corrente.

A luta suga muito tempo da vida das pessoas. Perdem-se noites de sono, manhãs de preguiça, o cinema do sábado à tarde, a praia do fim de semana, perdem-se feriados, férias. A pessoa trabalha a semana inteira e depois, em vez de descansar, vai pra reunião, pra panfletagem, pro debate, pro seminário, pra eleição de não sei quê não sei onde.

A luta inclui muita gente. Gente sempre discorda entre si. É um inferno às vezes.

A luta não é livre das contradições do mundo que a luta quer transformar... entre os que lutam, tem disputa pouco nobre. Tem métodos pouco nobres servindo a essas disputas pouco nobres. Tem machismo, tem racismo, tem homofobia. Tem quem disputa poder afirmando preconceitos. Tem gente que disputa idéias armado até os dentes. Tem gente que acaba ferido por essas armas. Tem sectarismo. Tem isso de achar que só os seus valem (o sectarismo é um problema, não só porque ele faz “tratar pessoas mal”, ele condiciona a visão do mundo). Tem desrespeito, tem intolerância, tem donos da verdade. Tem tudo que no resto do mundo tem, afinal.

Essa constatação decepciona alguns e algumas. Espera-se, de quem luta, que esteja menos sujeito a determinados vícios que o mundo apresenta. Quem luta nasceu dentro desse mesmo mundo que quer transformar, sob suas normas, padrões, passou por processos semelhantes aos que todo mundo passa. Mas deve resistir. Tem que ser forte como a luta exige que seja, também pra não se render. Porque tem menos o direito de se render, por ter feito essa opção. Tem menos direito de se render, porque vê um mundo errado e não tem direito de fingir que não. Se fingir, atesta o que dizem aqueles que naturalizam tudo o que tá errado no mundo. Não pode.

Muitos o fazem. Não deviam. Diminuem o brilho do que a gente diz.

Muitos seguem o canto da sereia. Muitos desistem da luta por muitas razões – decepção com as contradições, desânimo com as dificuldades. Muitos trocam seus sonhos coletivos por sonhos individuais e mesquinhos. Muitos nem sequer tiveram esses sonhos verdadeiramente... pra quem segue na luta, é sempre um golpe observar todas essas situações.

Mas é só a luta que muda a vida. É dura. Tem essas contradições, tem a necessidade de sobreviver, às vezes parece que não tem resultado – é que nem sempre é simples enxergar processos históricos se desenrolando, se acumulando. A luta é dura. Mas nós estamos vivos, e em movimento, o que haveríamos de fazer, então? A luta é dura, mas a vida é mais dura. A luta é dura, as pessoas são imperfeitas, nós somos frágeis, as tentações para desistir são muitas, mas nós precisamos continuar.

Não sou sectária o suficiente pra aprender só com uma parte. Aprendo quase o tempo todo e adoro roubar pra mim o que cada lutador ou lutadora tem de melhor. Faço as minhas opções sem desistir de entender as dos outros que também lutam. Não acho que só eu estou do lado certo. Acho que estou do lado onde luto melhor.

Assim como Vinícius Carpinejar, todos os dias eu acordo serelepe para me conciliar com novas expectativas. Minha esperança é intocável. E eu não sou rancorosa. Tem a ver com isso. A luta é parte de mim e isso não me abala. Não sei se lutaria se não fosse cheia de esperança como sou. Recuso-me a olhar o mundo com a tristeza de quem lamenta o inalterável.

A luta é dura, mas é bonita. “E quem vai se importar com a dureza do mundo, se tem tanta coisa bonita?”, vem a questão. Mas no fim, é só isso mesmo: a luta é dura, mas só ela muda a vida. Não precisa de mais motivos.

Alessandra

Um comentário:

Marcos Rogério disse...

Alê, vc é demais.