Ao longo de sua caminhada pelo País, Alice carregava uma mochila na qual guardava as coisas que recolhia no percurso. Como o trajeto tinha sido longo, a mochila estava cheia. Lá pelas tantas, ela deu falta de alguma coisa. Não sabia o que era, mas sabia que alguma coisa estava faltando.
Era estranho, porque a mochila pesava mais que nunca. Como era possível que alguma coisa tivesse caído? Talvez fosse uma coisa leve.
Também, não adiantava ficar preocupada. Perdeu, perdeu. Não tem jeito: perder coisas pelo caminho é normal. Tomara que não fosse nada essencial.
O problema é que, com o passar do tempo e do caminho, a falta revelou-se avassaladora, e não dava pra percorrer o trajeto inverso buscando. Andara muito já. Um vazio tomava lugar em seu coração, mas não sabia o que fazia tanta falta, que tamanho tinha, qual a cor, a forma. Sabia que era leve, porque caiu da mochila sem fazer alarde.
Certo dia, apareceu-lhe o Gato Risonho.
- Noto que estás estranha, Alice.
- Pois perdi alguma coisa que não sei o que é.
- Talvez por isso a senhorita esteja meio ranzinza? - considerou o Gato - Seus passos andam mais duros.
- É porque quero ir rápido, mas não posso, a mochila pesa demais.
- Ninguém lhe ajuda?
- Não pedi ajuda...
Mirando Alice fixamente nos olhos, o Gato sentenciou:
- Você perdeu foi a esperança, Alice.
Era essa a falta que ela sentia em vão! Atordoada pela descoberta, Alice se entristeceu. Não sabia em que parte do caminho a esperança havia ficado, ou por onde havia se espalhado, talvez despedaçada, talvez esparramada aos poucos. Não sabia como resgatá-la.
Vai ver é assim mesmo, faz parte do caminhar. A esperança desbota, gasta, vaza - que nem aquelas almofadas de bolinhas de isopor, quando furam sem que você perceba. Que nem tudo que você usa muito. Gasta, ué, é assim mesmo.
Alice estava quase conformada, quando um homem que tinha nos olhos a cor das folhas que caem no outono cruzou o seu caminho.
- E por que, Alice, você não pediu ajuda a ninguém para levar esse peso? - ele quis saber.
- Não sei bem... Acho que não confio nas pessoas. A maioria delas não é boa não.
Ao ouvir aquilo, o homem adoçou a voz ternamente e respondeu com uma pergunta:
- Lembra-se, Alice, quando você era uma menina, antes ainda de encontrar este País das Maravilhas?
- Um pouco.
- Lembra-se da sua casa? Dos vizinhos que moravam à sua direita? À sua esquerda? Lembra-se dos vizinhos da frente?
Alice lembrava pouco, mas o pouco que lembrava era bom. Nenhum deles era lá muito normal, não. Mas veio à boca o gosto do bolo de cenoura coberto por chocolate que a senhora da frente fazia e compartilhava. As broncas rabugentas que ouvia da velhinha da direita cada vez que a bola escapava para a casa dela - mas ela sempre devolvia. As festas juninas na rua, os sorteios de bicicletas. As tardes de domingo. Mas lembrou-se, principalmente, de que a forma como a gente olha para as coisas e para as pessoas é parte fundamental do que a gente vê.
- Então, Alice. Aquelas pessoas eram boas - disse ela - Por que você pensaria que não?
Alice lavou os olhos de dentro pra fora para limpar toda desilusão que eles ainda guardassem. E assim, viu que, na verdade, ela não tinha perdido a esperança não. Ela estava ali o tempo todo, enrolada em outras coisas, misturada, sufocada dentro da mochila.
Olhou agradecida para aquele homem, e logo deduziu: para ser capaz de ensinar coisa importante assim, como salvar a esperança da omissão, de duas, uma: ou ele é professor, ou é um anjo que alguém me mandou.
Mas Alice não queria que ele fosse embora morar nas nuvens, então, passou a chamá-la de Professor. Era isso mesmo que ele era.
***
Minha singela homenagem a essa categoria tão indispensável e tão especial, com quem tenho muito orgulho de trabalhar.
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