A iniciativa pretende exterminar a construção de senso crítico e massacrar a diversidade presente nas nossas escolas, que somente é uma amostra da diversidade do mundo fora delas. E assim sendo, não é "só" a democracia que será atacada pelo projeto: a qualidade do ensino, de forma geral, estará.
Há 17 anos, um artigo de Rubem Alves num jornal de grande circulação me chamou a atenção para sempre. Nele, o educador trazia uma importante reflexão, ao contar a história da aeromoça a quem perguntou qual o rio que se avistava ao sobrevoar o Paraná. Ela, sorridente, respondeu que era o São Francisco.
"Posso jurar que ela não colou para passar de ano. Ela sabia direitinho os nomes. Sabia também olhar os mapas. Nas provas, marcou certo o rio São Francisco. Na escola, tirou dez. Então, como explicar que ela visse o São Francisco no norte do Paraná? A resposta é simples: não foi ensinado a ela que o mapa, coisa que se faz com símbolos para representar o espaço, só tem sentido se estiver ligado a um espaço que não é símbolo, feito de montanhas, rios de verdade, planícies e mares. Saber um mapa é ver, pelos símbolos, o espaço que ele representa".
O que Miguel Nagib e seus seguidores querem é ferir de morte exatamente isso. Querem que a escola se limite a falar das fases da mitose, do seno e do cosseno, da vegetação do sul da Ásia, das causas da Guerra dos Cem Anos; fazendo disso tudo apenas símbolos que não saem do laboratório, conhecimento sem sentido.
Expulsar o pensamento crítico das escolas é fortalecer esse olhar medíocre sobre a Educação; é contribuir para formar jovens incapazes de estabelecer relações e de se instrumentalizar dos símbolos para ler o mundo real. Como bem apontava Rubem Alves, conhecimento que não decifra a vida e não ilumina o mundo não é conhecimento. É enganação. Uma ótima palavra, aliás, para definir a tal Escola Sem Partido.
(Alessandra Terribili)
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PS: É sintomático que, 17 anos depois, eu recorra ao mesmo artigo para falar de Educação que eu usava na época, quando estávamos no auge do combate contra o Provão. Os tempos sombrios estão mesmo de volta.
PS 2: O artigo do Rubem Alves está no link http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz11079909.htm.
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