Tinha ficado pensativa a semana toda. A tal conversa não lhe saía da memória, mesmo que parte dela tivesse sido sugada para algum canto desconhecido da mente, levada que nem canoa desgovernada num extenso rio de águas calmas.
Falaram sobre demonstrações de amor. Ora, não precisam ser efusivas, nem frequentes. Ela sabia bem a chatice que é quando alguém insiste em dar um amor que o outro não quer receber. Tem também aquela história de assustar, e blá blá blá. Mas, no final das contas, ela nem percebia que demonstrava tanto, e amor é mesmo uma coisa que a pessoa faz sem notar. Coisa muito medida não tem como ser amor não.
Ao entrar na loja, Noel Rosa apareceu-lhe através de seus versos, que alguém, pelo rádio, pronunciava:
Agora vou mudar minha conduta
Eu vou à luta pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com a força bruta
Pra poder me reabilitar.
"Vai ver é assim que a gente tem que ser", pensou. A letra do poeta da Vila a fez contente novamente, e quando reparou, o céu estava muito azul e o sol brilhava majestoso. Não havia motivo para cansaço nem incerteza. A vida andava para frente, os caminhos se abriam naturalmente, como se fosse a natureza abençoando-a.
Porém, no mesmo instante em que deixou a loja com o pequeno embrulho nas mãos, e antes que as palavras de Noel fizessem sentido de vez, a mente lhe trouxe a voz de Renato Russo, aquele poeta triste que, ironicamente, cantarolou-lhe palavras doces e risonhas:
Vem cá, meu bem,
Que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você.
Olhou para o presente e sorriu para si mesma, pensando: "É, acho que eu não tenho jeito não".
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