domingo, 7 de abril de 2013

Em defesa das pessoas

As grandes palhaçadas disseminadas pelos meios de comunicação de massa são produto de uma lógica calculada, que tem como impulsionadora a ânsia pela venda, não a satisfação de uma demanda social.



Ninguém está imune à possibilidade de reproduzir o senso comum. Por mais que se julgue letrado e independente, nasceu e cresceu no mesmo mundo em que nasce e cresce o senso comum e as demais pessoas que habitam o planeta.

O senso comum faz parecerem imutáveis coisas que não deveriam ser naturalizadas. Existem centenas de milhares de exemplos. Os mais evidentes são os que relacionam senso comum e meios de comunicação de massa - sim, porque estes fortalecem e potencializam o senso comum, justamente contribuindo para sua naturalização.

Um que eu estou farta de ouvir de pessoas das mais diversas origens e contextos sociais é a ideia de que a mídia oferece qualidade de merda porque as pessoas querem isso. Tipo: o sensacionalismo e a exploração absurda tanto de tragédias coletivas quanto de vidas privadas existem porque "as pessoas" demandam. Vejamos.

Ponho-me em defesa desses seres anônimos, entes coletivos massificados, quase coisificados por quem se julga imune ao senso comum e porta-voz do olhar além do alcance.

Eu nunca soube que um SAC recebeu reclamações de telespectadores, ouvintes ou leitores famintos por manchetes sangrentas que não lhes foram oferecidas. Nunca vi manifestações de pessoas ávidas por informações da vida privada das celebridades que não lhes foram disponibilizadas. Nunca ouvi, numa mesa de boteco ou fila de padaria, alguém reclamar que não sabe o que aquela pessoa vítima daquele crime tão noticiado jantou três noites antes do fatídico dia.

Tsc tsc. A mídia cria e executa o tal do sensacionalismo e ela mesma justifica com: "é isso que as pessoas querem". Não podemos comprar esse discurso. Não podemos supor que todo o povo é idiota ou sádico.

Eu chego a compreender que haja certa curiosidade, por parte da média das pessoas, pela vida privada de quem se expõe através da mídia: se namora, se casou, o que fazia antes da fama, que música ouve. E isso não justifica a existência de papparazzis enfurecidos que perseguem celebridades pelas noites. Eu compreendo integralmente a comoção que se abate sobre toda uma nação quando de uma tragédia das proporções daquela recente em Santa Maria, por exemplo. As pessoas sabem se colocar no lugar dos outros. Imaginam-se pais, mães, irmãos, namorados, amigos. E isso não justifica a exploração da vida privada de famílias, do sofrimento de pessoas próximas, o choro diante das câmeras, a exposição desenfreada das próprias vítimas. Nada justifica, por exemplo, a tal fotografia do apartamento do Chorão, divulgada pouquíssimo tempo depois de sua morte, violando a privacidade de sua família e amigos, desrespeitando a memória dele (gostem do cara ou não) e passando de todos os limites do aceitável. Se a foto nunca tivesse sido divulgada, "as pessoas" não a pediriam ansiosamente.

A foto do apartamento de Chorão não é notícia. Não é essencial para ilustrar o acontecimento. Não exibe fatos novos, não é a prova conclusiva de nada - e ainda se fosse, sua reprodução em massa continua absolutamente questionável. É sensacionalismo puro. É desrespeito, é ânsia por vender seu peixe custe o que custar. Da mesma forma que cutucar uma pessoa que acaba de sofrer uma perda irreparável, fazê-la perder as estribeiras diante de milhões de desconhecidos, provocar seu pranto, sua emoção, isso não é notícia, isso não é essencial para compreender o evento, é desnecessário para dar a dimensão da tragédia. É sensacionalismo puro, é desrespeito, é o nível mais baixo aonde um profissional da notícia pode chegar. Não importa em que ele se formou, nem se fez aulas de ética e legislação.

Esse tipo de situação não é promovida pelo nada. Não se espalha pelo ar. São pessoas, outras, que encaminham essas ações. Essa é a questão. Eu me sinto ofendida como consumidora da mídia. E me sinto envergonhada como jornalista.

Não é justo responsabilizar "as pessoas". A responsabilidade é de quem produz e expõe esse conteúdo. "Ah, mas tem audiência". Não importa. Aposto que também tem a audiência de muitos que se indignam com a situação. Eu poderia replicar com: muita coisa de qualidade tem audiência. "As pessoas" gostam do que tem qualidade. Lembro-me, por exemplo, da época em que a TV Cultura tornou-se referência de programação infantil. Não foi porque meia dúzia de mestres e doutores lhe deram esse título. Foi porque "as pessoas" lhe davam a tal da audiência.

Não é um ou outro canal de TV. Não são os jornais impressos chamados "populares". Não é um raro portal de internet. É um comportamento generalizado - infelizmente -, verificável em veículos de comunicação dirigido a todos os extratos sociais, produzidos em todas as regiões do país, detentores de largo ou curto poder de alcance. Ou seja: as maiores emissoras de TV, os jornais de maior tiragem, etc etc etc, não só não escapam a essa lógica, como, muitas vezes, são os principais "alimentadores" desse comportamento-urubu, cuja principal razão de ser é a seríssima intenção de conquistar anunciantes.

Mais um motivo para se tratar como urgente a regulamentação da mídia e, principalmente, entender que nada é por acaso ou por culpa "das pessoas": empresas de comunicação são empresas; e desejam "liberdade" indiscriminada para fazerem o que bem querem, sem que a "liberdade" delas termine onde começa a sua. Isso NÃO é natural e pode SIM ser discutido. Censura é nos proibir de questionar.

"As pessoas", ainda que consumam essa merda toda, não podem ser responsabilizadas por alguma coisa cuja produção e veiculação em nada depende de sua ação.

Um comentário:

SpaceWagner disse...

Oi Alessandra!

Gostaria apenas de registrar meu pleno acordo com o que você escreveu e compartilhar minha indignação com esse problema. No dia da morte do Chorão (por sinal, não sei muitas pessoas lembram, foi um dia depois da morte do Hugo Chávez), eu verifiquei o que estava acontecendo no portal G1 e fiquei surpreso. Resultado: postei no meu blog, naquele dia.

Dá uma olhadinha depois, acho que temos pontos de convergência aí!

http://spacewagnercostaacosta.blogspot.com.br/2013/03/e-de-novo-midia.html

Um beijo!
Wagner