Suspirou fundo e disse que era isso mesmo, sem volta. No rosto dele, um tremendo ponto de interrogação. Não esperava, não estava entendendo, não encontrava motivos. Parecia tudo normal até dez minutos atrás.
- Tem alguém? - foi só o que conseguiu perguntar.
- Sim, tem alguém.
Silêncio ensurdecedor. Aquele momento de ter tanto pensamento na cabeça que eles se chocam entre si e não se articulam, não se concatenam, ficam ininteligíveis.
- Como você pôde? Como teve coragem de jogar todos estes anos pela janela?
- A opção foi sua, você a fez aos poucos.
- Mas quem é ele???
- É alguém que gosta da minha companhia, que se diverte ao meu lado, que se interessa pelo que faço, que me admira, que dá valor às minhas opiniões e a qualquer mínimo esforço que faço por ele. Enfim, é alguém que me fez perceber que eu não sou a otária dispensável que você me fazia sentir.
Tapa com luva de pelica. Tá bem, quer dizer que encontrou um príncipe encantado, que ele lhe calçou um sapatinho de cristal e foram, de carruagem, rumo à lua de mel???
A feição dela era serena... não estava preocupada, não sentia medo se arrepender, nem dor, nem remorso. Estava calma e falava devagar. Chegou a deixar poucas lágrimas escaparem, mas por ninguém, "só porque é triste o fim".
Já ele mal conseguia ter qualquer tipo de reação. Estava, como se diz, "pasmo". Dita a última palavra, ela saiu, disse que jantaria fora. Será que encontraria o tal amante? E como vai ser essa separação, ele não queria separação nenhuma! Talvez uma boa DR poderia resolver, que solução mais radical a dessa mulher! E que história é essa de valor?
Entupiu-se de remédios para dormir e desmaiou - no sentido figurado - no sofá, TV ligada na reprise do futebol de três dias atrás. Quando acordou, baita dor de cabeça. Ela estava saindo para trabalhar.
- Vou sair de casa no final de semana.
Ele não foi trabalhar. Sozinho, aproveitou para chorar. Perdido, sem rumo, sem reação. Nem sabia para quem telefonar, se devia pedir ajuda. Às vezes era tomado pela esperança de que sua mulher voltasse atrás.
Num impulso, ligou para a melhor amiga dela:
- Não, ela não está disposta a ser convencida. E nem eu quero convecê-la a voltar atrás.
- Mas ninguém toma uma decisão dessas do nada!
- Não foi do nada.
- E quem diabos é esse homem??? De onde ele é, como se conheceram, o que ele tem de tão bom?
- Eu não o conheço e você não deveria se preocupar com isso. Cuide de sua vida agora.
Mas não lhe saía da cabeça a descrição que a mulher dera do amante. Parecia ser alguém agradável. Espirituoso talvez. Talvez gostasse de política, astronomia, filmes de arte. Devia ser carinhoso.
De tão enlouquecido, passou a segui-la. Discretamente, acompanhava-a do momento em que saía do trabalho, ou da casa recém-alugada e ainda sem móveis, para observar com quem ela se encontraria e que trajeto cumpriria. Fez isso repetidas vezes, e nunca encontrou o tal sujeito.
Viu-a com colegas de trabalho algumas vezes, outras, com as amigas da ginástica. De vez em quando, saía sozinha e fazia amizades novas. Gostava de ouvir jazz. Preferia os assuntos bons aos ruins, sua gargalhada ecoava e o rosto era tomado pelo sorriso. Parecia de fácil trato, se entendia bem com os que estavam à sua volta. Em algumas ocasiões, falava muito sério, discutia assuntos relevantes com muita propriedade. Outras vezes caía de sono na mesa do bar, do restaurante ou da casa onde se encontrava. Levantava e ia embora. Dormir. Sozinha.
Passaram-se três meses seguindo-a, e assim descobriu muito sobre a mulher que até há pouco era a sua mulher. Mas nada de descobrir quem era o amante.
- Alô?
- Oi Jorge, como vai? - a voz era alegre (ela estava irritantemente sempre alegre).
- Liguei pra saber como tem passado.
- Muito bem, obrigada.
- Tudo bem com o novo namorado?
- Sim, tudo ótimo, vamos viajar no feriado.
Só faltava agora ela dizer que teria um filho desse destruidor de lares!
Chegou o feriado. Ele a seguiu pela última vez. Parece que ia à praia, mas saiu de casa sozinha. Tomou o caminho do mar, sem parar em lugar algum para buscar pessoa nenhuma. Foi direto, sozinha. Hospedou-se numa pousada simples, e estava sorridente. Levou livros, CDs e um único filme que queria assistir havia muito tempo, mas não o tinha feito ainda. Acordava, tomava café da manhã, ia à praia, lia, mergulhava. Conversou com muitos desconhecidos e desconhecidas.
- Jorge, o que está fazendo aqui???
- Cadê seu namorado hein? Ele te deu o cano?
- Você me deu o cano por anos, Jorge...
- Onde ele está?
- Ele não existe. Ele é da minha imaginação.
Esperava qualquer coisa, menos isso. Só faltava agora a mulher ser doida.
- Ele é tudo que você não é, ele é tudo de que senti falta nesses anos todos. E, agora, havendo um padrão, eu só volto a entrar nesse barco se for com ele.
- Mas ele não existe!!!
- Então não entro com ninguém. Estou bem assim.
- Uma hora você vai precisar de um homem.
- Eu preciso, mas já tenho muitos. E muitas mulheres também.
- Estou falando de sexo.
- Quando eu quiser sexo, eu terei. Não precisa ser com você e nem com ele.
- Ele quem, criatura, ele não existe!!!!
- Ora, não me amole.
Dirigiu de volta para a cidade atônito. Não sabia se era pior ser trocado por alguém ou por ninguém. A cabeça, outra vez, cheia de pensamentos que não se encontravam. "Ela ainda vai acabar me procurando", pensava para se tranquilzar.
Pelo caminho, passou por um outdoor que anunciava uma marca de lingerie, estrelando uma top model dessas que não têm paralelo na vida real. Observando a mulher na foto, imaginou: "Mas eu também podia ter uma namorada".
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