Certo dia, eu acordei grávida. Não sei o que aconteceu, eu não estava assim ao dormir. E dormi sozinha, sem ninguém, sequer acredito no Espírito Santo (somente no santo espírito que tagarela embriagado comigo depois de algumas doses sem jeito).
De repente estava assim, grávida, e não sabia pra onde correr, nem pra quem contar. Tanta gente com quem posso contar e tão pouca gente pra quem eu posso contar. E contei pra mim mesma para ver se eu acreditava, mas acho que não.
Saí grávida, sentindo enjoos e medo. Cheguei à aula, a professora me estranhou. Viu-me triste e quis me abraçar, mas não deixei. Corri trabalhar, mas não queria trabalho, queria pranto, estava confusa e apavorada. Parei de fumar, e só fui almoçar porque eu já não era uma só. Passei no banco, no supermercado, na farmácia. Foram todos gentis, mas pensavam que estava tudo normal. Estava não. Eu estava grávida.
Em casa não chorei mais, controlei meu medo e meu mistério para poder encarar as mulheres estéreis de quem descendo. Elas me sorriam - um pouco encantadas, um pouco com dó. Eu jamais consegui corresponder adequadamente o cuidado que elas têm por mim, e agora, que estava grávida, elas acreditavam mais do que nunca que sou especial.
Fui dormir quase conformada, lembro do suspiro profundo que precedeu minhas tentativas em vão de pregar os olhos. A barriga já se mexia, alguém ali já saltitava, eu não encontrava posição, sentia todo o peso dentro de mim. Quis chorar e senti culpa - ora, que criatura pode chorar para transbordar um filho? Tentava lembrar, mas minha memória fora engolida pela barriga. Aquela pessoa que eu era ficava distante, como vista bem pequena no afastar-se de uma estrada, e eu não tinha outra saída se não fazer com que se reconciliassem meu desejo e meu destino.
Dormi porque não consegui mais não dormir. E quando despertei, a cama estava repleta de cores estranhas, mas vibrantes. Alguma coisa havia saído do meu ventre, mas eu não encontrei.
Tropecei numa clave de sol, andei pela casa à procura do meu filho, e estava tão leve que tinha que me esforçar para fincar os pés no chão. Procurei por todo o canto e aquelas cores ainda caíam de dentro de mim, como fossem o que sobrou daquela gravidez não planejada.
Aos poucos, o chão era feito de puras cores. Tanto, que a casa parecia outra agora. Era uma casa mais bonita, e parecia fazer mais sentido que antes. A doutora que cuida da minha alma me recomendou um pouco de repouso, e quando abri a janela, lá estavam todos os sonhos que eu tinha esquecido. Havia um vasto horizonte, barulho de água corrente, raios de sol e uma paz que eu nunca tinha visto, só imaginado. O céu estava aberto, e havia música tentando entrar em casa.
Eram duas músicas, na verdade. Deixei que entrassem e elas me fizeram companhia, disseram que logo viria uma terceira canção e que, só então, poderiam agraciar meu bebê.
Acabei lhes contando que eu não sabia aonde o bebê foi parar. Elas riram de mim: mãe de primeira viagem. Dentro de mim, já não havia um filho, mas sim, alguma coisa forte e definitiva que pulsava alegremente, sem se preocupar em acertar o compasso.
Nunca encontrei o tal bebê. Mas as cores ficaram pelo chão, a janela permaneceu aberta e, quando chegou a terceira música, elas me tranquilizaram, assegurando que esse tipo de parto é assim mesmo.
Até hoje, eu não sei bem o que foi que aconteceu naquele dia. Mas eu nunca mais fui a mesma. Nem minha casa. Nem meu coração.
Um comentário:
Já havia lido. Li outra vez. Todo o sentido, temos essa conexão com a "geração-de-coisas-em-nós" que vai além de um bebê.
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