sexta-feira, 7 de maio de 2010

De presente para as mães, um futuro de liberdade e igualdade

Eu já não gosto daqueles exageros tradicionais que se associam ao ser mãe. Em muitas entrelinhas, lê-se que mãe é aquela sujeita que, irracionalmente, como os animais (frequentemente são comparadas a leoas), provêm, garantem e defendem os filhos e filhas do resto do mundo.

Não gosto da ideia de que "mãe é tudo igual, só muda de endereço". Também não gosto da mística que há em torno da maternidade - é uma bênção, é uma dádiva, é a razão de viver. E não gosto da fábula da mãe coruja, por fim. Ou até gosto, pela denúncia, não pelo culto à "corujice"...

Mas isso sou eu. Tem coisa que não sou eu, que é o mundo.

A maternidade é sim, muitas vezes, um dos caminhos para se ter controle sobre as mulheres e seus corpos. "Uma mulher só é completa se for mãe", proclama-se. O fato de poderem ser mães acaba fazendo delas eternamente reféns do trabalho de cuidados, como se fosse isso uma aptidão natural intrínseca à capacidade de gerar filhos. Então, sempre caberá à mulher, que é por desejo divino um ser cuidador, terno, sensível, cuidar de crianças, de idosos, de pessoas doentes no âmbito doméstico. E se encaminharem naturalmente, no mercado de trabalho, a profissões como Enfermagem, Magistério, Serviço Social e outras. Todas profissões essenciais à vida humana e absolutamente dignas, mas desvalorizadas no mercado em relação a outras, com predominância masculina. É sabido e atestado por inúmeras pesquisas que a feminização de uma carreira incorre numa queda de salários na mesma.

A recusa da maternidade é condenada pela sociedade - orquestrada por suas instituições, como a Igreja, por exemplo - como se as mulheres que não desejam ser mães fossem as bruxas da inquisição. Entre as razões para se manter o aborto criminalizado, está esse pensamento retrógrado de não admitir que uma mulher não queira ser mãe. Como se fosse um destino natural irrefutável.

As vilãs nas novelas não são mães, ou se são, o principal atestado da maldade é o péssimo modo de desempenhar a maternidade. Nas novelas, a maternidade pode representar a redenção de uma vilã em recuperação. Quer algo mais revelador do pensamento dominante do que um enredo de telenovela?

E assim, a indústria, o comércio e mídia se apropriam dessa opressão toda para ganhar o seu. Todo dia das mães é a mesma coisa. Milhares de propagandas na TV, no rádio, nos jornais, revistas, internet anunciam produtos que vão deixar sua mãe bonita, de acordo com os padrões do mercado - cosméticos de todo tipo, roupas, acessórios -, ou, principalmente, eletrodomésticos e utensílios domésticos incríveis que vão permitir a sua mãe ser uma serviçal ainda melhor pra você, pro seu pai, pros seus avós, seus irmãos e quem mais morar na sua casa (ou apenas frequentá-la).

Como ser mulher é muito determinado pela capacidade de dar à luz, fica claro, em todo dia das mães, que o mercado quer as mulheres domesticadas. Quer que continuem cumprindo dupla ou tripla jornada - mas com mais classe, elegância, com mais agilidade graças aos produtos que vendem.

Mas se a sociedade realmente respeitasse as mães, não é assim que elas seriam tratadas.

Assim como se fala do mundo que se quer deixar para os filhos, o que eu queria é que minha mãe tivesse um mundo que não reserva um destino irrefutável pra ela, mas que todas as mulheres pudessem, autonomamente, compor sua própria história. Que possam ser quem quiserem ser, que não dependam financeira nem emocionalmente de ninguém. Que sejam livres, que não seja naturalizado o tanto de trabalho gratuito que realizam em nome "do amor". Que o Estado e os homens garantam a socialização desse trabalho. Eu queria que a mãe de ninguém fosse vítima de violência doméstica, de violência sexual, ou da violência simbólica praticada todos os dias pela mídia e pelo mercado que a organiza, que define que a mulher sofre, que a mulher aceita, que a mulher se subordina. Eu queria que nenhuma mãe fosse submetida ao mar de mercantilização que nossa sociedade se tornou, tratando os corpos delas, de suas filhas, de suas amigas como se fossem produtos a serem consumidos. Ou então, como se fossem corpos doentes, imperfeitos, que precisam ser consertados, medicados, que precisam sofrer intervenção.

E também queria que nenhuma mulher fosse obrigada a ser mãe se não quiser ou não puder. Que todos os filhos e filhas façam mãe mulheres que optaram por isso, planejaram, querem e têm condições de exercer a maternidade da melhor forma possível.

Era isso que eu queria pra minha mãe e pra mãe de todo mundo. E quando eu for mãe, é isso que eu quero de presente no dia das mães. É pedir muito?

***
Este vai dedicado à minha mãe, né. Porque eu tenho certeza que ela vai ler e quase certeza de que vai gostar. rsrs...

2 comentários:

Renata Luna disse...

Prezada Alessandra,
tenho lido e gostado muito de seu blog.
Tive a oportunidade de ler o texto sobre as mães e concordei com quase tudo, rsrsr.
Apenas não compartilho da idéia da mística, da não aceitação da mística da maternidade,a menos que vc tenha dito em outro sentido."não farei aqui um tratado sobre a alegria de ser mãe" até pq ainda tenho aprendido muito. A experiência de ser mãe é algo extraordinário sim ... assim como são outros aspectos da vida: a política, militância. Pq a mística é necessária à sobrevivência plena de qq ser e aqui não de crença, religião nem nada parecido..Isso não é uma mensagem subliminar da classe dominante sobre as mulheres não. Todas as raças experimentaram isso antes que existisse esse modelo destruidor que aí está, do jeito que está. Existe sentimento mais revolucionário do que este: o amor, através da experiência da maternidade primeiro ao seu descendente e por consequencia a todas as crianças da terra? como se cada um fosse filho seu e quisesse protegê-lo e lutar por um mundo melhor para todas essas crianças?? sou a favor da descriminalização do aborto e confesso que não o sou ao aborto, a menos nos casos previstos em lei que até isso querem retirar. Estou atenta também ao discurso de movimentos como as Católicas pelo direito de decidir e me permito ouvir e pensar sobre seus argumentos, por exemplo. A experiência de ser mãe, da experiência mística que se constitui é inegável, na minha opinião: a maturidade que vem com esta experiência é apenas uma das consequencias positivas, outras milhões estão por aí.Sei que as que não tem filhos o mesmo acontece. Discordo sim, com a exacerbação que se faz desta experiência, com a utilização mercantil e ideológica para subjulgar as mulheres.Com o restante do texto, concordo em gênero, número e grau.
Parabéns pelo blog!

Renata Luna disse...

Desculpa, não assinei meu comentário:
Me chamo Renata Luna e meu e-mail é renatalluna@yahoo.com.br