sexta-feira, 5 de março de 2010

Vagabundas, gostosas e outras "gracinhas"

Vocês sabem que eu estudei na ECA, a Escola de Comunicações e Artes da USP. A universidade é, por excelência, onde se produz crítica e inovação. Deveria ser. Vez ou outra podemos observar aberrações que chocam ainda mais porque se esperaria outra coisa de "intelectuais" e "letrados".

Mas ainda bem que, se há esses, também há quem se indigne, e não se cale.

Leiam o artigo de Tatiane Ribeiro, estudante de jornalismo da ECA-USP, sobre lastimável fato recente, na esteira das recepções a calouros/as, em que uma organização de estudantes da faculdade - a "Atlética" - engrossa o côro da mesmice do machismo mais tosco e trivial como se fosse "descolado".


Vagabundas, gostosas e outras piadas

(Tatiane Ribeiro)

100 anos do Dia Internacional das Mulheres. Ou seja, no mínimo, 100 anos de luta das mulheres. Conquistamos muitos direitos, e não foi fácil. Mulher, hoje, tem o direito de estudar, votar, trabalhar (mesmo que os índices provem que a mulher ainda ganha menos que o homem na mesma posição - e se for negra, então...).

Mas, hoje, dizem que com a liberalização, com a pílula anticoncepcional etc, a mulher pode se considerar sexualmente livre. Ela pode, enfim, ser dona e responsável por seu próprio corpo, sem ser coagida pelo seu senhor (pai, marido, sociedade). PODE?

Entre os muitos recadinhos, ali está, sem critérios, o "ecana vagabunda... eu bem que avisei". Avisou? A quem? Obrigada por me contar que eu sou uma vagabunda. Obrigada por me contar que você, macho alfa, tem o direito de fazer não importa o que e eu, pobre fêmea da espécie que sou, não posso. Obrigada por me avisar que o ambiente universitário é tão machista e conservador quanto todo o resto da sociedade. É sempre bom ser lembrada que ainda tenho muito por que brigar... e muita passeata, muita luta pelo direito das mulheres.

"Ah, mas é só uma brincadeira". Sim, é uma brincadeira. Mas, vamos aos fatos: é na brincadeira que se pode dizer qualquer coisa que quiser, e tudo bem. É só uma brincadeira. É na brincadeira que as verdades enrustidas podem vir a tona. Porque rir no final é dizer amém, mas ao mesmo tempo, é fingir que não concorda.

Só por brincadeira, quando eu estava no Ensino Médio, sempre que alguma coisa sumia, eu ouvia: "procura nas coisas da Tati, ela é preta!". E só pra se divertir, outros colegas adoram falar de quantos essa ou aquela já pegaram. Mas, olha, são só brincadeiras, nada de mais.

Mas vamos a um fato mais recente: só por brincadeira, certos estudantes de uma universidade PARARAM as aulas, gritando que a colega era uma vagabunda por conta do tamanho da saia que estava usando. E por conta dessa brincadeira, ela se viu obrigada a se trancar em uma sala e ser escoltada pela Polícia Militar para conseguir sair.

Não, não estamos falando da USP. Nela, alunos da Faculdade de Direito escreveram em um jornal do Centro Acadêmico XI de Agosto (em 2005) que homossexualismo é doença e que AIDS é a solução. Mas não se preocupe, foi só uma piada de mal gosto, nada de mais.

E não estamos falando da ECA, porque a Escola de Comunicações e Artes é livre, aceita todos os tipos diferentes. Mas não sem uma piadinha ou outra. Não sem fazer rótulos. Não sem dizer que o curso de Jornalismo tem o ano sim e o ano não. Deixe-me explicar a piada: no ano sim, todas as meninas são lindas e os caras são gays. No ano não, os caras são machos, mas as meninas são barangas.

E é assim, piada a piada, que continuamos numa sociedade machista. Que continuamos fazendo da mulher um pedaço de carne ambulante. Que as dividimos entre as "pra comer" e as "pra casar". E isso não é uma piada. Como não é engraçado ser abordada na rua, ser coagida, ter que pensar numa roupa que não seja provocante de mais, porque senão, depois não reclame...

Enquanto as piadas super engraçadas continuarem passando, ainda teremos homens e mulheres achando que é normal que haja diferenciação de salários, que seja normal que a mulher tenha dupla jornada (no trabalho e nas tarefas femininas da casa). São essas as piadas que perpetuam que a mulher só pode chegar a um grande cargo se transar com o chefe, afinal, teste do sofá nela.

Peço desculpas aos leitores que acham que estou exagerando. A vocês, sugiro que pensem em certezas implícitas: por que as mulheres tem que escolher entre serem bem-sucedidas e terem família? Por que as mulheres não podem andar de decote e/ou saias curtas? E por que elas tem que ter um homem para serem felizes?

Eu dou as respostas:por que as mulheres tem que escolher entre serem bem-sucedidas e terem família? "Essa aí largou os filhos na vida, só pensa em trabalho". Por que as mulheres não podem andar de decote e/ou saias curtas? "Ê, lá em casa!" E por que elas tem que ter um homem para serem felizes? "Ih, a fulana já tem 40 e tá solteirona. Já ficou pra titia..."

Mas não se preocupe, eu estou exagerando... são só piadas...

Eis o fatídico anúncio:

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