sábado, 19 de novembro de 2016

O feminismo é uma prática*

Um dos melhores abraços que já ganhei na vida veio acompanhado de uma frase forte: “Muito obrigada por nunca ter desistido de mim”. Eu estava chegando a um Encontro de Mulheres da UNE, onde iria palestrar, e a moça se dirigiu a mim antes mesmo de eu entrar no local.

Eu a conhecia havia algum tempo. Era uma aguerrida militante do movimento estudantil, cheia de disposição, inteligente, forte. Ocorre que não gostava do feminismo. “Ai, Alê, desculpa, eu gosto de você, mas essa coisa de feminismo não é pra mim não”, ela dizia, justificando-se ora na dificuldade que tinha com pautas delicadas, como a questão do aborto, ora porque considerava que sua trajetória individual prescindia de “muletas” para alcançar seu lugar.

Agora, eu a encontrava feliz no Encontro de Mulheres Estudantes da UNE (EME), realizada na plataforma feminista e transformada como militante e como pessoa. Disse-me que o feminismo mudou sua vida. E, certamente, ela faz diferença na vida de muitas mulheres hoje.

Não é um caso isolado. Neste meu caminho de mais de 15 anos no feminismo, conheço muitas companheiras que já se disseram “femininas e não feministas”, ou que não vão se meter com “pauta de mulher”; e hoje são corajosas e determinadas defensoras da plataforma feminista nos espaços que ocupam.

A gente não tem o direito de desistir de ninguém. Nossa luta é dura, o caminho é longo e difícil. Todas são importantes. Como era mesmo aquela palavra de ordem... Nenhuma a menos, certo?

Aprendi com o movimento de mulheres que a gente deve acreditar nas mulheres. Quando elas narram uma situação de violência que sofreram, mas o homem nega. Quando elas se sentem incapazes de fazer uma fala em público. Quando elas participam do movimento de mulheres, mas têm dificuldade de enfrentar o patriarcado na própria casa. Quando elas dizem que não precisam de feminismo.

Eu nunca desisti daquela moça mesmo, e me alegro quando lembro aquela tarde em Salvador. Orgulho-me de não ter aproveitado nenhuma das chances que se me apareceram de desqualificar uma mulher com base nos argumentos machistas que combato, mesmo quando essa mulher já se utilizou da sua condição hierárquica sobre mim para me constranger.

Fui formada numa tradição que entende que podemos ter convergência no feminismo e divergência na conjuntura. Que podemos ter convergência na conjuntura e divergência no feminismo. O que nós não podemos nunca nunca é pensar que podemos prescindir umas das outras. Ou pior: não podemos em hipótese alguma afastar ou excluir mulheres das nossas fileiras. Ou pior ainda: JAMAIS desqualificar de forma leviana uma mulher que frequenta os espaços de debate feminista, a fim de expulsá-la de lá. Mesmo se algum dia ela tenha dito que é feminina e não feminista. Mesmo que você não vá com a cara dela. Mesmo que você a confronte nas instâncias políticas cabíveis.

Na minha humilde opinião, aquela que pensa que pode excluir mulheres da “sua” luta precisa mais de ajuda que aquela que ainda não se convenceu do feminismo. De minha parte, estou aqui para estender-lhe a mão. Foi o feminismo que me ensinou que é assim que eu devo agir.

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* Esse foi o título de um dos processos de formação e debate que organizamos com as mulheres da Juventude do PT, há muitos anos. Sigo confiando muito nessa premissa.